Estatais são “orgulho nacional”? Petrobras, Eletrobras e Correios dizem o contrário

As funções do Estado são e sempre serão motivo de discussão. Existem pessoas que acreditam que este deva fazer parte de todas as ações públicas e privadas por ser capaz de controlá-las; também existe outros que acreditam que tudo que ele toca vira pó (então deveria ficar longe de toda e qualquer atividade). No meio do caminho está o grupo de pessoas – no qual me incluo – que acredita que algumas funções do Estado devem existir, mas que este não deve ser o fornecedor de todos os serviços e produtos mas sim deve agir como uma espécie de formador de regras do jogo.

Independente de qual seja a opinião, partindo para alguns dados vemos que realmente não é um bom negócio ter a figura do poder público sobre o comando de empresas – principalmente pelo fato de que, enquanto os benefícios auferidos por essas instituições geralmente são privados/reduzidos, os prejuízos são totalmente públicos. Um adendo: o termo “estatal” neste artigo se refere não só ao caso de controle total da empresa (como nos Correios) como também dos casos de sociedade mista em que a decisão governamental (que pode ser técnica ou política) é a que vale (como na Petrobras e na Eletrobras).

Sobre o caso da Petrobras é comum encontrarmos como justificativa que o governo deveria encaminhar sua privatização devido aos custosos e notórios casos de corrupção. Porém, não para por aí: a empresa iniciada pela famigerada campanha “o petróleo é nosso” [1] faz muito mais pelos grandes grupos privados do que se pode imaginar. Como? Fixando os preços. A questão de fixar preços é polêmica: busca-se obter um ganho de curto prazo para toda a população quando o preço real está acima dele (mesmo que isso custe em subsídios, cuja conta mais hora menos hora aparece [2]) e perde-se quando o preço está abaixo.

Trazendo para a realidade brasileira: de 2008 a 2013 os combustíveis ficaram numa faixa de preço quase fixa em termos reais (e com altos subsídios, pois o preço do petróleo – que dá base a esses preços – estava muito acima do combustível que era vendido aqui) e, após uma queda vertiginosa da cotação do petróleo internacionalmente, a fim de fazer caixa para a empresa, temos hoje um preço de combustíveis consideravelmente maior do que a média internacional (isso sem falar no efeito de redução de investimento, quebra de empresas e desemprego gerado, em cadeia, sobre o setor sucroalcooleiro durante essa “segurada” de preços) [3]. E como grupos empresariais lucram com isso? Simples: como o preço daqui é 40-60% superior ao internacional [4] [5], eles importam combustível com esse diferencial e o vendem aqui. Outro problema grave iniciado pela empresa foi sua mudança sobre os recursos humanos que, buscando beneficiar os sindicatos de trabalhadores da companhia, agora faz com que ela arque com processos bilionários [6].

Esse aparelhamento estatal todo não garante nem resultados (em 2015 a empresa teve o maior prejuízo de sua história [7]) e nem empregos (estes que estão indo embora não só pelos efeitos da Lava Jato, mas também por investimentos incorretos – politicamente orientados, em muitos casos – realizados [8]).

Na Eletrobras a situação é análoga: a companhia, também de capital misto [9], forçou uma queda de preços na energia elétrica brasileira em uma medida direta do poder executivo federal em 2013 e isso implicou em uma forte queda nos investimentos no setor – apenas no ano de 2015, temos que metade da queda da taxa de investimento sobre o PIB se deveu a políticas públicas equivocadas em estatais [10]. Essa queda tem o seguinte motivo: como contratos de investimento de longo prazo apresentam desembolsos vultosos no tempo presente e retorno em receita ao longo do tempo – tendo um payback (retorno do capital investido) demorado, geralmente –, é natural que, mexendo-se na estrutura de receitas, a confiança para efetuar novos investimentos é reduzida enormemente. Desde 2012, a empresa encontra-se em dificuldades financeiras e, atualmente, estuda inclusive vender ativos para melhorar seu caixa [11]. Nem as medidas populistas de fixar o preço da gasolina e baixar o da energia tiveram efeitos duradouros: em 2015 (o ano em que a conta chegou), o impacto somado dos aumentos desses dois preços foi de quase um quarto no total da inflação [12].

O caso dos Correios é ainda mais curioso: diferentemente da Petrobras, os Correios são monopolistas em seu setor [13] e, mesmo assim, apresentam prejuízos bilionários e recorrentes, não só financeiramente falando quanto também em qualidade dos serviços prestados [14]. Isso ocorre não apenas pela ausência de incentivos para melhorar sua gestão – essa que advém da competição não enfrentada – como também pela relação de politicagem existente entre seu fundo de pensão e partidos políticos que comandam o governo federal: por motivos que ainda estão sendo apurados (mas, pelo que tudo indica, foram ideológicos), decidiu-se que os investimentos a serem feitos por eles teriam como destino não os títulos mais produtivos e com maior capacidade de pagamento (como se imagina ser racional quando do momento de realizar investimentos) e, como consequência atual, o rombo terá de ser coberto com os salários dos próprios funcionários da empresa [15].

Geralmente é neste momento que quem se encontra no primeiro grupo citado no artigo – o de pessoas que acreditam que o Estado deve controlar tudo – faz a acusação a este autor de ser “entreguista”, “favorecedor dos grandes grupos do capital”, dentre outros “elogios”. Mas fica aqui uma séria reflexão: vale mesmo a pena que o governo siga no comando de empresas que prejudicam toda a nação de algum modo? É inteligente imaginar que tais monopólios garantirão mesmo benefícios a todos nós? É “entreguismo” querer um fornecimento de serviços e produtos mais eficiente? Vale a pena encararmos prejuízos dantescos em prol de um bem maior que fica concentrado e de um retorno em serviços caros e ineficientes?

Estamos vivendo um momento de discussão sobre a extensão do Estado em nosso país e, pontos importantes como esse das estatais não podem ficar de fora – não só pelo ponto “quanto custam para existir” quanto no sentido “qual a razão prática de existirem”. Afinal de contas, se apresentam resultados negativos em diversos aspectos (financeiro, geração de empregos, preço ao consumidor), está provado que há algo errado com essas instituições e que elas precisam de revisão – seja esta a privatização ou a permissão de que existam novos concorrentes.

Caio Augusto de Oliveira Rodrigues é bacharel em Economia Empresarial e Controladoria pela FEA-RP/USP e criador do blog Questão de Incentivos.

Fontes:

[1] http://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/campanha-petroleo-nosso-mobilizou-brasil-no-final-da-decada-de-40-10401791

[2] http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2014/02/petrobras-gastara-140-mais-com-importacao-de-combustivel-ate-2020.html

[3] http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572015000300531

[4] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/02/1742607-distribuidoras-aumentam-ganho-com-preco-alto-de-combustiveis.shtml

[5] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1731772-com-preco-alto-da-petrobras-empresas-importam-diesel.shtml

[6] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1752535-petrobras-investiga-prejuizos-com-politica-de-recursos-humanos.shtml

[7] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1752492-petrobras-teve-prejuizo-de-r-34836-bilhoes-em-2015.shtml

[8] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/03/1755010-pos-lava-jato-petrobras-ja-demitiu-170-mil-funcionarios.shtml

[9]            http://www.eletrobras.com/relatorio_sustentabilidade_2013/perfil-corporativo/composicao-acionaria/

[10] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,queda-do-investimento-e-recessao–imp-,1811098

[11] http://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2016/06/10/situacao-da-eletrobras-e-insustentavel-e-governo-prepara-venda-de-negocios.htm

[12] http://www.valor.com.br/brasil/4383460/inflacao-alcanca-1067-em-2015-maior-desde-2002

[13]         http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/o-monopolio-dos-correios-eudcp1uq2hhtwgx29qb52wqby

[14]         http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/oprejuizo-dos-correios-ae4kzs642tvj6u4p29239l2r2

[15]http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2015/03/23/internas_economia,476556/funcionarios-terao-salarios-reduzidos-para-pagar-rombo-nos-correios.shtml

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em junho de 2016:

– Terraço Econômico (20/06/2016) – http://terracoeconomico.com.br/estatais-sao-orgulho-nacional-petrobras-eletrobras-e-correios-dizem-o-contrario 

– InfoMoney (22/06/2016) – http://www.infomoney.com.br/blogs/terraco-economico/post/5190344/estatais-sao-orgulho-nacional-petrobras-eletrobras-correios-dizem-contrario

– Repost na página do Terraço Econômico (22/06/2016) – https://www.facebook.com/terracoeconomico/posts/1408206022563537 

Limite para o gasto público: por que as medidas da equipe econômica de Temer são positivas

As medidas da equipe econômica do governo interino de Michel Temer estão sendo anunciadas aos poucos. Muito se temia, em diversos setores, o anúncio imediato de aumento de impostos e cortes de benefícios. Entretanto, optou-se por uma terceira via, quase que não compreendida pelos representantes da mídia que estiveram presentes à entrevista coletiva que anunciou tais medidas: o teto, em termos reais, para os gastos públicos. O que isso significa, na prática: a otimização dos desembolsos públicos precisa ocorrer urgentemente, e, embora pareça ser um cenário impossível para muitos setores que alertam sobre possíveis retrocessos, esse aprendizado será positivo. Pela primeira vez em gerações teremos como ideia central o controle das despesas e não o aumento das receitas [1].

Desde a redemocratização brasileira – que culminou, em termos legais, na Constituição Cidadã de 1988 – a pauta de discussões de todos os governos passou a incluir diversos aspectos de atendimento social. Isso se deve ao movimento de universalização dos serviços públicos de alguns setores:

Capítulo II
Dos Direitos Sociais

Art.º6 “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Em um olhar histórico, vemos que a carga tributária em porcentagem do PIB aumenta há muitos anos: desde o final da década de 1940 até os dias atuais, ela mais que dobrou (saímos da proximidade de 15% e estamos próximos de 35% atualmente). Aliás, não foi o pós-redemocratização um período isolado de elevação considerável da carga tributária:

CTB Brasil
Fontes: [2] e [3]. Elaboração própria.

Essa evolução histórica mostra claramente como cresceu, nas últimas sete décadas, a participação do Estado na economia. Existem pontos positivos (como a universalização de serviços) e pontos negativos (más alocações que ocorrem) deste avanço, mas o mérito da questão a ser discutida aqui é outro: a quase ausência de métricas sobre os programas governamentais faz com que não exista uma adequada priorização dos desembolsos (uma discussão mais ampla sobre este problema e seus impactos nos últimos dez a doze anos foi feita em um Roda Viva com o economista Marcos Lisboa, recentemente [4]).

Como resultado infeliz dessa negação de mensurar o que estaria dando certo e o que não estaria, toda e qualquer redução de arrecadação faz parecer com que todos os programas e direitos sociais estejam efetivamente ameaçados (como Paulo Frateschi, um dos fundadores do PT, apresentou sobre retrocessos que imagina que ocorrerão  no país com a redução dos gastos governamentais em outro Roda Viva, uma edição que promoveu a discussão dos desafios do governo interino de Michel Temer [5]).

Neste mesmo Roda Viva que discutiu o que viria a seguir no governo interino, Alexandre Schwartsman (ex-diretor do Banco Central do primeiro mandato de Lula) lembrou que, em 2005, foi justamente Dilma Rousseff quem afirmou ser “rudimentar” o plano de longo prazo de estabilização de despesas proposto por Antonio Palocci e Paulo Bernardo [6] – ministros da Fazenda e do Planejamento, à época. Esta opinião continua até os dias atuais, como demonstra uma recente declaração da presidente afastada em relação ao assunto [7].

Uma evidência de que a otimização tem espaço é o gráfico abaixo, que mostra como a evolução dos gastos do governo esteve acima do PIB nos anos recentes – o que, quando não impactou em aumento da carga tributária, resultou em aumento da dívida pública:

A foto da gastança
Fonte: [8]

A otimização de gastos proposta coloca na pauta de prioridades uma questão de difícil execução em nosso país: precisamos analisar os gastos públicos de maneira mais detalhada para elencar o que deve seguir em frente e o que pode ser descontinuado. As dificuldades envolvidas neste processo são basicamente duas: não há, na média, mensuração de melhoria de vida gerada por muitos dos programas (muitas vezes o que existem são dados de população atendida) e, ainda mais difícil do que isso, existe uma clara resistência de muitos setores a sofrerem cortes – ou, em outras palavras: todos os setores sabem que a conta não está fechando e todos estão dispostos a apontar o que poderia ser cortado, mas nenhum setor admite que seus recursos podem ser diminuídos (mesmo quando realmente for o caso). Porém, mesmo sendo de difícil execução, esta é uma atitude necessária para rever o que se pensa ser a solução de todo e qualquer problema orçamentário para qualquer governo neste país que gaste muito: o tradicional “empurre-se a conta para as próximas gerações via dívida pública ou para a atual via aumento de impostos”.

O chamado Nominalismo proposto por Henrique Meirelles – de manter os gastos públicos em consonância com o crescimento da inflação e não mais do que isso – abre um novo campo de possibilidades para o pensamento sobre os gastos públicos em nosso país: é preciso pensar sim sobre a efetividade dos gastos públicos e, mais do que isso, precisam deixar de ocorrer aqueles que não apresentarem o efeito desejado. Friso aqui que este processo de elencar prioridades para os gastos públicos realmente apresenta grandes dificuldades, mas, parafraseando Armínio Fraga, a decisão atual não é entre fazer ajustes ou “ser feliz”, mas sim entre fazer ajustes ou continuar arrebentando a economia – e os sinais de alerta são, por exemplo, os R$170,5 bilhões de déficit previstos para 2016, os 11 milhões de desempregados, nossa taxa de juros em 14,25% ao ano e a previsão de uma queda de mais de 3,5% do PIB pelo segundo ano consecutivo.

Ficam aqui duas breves reflexões a quem não acredita que a redução da participação do Estado na economia – o que ocorre com a limitação e otimização de seus gastos, que são custeados por todos nós – poderia trazer reais benefícios: se a enorme gama de problemas brasileiros não se resolveu até hoje com uma elevação substancial da carga tributária e da dívida pública (ou seja, com a atuação governamental direta), é possível imaginar realmente que o governo será capaz, com mais recursos, de resolvê-los? E, para um país que tem a marca de ser um dos piores em retornos dos impostos (“ganhamos” recentemente, pela quinta vez seguida, o prêmio de ser o pior país do mundo neste quesito [9]), é uma real panaceia aumentar a porcentagem do que estes consomem da produção brasileira?

Serão tempos complexos esses de priorizar por projetos os gastos públicos e, realmente, faltam muitos outros aspectos também a serem discutidos no espectro político-econômico para que possamos sair com sustentabilidade da atual situação [10] – felizmente, o governo interino de Temer tem consciência disso [11]. Mas trazer o orçamento público ao realismo que qualquer família ou empresa se depara todos os dias é algo que vai nos fazer bem como nação no médio-longo prazo, uma vez que irá permitir uma atuação governamental mais focada na realização de problemas reais e não na formulação de números astronômicos que ficam bem encaixados em programas eleitorais somente – como foi o caso deste anúncio de R$200 bilhões de investimentos em infraestrutura no ano anterior, resultado de uma “reciclagem” de um mesmo plano não executado em 2012 [12]. Todos os brasileiros sabem o que é restrição de orçamento e sentem o que ocorre quando não há controle e nem priorização diante dessa limitação (as dívidas surgem) – está na hora do governo que os rege também procurar entender essa questão.

Fontes:

[1] http://www.valor.com.br/brasil/4561623/primeira-medida-e-conter-aumento-das-despesas-publicas-diz-meirelles

Evolução da carga tributária brasileira: [2] – IBGE (dados de 1947 a 2011)http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=SCN49 ; [3] – Receita Federal (dados de 2012 a 2014) http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/29-10-2015-carga-tributaria-2014

[4] Roda Viva – Marcos Lisboa https://www.youtube.com/watch?v=MioU_7uQ0eE

[5] Roda Viva – Governo Temer https://www.youtube.com/watch?v=RzoO3qjV6XY

[6] http://blogs.estadao.com.br/a-economia-no-novo-governo/?p=63

[7] http://www.valor.com.br/politica/4577619/dilma-ve-%3Fdesordem-e-retrocesso%3F-em-medidas-economicas-de-temer

[8] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,e-pouco–mas-e-o-comeco,10000053250

[9] http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/06/pelo-5-ano-brasil-e-ultimo-em-ranking-sobre-retorno-dos-impostos.html

[10] http://www.infomoney.com.br/blogs/terraco-economico/post/4940908/seis-reformas-que-brasil-precisa-realizar

[11] http://www.valor.com.br/brasil/4580373/governo-admite-que-so-teto-de-gastos-nao-resolve-e-ja-prepara-outras-medidas

[12] http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2015/06/09/dilma-anuncia-pacote-de-concessoes.htm

 

Publicações deste artigo, que foi escrito entre maio e junho de 2016:

– Terraço Econômico (15/06/2016) – http://terracoeconomico.com.br/limite-para-o-gasto-publico-por-que-as-medidas-da-equipe-economica-de-temer-sao-positivas