Lições de Kyiosaki-Lechter: como você gasta? (parte 2)

O livro Pai Rico, Pai Pobre, de Robert T. Kyiosaki e Sharon Lechter apresenta o confrontamento entre uma visão tradicional e outra mais inovadora sobre dinheiro. Confira hoje o segundo ponto que, na visão deste que vos escreve, representa outro grande ensinamento desta clássica obra: como gastamos o nosso dinheiro? O primeiro da série está aqui.

Quando perguntados sobre hábitos de consumo, praticamente todos os indivíduos apresentam três grupos diferentes: o de gastos dos quais não pode deixar de fazer (o aluguel da casa, o combustível para ir trabalhar), o de gastos com estilo de vida (jantar fora, ir ao estádio de futebol com seus filhos) e o da vida financeira futura (reserva ou mesmo investimentos). Segundo alguns indicam, a proporção 50-35-15 para essas alocações é saudável ao longo do tempo.

Porém, para além da categorização de onde vai parar seu dinheiro (de salário, alugueis ou quaisquer outros rendimentos que você tenha), é preciso pensar sobre as prioridades de cada gasto. E, para isso, é saudável que você conheça o conceito de utilidade.

Em resumo, utilidade é o quanto você atribui de valor a algo. Veja bem que aqui falamos em valor, não preço. A diferença entre valor e preço é que enquanto o primeiro reflete a utilidade dada a algo, o segundo reflete o que você efetivamente paga por aquilo.

Saindo do economês para o português: suponha que você goste muito do Metallica e tenha um conhecido que goste muito do Molejo; saber que um ingresso para o camarote do show está por R$50,00; você ficará muito feliz se souber que esse preço é para o show do Metallica (porque o valor que você atribui é muito superior a isso) e seu amigo ficará também feliz se souber que esse preço é do show do Molejo (pelo mesmo motivo). Já se o preço for de R$50.000,00 por ingresso, independente do show é bem provável que você e seu amigo digam que “está muito caro”, que significa, na prática, que o valor observado é inferior ao preço que deveria ser pago para estar em algum desses shows.

Conhecido o conceito de utilidade, voltemos ao questionamento: de todas as saídas do seu orçamento, quais são as que te trazem maior utilidade? E as que te trazem menor utilidade?

Vamos a uma nova suposição: todos os fins de semana do ano você abre sua casa para amigos e conhecidos em um churrasco, mas, se for parar para pensar, você acha que isso é de certa forma cansativo e não é algo que te chatearia se precisasse deixar de fazer. Já parou para pensar que, caso você deixe de fazer algo que não te traz tanta felicidade, sobrarão mais recursos para que você possa fazer o que realmente gosta?

Esse questionamento é árduo, talvez o mais árduo que o livro de Kyiosaki-Lechter apresenta. Envolve uma quantidade de escolhas que provavelmente o leitor dirá que prefere não enfrentar — talvez por gerar desafetos entre seus amigos, familiares e próximos. Veja que aqui não estamos tratando de desfazer amizades para ter uma vida financeira mais tranquila, mas de ser mais racional sobre o que pessoalmente se deseja fazer.

No final das contas, não tomar nenhuma atitude em relação a gastos feitos com frequência sem que se tenha retorno adequado em utilidade é, paradoxalmente, tomar uma atitude — a de não se importar com o destino de sua vida financeira. Mas, por outro lado, ao se atentar às decisões que são tomadas, sobrarão mais recursos para que você possa fazer o que lhe dá mais satisfação.

Aquele show do Metallica (ou do Molejo) que você tanto gosta, mas “nunca tem dinheiro para ir” talvez está mais próximo do que se imagina. Usar essa análise de custo-benefício pode te ajudar muito a não perder tais oportunidades.

 

Publicado no Terraço Econômico em 30/09/2019

TRUMP SOB PRESSÃO no Terraço em Quinze Minutos #129

Nesta edição, Lucas Goldstein, Caio Augusto, Rachel de Sá, Renata Kotscho Velloso e Paulo André respondem às perguntas dos seguidores do Instagram: micha.os / Júlio Amorim: Impeachment do Trump, se acontecer – quais as consequências? juanduarte94: por que deflação é ruim? meu professor quase me bate quando falei dela kkkk felipesimplicio1996: manutenção da cobrança de bagagens em voos domésticos pode inviabilizar o modelo low cost? bruno_goul_art: O STF está conectado com a realidade ou estão em uma briga de egos?

 

Link para o episódio no Spotify

OS MARES AINDA NÃO NAVEGADOS PELAS EMPRESAS DE DADOS

internet é um campo aberto. Desde sua difusão mais ampla, que ocorre dos anos 1990 até hoje, temos a impressão de que a imposição de regras do jogo nesse território seria algum tipo de cerceamento ou proibição.

Criada no final dos anos 1960 e com objetivos militares (chamada inicialmente de Arpanet), tivemos nesse meio novo de transmissão de todo tipo de dados – de mensagens a fotos e vídeos – um incremento espetacular em termos de comunicação nas últimas décadas. Não há dúvidas do quanto estar conectado pode melhorar a interligação entre as mais distantes regiões do mundo (e, claro, também a economia).

Entretanto, há duas questões cada vez mais em voga: o que é feito da massiva quantidade de dados que circula todos os dias? E, ainda mais amplamente: a quem pertencem os dados que eu e você, usuários, produzimos todos os dias?

Essas duas questões se colocam cada vez mais presentes devido a acontecimentos recentes envolvendo eleições e eventos políticos correlatos. As questões circundam o seguinte fato: através de um entendimento dos macrodados gerados diariamente por milhões de pessoas, é possível que se organizem grupos imensos em grupos menores (possivelmente bolhas ideológicas) e, a partir disso, que conteúdos sejam direcionados especificamente àqueles grupos. No fim das contas, há influência sobre o comportamento dessas bolhas.

O que parece o sonho de todo gestor de marketing (porque, afinal, coloca nas mãos de alguém que quer comprar algo a possibilidade de), pode se tornar altamente questionável quando se pensa na suscetibilidade envolvida de alguém que está indeciso diante de decisões eleitorais.

Três casos que envolvem decisões populares estiveram sob a lupa da opinião pública e das autoridades: a eleição de Donald Trump, o plebiscito pelo Brexit e a eleição de Jair Bolsonaro. Especificamente em relação ao primeiro caso, a situação pesou bastante para o Facebook que, segundo apontam investigações recentes, tinha consciência do uso direcionado de seus dados (ou melhor, dados de seus usuários) pela Cambridge Analytica, empresa especializada neste tipo de serviço.

Há um recente documentário na Netflix que trata sobre essa questão e busca conscientizar as pessoas a respeito da importância do que as empresas fazem com nossos dados. O nome dele é Privacidade Hackeada e envolve conversações diretas com quem trabalhava para a Cambridge Analytica e pode presenciar os planos da empresa sobre as eleições norte-americanas de 2016 e outros eventos mundiais que envolveram opinião popular.

Para além de usos de dados para gerar direcionamento, existe também uma questão a respeito da segurança dos dados. Você sabe exatamente quem acessa seus dados e quais dados? E quanto a sua empresa, você sabe se os dados estão seguros ou vulneráveis?

vulnerabilidade de dados pode se dar em dois aspectos: eles estarem disponíveis para quem não precisariam estar (podendo te causar algum problema) ou serem roubados de uma base de dados. A respeito deste primeiro ponto, temos hoje uma iniciativa no Brasil que busca estabelecer regras do jogo e um questionamento na Europa em relação a uma das maiores empresas do mundo.

Por aqui temos a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), lançada em 2018, e com previsão de implementação até o segundo semestre de 2020, que busca regular as obrigações às empresas que se utilizam de dados de brasileiros no tocante à como devem proceder para protegê-los. Há hoje um portal governamental exclusivo para sanar dúvidas a respeito do assunto, detalhando os direitos dos cidadãos, as obrigações das empresas e o papel do governo em mediação dessas relações. No fim das contas, esse marco legal busca fazer com que os dados de uma pessoa, caso sejam utilizados, tenham real consentimento da mesma e que, em toda a extensão, eles possam estar o mínimo possível sujeitos a vulnerabilidades.

Na Europa temos uma decisão inédita em tramitação: o chamado direito de ser esquecido tem colocado de um lado a Google (do grupo Alphabet) e, de outro, o órgão regulador de proteção de dados da França. A questão parece simples, mas envolve muitas mudanças potenciais: é de interesse público que todo dado publicado na internet permaneça lá ou é direito do cidadão retirar o que poderia desaboná-lo? Ou, mais diretamente: os dados de um cidadão pertencem a ele ou a plataforma em que ele as publica ou permite transmitir?

Temos nesses questionamentos uma imensa gama de possibilidades de discussão. Por ora, estão sendo ouvidos os especialistas de diversas áreas correlatas e, pelo mundo, normas estão sendo definidas. Em termos práticos, essa segurança adicional aos usuários imporá custos de adaptação às empresas, mas, como é sempre bom relembrar, não há almoço grátis de dados: ou eles ficam sem proteção e a “custo zero” viram um produto, ou passam a ter sobre si mais atenção e haverá custo a quem tiver interesse em utilizá-los.

Trata-se de um início de questionamento válido e que não deve parar por aí. Estes mares nunca antes navegados pelas empresas – todas, mas sobretudo as de tecnologia e que trabalham com imensa quantidade de dados dos usuários – agora parecem oferecer enjoo aos tripulantes devido ao tamanho das ondas que se aproximam. Mas, como diz aquela clássica máxima, mar calmo nunca fez bom marinheiro. Lidando com essas questões da melhor forma possível saem melhores os usuários, as empresas e o mercado como um todo.

 

Publicado no blog da Guide Investimentos em 27/09/2019

BOLSO NA ONU: balbúrdia prevista? Terraço em Quinze Minutos #128

Nesta edição, Lucas Goldstein acompanha Caio Augusto, Rachel de Sá e Victor Candido com os seguintes temas: Analisamos para você o discurso de BOLSONARO na ONU ARRECADAÇÃO de impostos em agosto é a melhor em 5 anos BREXIT: Suprema corte reabre parlamento após considerar fechamento ilegal

Link do episódio no Spotify

BOLSONARO NA ONU: NADA FORA DA EXPECTATIVA

O discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas é, tradicionalmente (desde 1949), realizado por quem chefia o Executivo no Brasil. Desde a redemocratização, todos os nossos presidentes discursaram. O que aquele que prometeu “mudar isso daí” falou?

Em um discurso que não foge muito dos clichês sempre falados por ele, temos que a impressão deixada (agora globalmente) é a de que, em termos de política, nosso presidente regrediu ao status de candidato. Pode ser considerada uma regressão, por exemplo, em relação a postura na posse. Aliás, assim como naquele discurso, citou novamente que, sob seu comando, o Brasil deixava de estar “próximo do socialismo”.

A orientação do atual discurso é a de demonstrar que ações estão sendo tomadas em nosso país, em sentido ambiental e econômico, para que possamos nos destacar e seguir melhorando. Porém, há uma distância razoavelmente grande entre esse tipo de atuação que está sendo realizada e o discurso que foi feito.

Bolsonaro afirmou que a Amazônia está “praticamente intocada” e que, ao contrário do que sugeriu o presidente francês, pertence apenas ao nosso país. De fato, como já discutido em outro artigo aqui do blog, é preciso que não sejamos ingênuos em relação aos interesses econômicos envolvidos no espalhar de que a Amazônia está próxima de seu fim. Ainda assim, adotar um tom tão contrário não ajuda a passar essa mensagem também.

Sobre a economia, o presidente chamou de “irresponsáveis” as duas décadas que o precederam e procurou deixar claro que agora o ritmo econômico encontra-se em recuperação. Segue, desta maneira, o discurso do Ministro da Economia Paulo Guedes – apesar dos resultados práticos desta recuperação ainda estarem sensivelmente aquém do que tem sido falado pela equipe econômica desde os tempos de transição de governo até agora.

Quanto a geopolítica, Bolsonaro não poupou críticas à França (como já citado, em termos do debate ambiental que o país levantou), à Cuba (tendo chamado o programa Mais Médicos de “trabalho escravo”) e à Venezuela (citando os quatro milhões de venezuelanos que já deixaram o país rumo a outros países em decorrência da catástrofe político-social-econômica que por lá ocorre).

Aparentemente, tal qual teve sempre o costume de criticar em relação a posturas dos ocupantes anteriores da cadeira de presidente (especialmente os oriundos do PT), Bolsonaro aproveitou o discurso na ONU para demonstrar que, com sua chegada ao poder no Brasil, inaugurou-se uma nova era de prosperidade e crescimento que se diferencia em absolutamente tudo do que vinha ocorrendo até o dia 31 de dezembro de 2018 (ou mesmo 27 de agosto de 2018).

Diferentemente do que pode ser observado ao início do segundo mandato de Dilma Rousseff, agora estamos longe de ter um estelionato eleitoral. Todo o conjunto de posturas, ações e falas que estão ocorrendo hoje esteve presente na trajetória longilínea de Jair como membro do parlamento e mesmo durante a campanha presidencial do ano passado. Neste sentido, não há motivo para surpresa alguma em relação ao que foi dito. Não há espaço real para ficar chocado ou mesmo se perguntar os porquês de ter dito o que disse e do modo como o fez.

Porém, de uma coisa o presidente não poderá reclamar de agora em diante: sua imagem de ser mais beligerante do que agregador em termos internacionais (usando eufemismos enormes para não dizer “sua imagem de quem compra a briga e às vezes nem sabe o porquê”) acaba de ganhar um adendo importantíssimo, que envolve ele mesmo. O que até a manhã desta quarta-feira podia ser chamado de “perseguição internacional” ou “difusão de mentiras pela esquerda nacional” se transformou em uma confirmação, pelo menos no que se refere ao tom adotado.

É bastante questionável que uma postura diferente poderia ser adotada. Espera-se que um líder, aquele que ocupa o cargo máximo de representação de um país, saiba dialogar com outros líderes porque, no fim das contas, a integração pode gerar mais avanços (sociais, políticos e econômicos) do que o fechar-se em si.

Apesar dos acordos que têm sido assinados (nota-se que grande parte deles já era negociado muito tempo antes, como o celebrado Mercosul-UE, que ficou ironicamente os mesmos 20 anos “irresponsáveis” em discussão), a postura não sinaliza integração entre os países. Aliás, pequena correção: sinaliza, mas apenas com os países com os quais se têm predileção – outra grande crítica que era feita em relação aos governos petistas -, não necessariamente com quem seria possível ampliar a rede internacional de negócios de um país tão fechado quanto o nosso (e há muito tempo que é desse modo).

Em relação específica a este discurso, é possível depreender dois pontos. Em primeiro lugar, que haverá continuidade da política externa que se alinha especificamente a quem não representa o tal “socialismo” evocado a cada novo discurso. Em segundo, temos que os avanços sobre os meios de negociação real no país devem envolver outros membros da equipe (como os ministros) e não diretamente o presidente – não dá para descartar que isso sempre tenha sido a realidade, mas, tal qual como com a Dilma e suas frases sem muito nexo, trata-se de algo bastante explícito a quem queira ver.

Infelizmente a impressão internacional de Bolsonaro se confirma com uma fala dele mesmo. Tal qual na questão da Amazônia, discursos como esse reforçam a ideia de que ouviremos mais falar sobre questões alheias do que ao que realmente nos fará avançar em termos internacionais como país.

Entretanto, de novo, para que não haja dúvidas: não dá para reclamar de estelionato eleitoral – no máximo de ingenuidade de quem imaginou que o longamente parlamentar do baixo clero ganharia magicamente o decoro que nunca teve ao ser eleito presidente do país.

 

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 24/09/2019

Lições de Kyiosaki-Lechter: compre ativos, não passivos (parte 1)

Há um livro no mundo das finanças pessoais que auxilia muitas pessoas ao redor do mundo a mudarem seus hábitos: trata-se do best seller Pai Rico, Pai Pobre, de Robert T. Kyiosaki e Sharon Lechter. O livro conta a história de uma pessoa que teve acesso a duas visões de mundos bem diferentes: de um lado, o tradicionalismo sobre dinheiro (que geralmente é não pensar nisso) e, de outro, a inovação de ser racional sobre esse assunto. São diversos os temas abordados pelo livro e, nesta breve série, abordarei os que, em minha visão, mais podem fazer diferença na sua vida financeira.

O que é ativo? O que é passivo?

Seguindo a lógica contábil, ativo é o conjunto de bens e direitos e, o passivo, a união das obrigações devidas. Porém, na lógica financeira, segundo os autores do livro, a ideia fica um pouco diferente. Ativo passa a ser tudo aquilo que irá te gerar receitas e, passivos, tudo aquilo que irá te gerar despesas.

Diretamente em casos reais, supomos que você tenha um carro, uma casa e uma conta de investimentos em um banco. Teoricamente todos esses seriam ativos, correto? Pela lógica contábil, sim. Mas você já parou para pensar que enquanto sua conta de investimentos lhe traz dinheiro a cada período o mesmo não ocorre com sua casa (você paga o IPTU, por segurança, manutenções, reformas) e nem com seu carro (seguro, troca de pneus, IPVA, revisões)?

A ótica deste livro é o longo prazo. Nenhuma decisão deve ser tomada agora imaginando-se um efeito real para daqui a uma semana, ou mesmo um mês. Porém, o conjunto de decisões tomadas na direção de comprar mais ativos do que passivos pode tornar sua vida financeira bem mais confortável ao longo da vida.

A questão é a seguinte: dada a renda que você tem hoje, advinda de sua profissão, o quanto dela se converte em ativos? E o quanto se converte em passivos?

Trata-se de uma constatação muitas vezes indigesta. Na maioria das vezes tendemos a acreditar que a compra de muitos passivos são, na verdade, ativos ou mesmo investimentos. De fato, não podemos confundir a segurança que algumas aquisições nos trazem com o fato de serem ativos ou passivos. Exemplo: você pode gostar bastante do seu carro e ele deve ser útil a você, assim como sua residência conquistada com tanto esmero; ainda assim, isso não muda o fato de que ambos geram despesas e, sob essa ótica, são passivos.

As mentalidades são divididas entre a pessoa de classe média e a pessoa rica. Note que aqui não se fala do montante financeiro que a pessoa tem, mas das atitudes que ela coloca em prática quando o assunto é dinheiro:

Veja que essa visão é bastante próxima da que já tivemos em outro artigo desta coluna. Mudando o meio como você lida com dinheiro, ao longo do tempo — porque os efeitos são observados assim e não instantaneamente — sua vida financeira fica realmente mais confortável. No fim das contas, trata-se de decidir qual a direção você busca seguir. Parece dura demais, mas uma expressão é bastante verdadeira: dinheiro não leva desaforo para casa.

 

Artigo publicado no Terraço Econômico em 23/09/2019

DEU A LOUCA NO GERENTE no Terraço em Quinze Minutos #126

Nesta edição, Lucas Goldstein acompanha Caio Augusto, Paulo André e Rachel de Sá com os seguintes temas: IMPOSTOS NO CHÃO para importação de 498 produtos RISCO elevado em títulos de alto rendimento nos EUA JUROS mundiais em queda frente a temores de recessão PETRÓLEO sofre maior alta em um dia desde os anos 1990

 

Link do episódio no Spotify

SEMANA DO BRASIL: A BLACK FRIDAY VERDE AMARELA

A Semana do Brasil, idealizada pelo governo via Secretaria Especial de Comunicação Social (SECOM) e com apoio de mais de 4.500 estabelecimentos comerciais em todo o território nacional, chegou ao fim no último domingo, dia 15/09. Ao longo de 10 dias, várias lojas e empresas deram descontos na compra de mercadorias, produtos, imóveis e até condições especiais em investimentos. A ideia era recriar o ambiente propício para compras, assim como ocorre na Black Friday americana, aproveitando-se de um feriado nacional (dia de ação de graças); no caso brasileiro, a comemoração do 7 de setembro.

Os resultados finais da Semana do Brasil, embora tímidos, mostram futuro promissor. Nos 5 primeiros dias (6 a 10 de setembro), as compras via e-commerce totalizaram R$ 1,1 bilhão, com um crescimento nominal de 37% se comparado com o mesmo período do ano passado. Se descontado o crescimento natural do canal digital, o aumento chega próximo a 10%. Quanto aos segmentos mais procurados, destacam-se os cosméticos (19,8%), móveis e eletrodomésticos (12,6%), supermercados (4,5%) e vestuário e artigo esportivo (6,1%).

Apesar dos números expressivos, os valores observados na primeira edição da Semana do Brasil ainda são uma fração bem pequena da própria Black Friday, que ocorre em novembro, e que movimentou R$ 2,9 bilhões de reais no comércio eletrônico em 2018. Ou seja, apenas um dia resultou em mais do que o dobro da soma dos 5 primeiros dias da Semana do Brasil, o que é um resultado absolutamente normal, tendo em vista a consolidação da data no calendário de compras. Nos EUA, para se ter uma ideia, tem vendas online na faixa de R$ 25 bilhões, mais de 8 vezes o observado em terra brasilis. Afinal, poucos sabem jogar o jogo do consumo como os amigos do Tio Sam.

BLACK FRIDAY X SEMANA DO BRASIL
Algo que deve ser observado é que existe no Brasil uma diferença notável entre o perfil de consumo em relação aos EUA. Embora nos dois países existam datas comemorativas que aumentem o consumo, temos por lá uma distribuição maior do consumo durante o ano, enquanto, por aqui, essas datas servem como estímulo a uma criação desta cultura. Sinal disso é que as datas comemorativas por aqui têm ficado mais próximas (repare que, além de dia das mães, namorados, pais, natal e crianças, apenas nos últimos anos tivemos o advento da Black Friday e agora da Semana do Brasil).

A própria Black Friday, aliás, é um momento em que os estoques precisam ser baixados para que cheguem os que terão foco de venda no natal norte-americano. Diferente do modelo brasileiro (ao menos no tocante aos anúncios sobre essa questão, que tratam o caso como sendo uma oportunidade valorosa como em qualquer outra época do ano).

O padrão de consumo do brasileiro é, historicamente, atraído pelo modelo dos americanos, possivelmente como um efeito que vem sendo carregado desde nosso primeiro alinhamento mais firme com o Tio Sam, durante a segunda guerra mundial. Àquela época, as chamadas “sobras de guerra” (materiais de todo tipo produzidos por lá) vinham parar aqui – algo que começou no Estado Novo de Vargas e foi fortemente impulsionado por Dutra (e que, por mais que tenha diminuído ou bastante atacado mais adiante, nunca deixou de ser inspiração).

Um esforço mais direcionado por parte do governo em direção às melhorias da economia que envolva a atitude da iniciativa privada é louvável. De acordo com a ótica da despesa do PIB, o crescimento pode vir de uma das seguintes formas: exportações líquidas (o agro sustenta a renda, mas não é capaz de expandi-la indefinidamente), gastos do governo (dívida alta, carga tributária sufocante e perigo inflacionário caso não controle o fiscal mostram que aqui não há fôlego), consumo das famílias (endividamento e desemprego ainda altos) e investimento (ganhos ocorrem de maneira não instantânea). Na parte dos investimentos, temos um trabalho produtivo ocorrendo por parte do Ministério da Infraestrutura de permitir que a iniciativa privada faça o que o Estado não tem mais dinheiro para fazer e, pelo lado do consumo, o governo tem dado esse apoio.

Importante notar que, dentre os itens que levam ao avanço do PIB, o que tem mais foco de desenvolvimento sustentável é o investimento, que acaba por pavimentar as condições básicas de se fazer negócios (modais de transporte mais eficientes farão maravilhas neste país em termos de integração, redução de custos e aumento de possibilidades empresariais). Porém, levando em consideração ser possível não envolver um necessário aumento da despesa do governo para tocar esse tipo de programa – veja que, nesse caso, não há liberação de crédito, corte de imposto e nem nada parecido -, temos aqui uma medida positiva.

Unindo esse tipo de iniciativa (a Semana do Brasil) ao fato de que o FGTS será liberado por esses tempos e também ao observado de que tivemos uma surpresa positiva no PIB do segundo trimestre de 2019 (com os investimentos em ascensão e o consumo também), é possível afirmar que a recuperação econômica já está em curso – de maneira consideravelmente mais lenta do que muitas previsões (e ainda teremos um crescimento abaixo de 1% neste ano), mas, sem dúvidas, já está em curso.

 

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 17/09/2019

MAIS IMPOSTO, RESOLVE? Terraço em Quinze Minutos #125

Nesta edição, Lucas Goldstein, Caio Augusto e Paulo André respondem às perguntas dos seguidores do Instagram e do grupo do Whatsapp:

julioint: Sem um novo imposto, é possível acabar o déficit fiscal em 2019 ou 2020? Quais as condições para isso?
João Fernando Mazzoni: Qual ao opinião de vocês sobre uma possível volta do Padrão Ouro? Qual o impacto sobre as economias emergentes? Seria o fim da discricionariedade nas ações dos Bancos Centrais?
André Yukio: quais as medidas que as universidades poderiam adotar para aumentar suas receitas?

NOVO QUADRO: Pitaco do Ouvinte – Diego Medeiros comenta sobre a situação dos Correios frente à chegada da Amazon Prime ao Brasil

AMAZÔNIA EM CHAMAS: ATRITOS POLÍTICOS E IMPACTOS ECONÔMICOS

Amazônia queima: uma pauta recente e dominante na mídia nacional e internacional. Os dados sobre o desmatamento causado pelas queimadas foram amplamente discutidos e diversas vezes questionados. Os “pulmões do mundo” (uma analogia cientificamente incorreta) estavam em apuros, disse o presidente francês, Emmanuel Macron. Jair Bolsonaro, seu par em terras tupiniquins, falou de ONGs e polemizou, como é de costume. Apesar do ruído envolvido nesse debate, uma coisa é certa: política ambiental importa e afeta diplomacia, comércio e negócios.

Estamos tratando de um evento significativo. Em termos territoriais, o fogo se estendeu por parte do Amazonas, Acre, Rondônia e Mato Grosso do Sul. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), aproximadamente 10.000 novos focos de incêndio foram identificados desde 15 de agosto. Isso desencadeou uma série de debates foram travados a respeito desses dados, mas tivemos também os desdobramentos econômicos e políticos.

Falando sobre diplomacia e comércio internacional, duas das figuras mais vocais sobre o tema foram Emmanuel Macron e Leo Varadkar (este, primeiro-ministro da Irlanda). Segundo eles, a desastrosa condução da política ambiental brasileira pode até mesmo comprometer o acordo comercial Mercosul-União Europeia. As obrigações ambientais do Brasil estão estipuladas, dentre outros lugares, no Acordo de Paris, mais um motivo de atrito diplomático no passado recente do Executivo.

Para além dos efeitos ambientais negativos observados, temos também impactos econômicos já em tramitação. Boicote de empresas, pressão dos grupos agro para adequação às melhores práticas diante de ameaças ao acordo com UE – trabalho de imagem que já vem sendo realizado há um bom tempo e pode ficar arranhado com a postura atual do governo – e desgaste diplomático internacional já são observados. Se por um lado estamos buscando fazer a lição de casa com as reformas, parece que a cortina de fumaça que se cria com polêmicas desnecessárias praticamente todos os dias acaba abafando os lentos avanços observados.

Como se não bastasse todo esse desgaste econômico, Jair Bolsonaro acabou travando uma batalha particular com Emmanuel Macron através da mídia. O francês, inclusive, capitaneou um esforço explícito pelas florestas brasileiras: o G7 (grupo composto por Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia) se dispôs a fornecer £18 milhões para combater as queimadas. Contudo, o governo brasileiro rejeitou a oferta. O presidente Bolsonaro reafirmou sua posição diante do “rival” ao sinalizar que a proposta compromete a soberania nacional. Ao invés disso, preferiu enviar cerca de 40 mil soldados para as florestas, em busca dos criminosos responsáveis pelas queimadas.

Importante ressaltar que, como fato, há diversos ângulos. Não devem ser desconsiderados o fato de existir certa pressão na França por parte dos agricultores a respeito do recente acordo Mercosul-UE (e talvez essa causa seria um “empurrão a mais” para dizer que isso não seria boa ideia) e nem o ponto levantado por Macron sobre a internacionalização da Amazônia (o que, dentre muitos outros aspectos, feriria nossa soberania nacional de alguma maneira). Ah, e claro, como estamos falando de uma questão também política, há popularidade envolvida – e a impopularidade de Macron, que andava em alta, se reduziu após tal postura.

Se por um lado a aproximação do G7 foi rechaçada, os laços entre Brasil e alguns dos países latino americanos se estreitam: foi firmado um pacto pela proteção das florestas. Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname compõem a aliança com o Brasil e propõem medidas educacionais e uma maior participação das comunidades indígenas na preservação da floresta amazônica.

Em suma, a questão toda poderia ter sido tratada com maior rigor e menor negação dos dados. É realmente lamentável que em pleno 2019 tenhamos um rechaçamento à ciência neste nível – “já que não mostra o que eu quero, discordo quebrarei o termômetro, dane-se a febre”. Teria sido muito mais direto colocar em ação os recursos disponíveis assim que fosse descoberto o aumento nas queimadas. Entretanto, não podemos negar os diversos interesses internacionais existentes. No fim das contas, uma questão em que as polêmicas dominaram mais do que as ações concretas.

Que se foque na Amazônia com o respeito que ela merece – e que se foque menos nos egos exaltados ou feridos nesse “salvamento dos pulmões do mundo”.

 

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 13/09/2019