Como o voto distrital misto pode baratear campanhas eleitorais e melhorar a representatividade

Vivemos uma crise séria de representatividade em nosso país. As pessoas têm uma baixíssima confiança na ação das casas legislativas. Duas perguntas inquietam a mente de quem acompanha estes cenários: existe meio de se melhorar a representatividade? E como fazemos para realmente baratear as campanhas políticas?

Antes de começar a responder essas perguntas, é preciso lembrar que as mudanças que entram em vigor para as eleições de 2018 já ocorreram [1], sendo que todas as outras que ainda estão em discussão ficarão disponíveis para as eleições a partir de 2020. Por ora, temos excrescências como um fundo público de mais de dois bilhões de reais para financiamento de campanhas eleitorais e o curioso distritão, que coloca todos os políticos em uma lista direta de votos – o que pode parecer mais democrático, mas, na verdade, privilegia quem tem mais recursos, o que não necessariamente leva a vitória os melhores candidatos. Em outras palavras: até então temos uma duvidosa solução para a representatividade e um orçamento para campanhas que não necessariamente as torna mais baratas.

Os deputados são a maioria dos candidatos – cerca de 92% do total, segundo os dados das eleições de 2014 [2]. Melhorar as condições de representatividade perante o voto e baratear as campanhas de uma fatia tão grande dos que participam de eleições deve resultar em um considerável avanço nestes dois aspectos.

Uma das medidas aprovadas para 2018 é a instituição de um limite de gastos para as campanhas eleitorais a depender do cargo que se pleiteia, o que é algo inédito por aqui. Porém, com a estrutura sendo igual a atual, em que os candidatos devem continuar buscando votos em grandes regiões, o custo continuará sendo alto. Este limite, sozinho, consegue sustentar que as campanhas sejam mais baratas? Muito provavelmente não, assim como simplesmente proibir dinheiro privado não o fez [3]. Qual seria, então, um meio de reduzir de verdade o custo de campanhas eleitorais e, de quebra, ainda melhorar a representatividade? Uma alternativa melhor pode estar no voto distrital misto.

O voto distrital misto é uma combinação entre os votos proporcional e majoritário, em que os eleitores depositam dois votos, sendo um para candidatos no distrito e outro para os partidos – sendo que os votos em partidos são computados conforme o quociente eleitoral e os votos majoritários levam a vitória os mais votados. Distrito seria uma região dentro de outra região maior em que o eleitor elegeria representantes. Exemplo: a região de Sorocaba (que seria um distrito), dentro do estado de São Paulo, poderia eleger seus representantes diretos dela.

A melhora da representatividade ocorre por meio da seleção que será realizada: o voto distrital pressupõe a existência de distritos, que são, na prática, regiões das quais sairão os candidatos. Isso existe hoje, mas não em termos legais: a região de Sorocaba pode ter sim seu candidato, mas ele terá de buscar votos em todo o estado de São Paulo se quiser ganhar a eleição. A diferença com o voto distrital, ele terá como foco os eleitores do distrito em que estiver.

E quanto a questão dos custos, como eles poderiam ser reduzidos com isso?

Assim como a representatividade aumenta com a campanha sendo em uma região menor, o custo diminui. Ressalta-se usando novamente o caso “região de Sorocaba”: agora os candidatos terão de buscar votos convencendo eleitores apenas em sua região. Ou seja, é duplamente positivo: os candidatos eleitos serão realmente daquela região (maior representatividade) e buscarão seus eleitores naquela região (menor custo de campanha). Se hoje os limites para gastos em campanhas para deputados rondam em torno de dois milhões de reais (porque ele precisa rodar toda a unidade federativa em busca de votos), imagine quão menor poderia ser esse custo, caso a campanha fosse em uma região bem menor do que o estado todo.

Considerando que há hoje exclusividade de recursos públicos para a execução destas campanhas, faz diferença para todos nós se esse custo puder ser menor – até porque, segundo o fundo público aprovado, os recursos não utilizados voltarão para o Tesouro [4].

É importante registrar que uma mudança para o voto distrital demanda a divisão das unidades federativas em distritos e, possivelmente, a complexidade desta tarefa tenha contribuído para que a mudança não fosse aprovada já para 2018. Porém, tendo em vista que já há a intenção de introduzir este sistema de votações para 2020 em diante, nas próximas discussões sobre reforma política esta divisão de distritos deve aparecer.

Enfim, não existe modelo democrático perfeito, porque são muitas as variáveis envolvidas. Porém, a mudança do sistema atual para o voto distrital misto pode representar uma medida interessante para avançarmos no sentido da maior representatividade e da redução dos custos de campanhas. Se hoje temos como “solução para o fim da corrupção em campanhas eleitorais” proibir recursos privados, é importante que pensemos bem em como podemos reduzir o gasto público com essa questão. Quem sabe os atuais dois bilhões sejam evidenciados como um brutal exagero diante de uma diminuição imensa nos custos após implementação de tal mudança.

 

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

 

[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-10/reforma-politica-saiba-o-que-muda-nas-eleicoes-de-2018

[2] http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2016/candidaturas

[3] http://terracoeconomico.com.br/eleicoes-tirar-o-financiamento-empresarial-nao-mudou-o-problema

[4] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/545056-CAMARA-APROVA-CRIACAO-DE-FUNDO-PUBLICO-DE-FINANCIAMENTO-DE-CAMPANHAS.html

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em outubro de 2017:

– Terraço Econômico (26/10/2017): http://terracoeconomico.com.br/como-o-voto-distrital-misto-pode-baratear-campanhas-eleitorais-e-melhorar-representatividade

Trump e sua reforma tributária: o maior corte de impostos da história dos EUA

O presidente dos EUA anunciou recentemente sua intenção de colocar em prática uma de suas maiores promessas de campanha: um enorme corte de impostos. Apesar de estar distante da unanimidade nesse projeto – nem seu próprio partido o apoia fortemente –, a ideia é a de propor algo que as casas legislativas apoiem. A grande dificuldade neste caso estará em demonstrar quais gastos deverão desaparecer para que o corte de impostos possa ser efetivado e não criar um buraco enorme nas finanças públicas americanas.

A diferença entre o que propõem as leis atuais, o que Trump sinalizou em campanha e o que pode acontecer na prática, mostra como as empresas podem ser mais beneficiadas do que as pessoas físicas.

No caso das pessoas jurídicas, a atual legislação aponta o patamar de 35%, o candidato afirmou em campanha que reduziria para 15% e, após todos os ajustes políticos, a expectativa é que venha a ser reduzida para 20%, conforme documento divulgado na última semana pela Casa Branca [1].

Uma redução menor do que a prometida, mas, ainda assim, superior ao que se espera para pessoas físicas, em que a taxa atual pode alcançar os 39,6%, e que teve a proposta de ser reduzida para 35% durante a campanha. O que pode acontecer é uma não redução após as negociações, justamente para compensar o mesmo benefício concedido às empresas. O ponto positivo, do ângulo das empresas, é que ela não será reservada aos maiores conglomerados empresariais, mas sim uma regra para todos os negócios do país.

A dedução de impostos advinda da declaração de despesas, hoje sem limite para as empresas, poderá vir a ter uma limitação e, no caso das pessoas, este limite pode ser aumentado.

Atualmente, segundo o que se tem de previsões envolvendo os votos dos congressistas, a ideia desta reforma é mais sobre o aumento da faixa de isenção sobre os indivíduos de renda inferior do que uma diminuição da taxação sobre os que têm mais recursos, o que significaria, pelo menos em tese, um aumento da equidade tributária nos EUA.

Independente de qual parte pode vir a ser mais beneficiada, a expectativa é de que, assim como nós brasileiros estamos acostumados, a bela promessa do período eleitoral vire uma realização bem menos chamativa. Em números: uma reforma tributária que poderia significar uma queda de arrecadação para o governo dos EUA na base de US$4 bilhões nos próximos dez anos, pode se aproximar, no fim das contas, de uma redução de US$1,5 bilhão no mesmo período, diz um recente relatório do Goldman Sachs sobre a questão [2].

Uma mudança na legislação tributária pode ter como efeito também o ganho de produtividade para os EUA. Argumenta o governo norte-americano que, por estar preso a algumas amarras de tributação corporativa que fazem pouco sentido atualmente, é que os Estados Unidos ficam para trás na competição com as empresas de outros países. Isso indica que o efeito seria não só de redução de custos aos cidadãos e empresas, como também de dinamização da economia – o que seguiria o ideário anunciado na campanha de Trump. Reduzir oneração e possivelmente simplificar os tributos, são itens que podem ajudar na continuidade do aquecimento da economia norte-americana.

Esta reforma será votada quase que em concomitância com o orçamento de 2018 e, tendo em vista a preocupação de parlamentares com um efeito sobre o endividamento advindo dessa queda de arrecadação, temos que a promessa grandiosa se torne em uma realidade bem menos atraente.

Talvez, com uma boa descrição sobre como pode ocorrer uma redução maior de taxação sem maiores danos em termos de endividamento, a redução venha a ocorrer de maneira mais acentuada. O efeito negativo direto do endividamento é subir, caso não haja uma devida sinalização do que ocorrerá com a queda de arrecadação: como a dívida dos EUA é em dólar e esta moeda é emitida por eles mesmos, um controle de dívida realizado por uma emissão monetária, pode ocasionar um efeito inflacionário indesejado – este que, no fim das contas, pode acabar não compensando ou compensando muito pouco a redução dos impostos.

Por ora, imagina-se algo mais sutil do que o anunciado. Em outras palavras: deve ocorrer, mas com um efeito menor do que o anunciado anteriormente.

Qual seria o efeito sobre o Brasil da aprovação desta reforma nos EUA? Uma redução de taxas sobre as empresas implica em um maior fluxo de caixa possível para outras atividades e, no caso das pessoas, mais recursos ficarão disponíveis para o consumo. Deste modo, a bolsa norte-americana deve ser impulsionada, a economia ficará aquecida, esse aquecimento gerará inflação e o FED poderá subir as taxas de juros mais rapidamente do que indica nos dias atuais. Um aumento nas taxas de juros, deste modo, tende a atrair capital para o país – uma vez que os investidores irão preferir a segurança de um título dos EUA do que o risco de um país como o Brasil -, invertendo o fluxo positivo de recursos que temos observado em nosso país e, dessa forma, deixando mais instáveis as expectativas sobre o câmbio e sobre uma continuidade forte de subida da bolsa brasileira.

 


Caio Augusto
Editor do Terraço Econômico para Guide Investimentos.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em outubro de 2017:

– Blog da Guide Investimentos (13/10/2017): https://www.guideinvestimentos.com.br/2017/10/11/trump-e-sua-reforma-tributaria-o-maior-corte-de-impostos-da-historia-dos-eua/?utm_source=facebook&utm_medium=trump_e_sua_reforma_tributaria&utm_campaign=13_10_17

Responsabilidade fiscal compensa – e irresponsabilidade custa caro

O crime de responsabilidade representado pelas chamadas pedaladas fiscais – este que alguns não assim o consideram – parece, para o imaginário popular, ser algo distante e intocável, tão difícil de se explicar que nem deveria ter importância. Em termos diretos, “pedalar fiscalmente” significa ocultar gastos públicos deixando em contas a pagar diversas sua dívida real; o famoso “atraso um pagamento a alguém que devo, mas como o passivo está com ele, para quem olha de fora não devo nada a ninguém”.

Não entrando no mérito sobre a opinião política que se tenha acerca do trato adequado com as contas públicas (se é primordial ou pouco importante), a diferença entre levar a sério os mecanismos de controle e utilizar-se da nefasta “contabilidade criativa” exerce efeitos diretos sobre todos os brasileiros. Como? Na adição sobre o custo que se tem sobre o financiamento da dívida pública como um todo.

Explica-se: quanto mais se tem transparência sobre a capacidade de pagamento da dívida pública e da real necessidade de financiamento por parte do governo, mais favorável torna-se a condição de se emprestar a este ente devedor. E isso ocorre por motivos óbvios, haja vista que existe uma enorme diferença entre emprestar dinheiro àquele que deve e apresenta um plano de contenção de despesas quando estoura as contas de um outro que segue aumentando suas dívidas sem se preocupar com o dia de amanhã.

A taxa de juros é movida por diversos fatores. Em nosso país, este mecanismo da política monetária tem como observação principal os índices de inflação. Entretanto, existe também uma preocupação direta com essa continuidade de financiamento por meio de dívida pública: a chamada “rolagem da dívida” é, em termos práticos, o meio de atrair a continuidade do financiamento público do país – e, na ponta da lança, isso significa determinar qual a taxa de juros que consegue atrair capitais e seguir com o financiamento da dívida pública.

Chegamos então ao ponto primordial deste artigo: sabe o que acontece quando há direcionamento adequado nas contas públicas e observamos responsabilidade fiscal em jogo? O custo de se manter as atividades através da dívida são reduzidos. E por que isso acontece? Porque além da pressão inflacionária ser menor quando acontece um fechamento (seja ele um déficit ou superávit) previsível das contas públicas, o custo necessário para atrair capital também acaba por ser menor (o juro necessário para rolar esta dívida).

Duvida? Então dê uma olhada nos dados históricos que o custo do chamado serviço da dívida representa sobre a renda das famílias. Veja como períodos de desconfiança maior sobre as contas públicas impactam em um custo maior de financiamento para o governo (saindo de 18% no pós-crise de 2008 com virada de mão na política econômica e alcançando 23% durante o governo Dilma com suas imensas dúvidas sobre o andamento da política fiscal), assim como outros em que há melhor direcionamento do quanto será gasto e qual o plano para reverter essa questão, temos então um indício de queda (ainda há instabilidade em alto nível no país, mas podemos ver sinais de queda neste custo advindos da melhor sinalização da direção dos gastos públicos, queda na inflação e nas taxas de juros).

[1]

Ainda existe dúvida? Então veja como diversos acontecimentos que impactam a confiança das contas públicas resultam em alterações no custo da dívida:

  1. 2000-2004, Final do governo FHC II, crise de confiabilidade sobre o Plano Real após recente liberação do câmbio, crise energética e Efeito Lula (não se sabia se as medidas avessas ao mercado sempre pregadas pelo PT seriam colocadas em prática): sobe o custo da dívida;
  2. 2005-2009, Lula mantém o tripé macroeconômico e acaba, ao longo do tempo, acalmando os mercados, juntamente com uma melhora do cenário internacional em relação ao Brasil: o custo da dívida cai sensivelmente (alcançamos um dos menores níveis na relação dívida/PIB neste período);
  3. 2010-2014, Dilma se elege e dá continuidade (e acelera) a um receituário heterodoxo iniciado em Lula II, adicionando inclusive a temida “contabilidade criativa” a esta mistura: explode o custo da dívida.

[2]

Eis o paradoxo que temos pouca coragem de enfrentar: se fôssemos mais prudentes nos gastos públicos, teríamos mais recursos públicos para gastar, pois o custo da dívida (o gasto com juros pagos) seria menor. Ou seja: responsabilidade fiscal compensa, e irresponsabilidade pesa no bolso de todos nós. E olha que aqui nem estamos entrando no mérito de maneiras questionáveis de manter o nível de preços estável quando o governo segue gastando sem restrições – como o congelamento de preços; veja que, tendo uma destinação mais apurada, otimização e justificativa real para os gastos do governo, o custo de se financiar vai diminuindo ao longo do tempo: isso é o que ocorreu no primeiro governo Lula e o que sinaliza ocorrer caso as medidas de controle fiscal ao longo do tempo tomadas agora continuem sob efeito.

Se é possível visualizar o efeito positivo de ter maior clareza sobre as contas públicas no tempo presente e no longo prazo, é inversamente danosa a despreocupação de alguns setores com grandes questões fiscais como a previdenciária, esta que, entre idas e vindas de reformas que pouco resolvem [3], acaba por se tornando uma questão de dificuldade cada vez maior e mais evidente.

Aqui não se entra no mérito sobre com o que se gasta, mas sim sobre a clareza ou não que se tem não só no campo das ideias como na prática sobre o como são controlados estes gastos. Dá pra se ter uma ideia do quão desorganizada a situação estava até pouco tempo quando termos como “contabilidade criativa” e “precisamos abrir a caixa preta do BNDES” exemplificam políticas de gasto público. Que se declarem os interesses diretos, mas não se ocultem os registros desses desembolsos – ou, então, que a população arque com essa desorganização.

Muito em breve, não enfrentando de fato a questão fiscal do modo como ela merece, teremos mais um festival populista de indicação do gasto com juros como sendo o maior vilão – enquanto, mais uma vez, esquecer-se-á da responsabilidade sobre o gasto. Apesar da imposição de um teto de gastos ajudar na elucidação essa questão de substituição de gastos entre áreas diferentes (para gastar mais em uma área, outra terá de perder), ainda existe uma visão bastante difundida socialmente de que devemos ignorar a existência de problemas e/ou desequilíbrios (como o caso previdenciário), basicamente porque eles só incorrerão em danos futuros – ou mesmo imagina-se que os dados não refletem a realidade e não há desequilíbrio algum. A continuidade deste pensamento só permitirá um caminho do que vimos até então: um lado fiscal com aumento de gastos mais consistentemente do que de receitas e um show de hipocrisia quando o assunto é “o que é a prioridade”.

Só não é possível (imagino, talvez ingenuamente), que em um país que já experimentou de quase tudo em termos econômicos exista quem diga não saber o que ocorre de ruim para toda a população quando a irresponsabilidade fiscal bate à porta.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

Notas

[1] http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/531520/RAF8_SET2017.pdf

[2] http://terracoeconomico.com.br/custo-da-divida-publica

[3]http://www.infomoney.com.br/blogs/economia-e-politica/ifl-instituto-de-formacao-de-lideres/post/6972855/entrevista-gustavo-franco-nucleo-defesa-liberdade

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em outubro de 2017:

– Terraço Econômico (10/10/2017): http://terracoeconomico.com.br/responsabilidade-fiscal-compensa-e-irresponsabilidade-custa-caro

– Investing.com Brasil (10/10/2017): https://br.investing.com/analysis/responsabilidade-fiscal-compensa–e-irresponsabilidade-custa-caro-200217585?preview_fp_admin_1234=this_is_1234

 

Ideologia de gênero, ensino confessional e a estranha escala de prioridades educacionais no Brasil

Nesta última quarta-feira, 27/09/2017, a mais alta corte judiciária do país decidiu que há constitucionalidade no ensino religioso – também chamado de confessional – nas escolas brasileiras [1]. Há anos, diversos grupos de interesse lutam para que a chamada ideologia de gênero [2] esteja presente no campo educacional brasileiro. Por mais insano que pareça esta pergunta, sabe qual é a semelhança entre ambos? Contribuem pouco para que nossa educação avance em termos de produtividade.

Não se ofenda, não se trata de uma questão de opinião sobre o que seria correto ou não dentre estes dois assuntos e sua presença ou não nas escolas. A questão é outra: o Brasil é um dos países que têm maior desembolso público em educação (concentrado majoritariamente no ensino superior) em relação ao PIB [3] mas, ainda assim, em rankings internacionais de avaliação como o PISA – este que avalia os conhecimentos em matemática, leitura e ciências de estudantes de quinze anos de idade –, temos um desempenho aquém do que o observado em países que investem tanto quanto ou menos do que nós [4].

Investimos em um patamar razoável em termos internacionais na educação, mas pecamos em ao menos três aspectos: há concentração de recursos no ensino superior (o que faz com que a base educacional seja mais frágil), não permitimos que boas práticas sejam devidamente espalhadas (como a de Sobral – CE, que hoje tem o maior nível educacional infantil do país [5]) e, em último lugar mas não menos importante, focamos em muitos aspectos diferentes dos que poderiam nos elevar em termos educacionais.

Novamente digo: não se trata de dizer o que dos dois itens do título do artigo representa uma benesse ou um perigo, mas sim de procurar entender como podemos utilizar melhor a educação pública para alavancar as próximas gerações e reduzir as desigualdades sociais a partir do ganho de oportunidades que se tem com tal melhoria.

Um exemplo de país que mudou radicalmente sua estrutura educacional e obteve resultados bastante positivos é Cingapura, que partiu de uma população em 70% de analfabetismo nos anos 1950 para o topo do índice educacional mundial. Sua experiência é baseada nos seguintes termos: unir uma valorização nacional dos professores e de seus resultados para o avanço do país (exaltando-os com campanhas educativas), a comparação salarial entre as profissões do mercado, a escolha adequada (por notas e por didática) dos professores, um olhar sempre para o que o mercado de trabalho demanda (sempre perguntando que tipo de trabalhador ele precisa), o pensamento de que sempre é preciso atualizar perante as mudanças do mundo para alcançar o objetivo de manter a população em um alto patamar educacional e também o desenvolvimento de mecanismos de adaptabilidade para os diferentes alunos e profissionais de educação de acordo com suas proficiências. Em suma, colocar a escola como um mecanismo de observação do que mais eleva a produtividade – e desta maneira reduz a desigualdade por melhorar as condições iniciais dos indivíduos.

Mas isso custa muito caro, certo? Veja o que Lee Sing Kong, professor ex-diretor do Instituto Nacional de Educação de Cingapura [6]:

educação cingapura

Enquanto isso, no Brasil, podemos ver como a questão educacional vai muito além da simples destinação de recursos: por aqui, a média em relação ao PIB supera 6,5% – o que é superior inclusive ao que os países da OCDE [7]. Com um triste detalhe: as metas do Plano Nacional de Educação estão bem distantes de serem alcançadas: até então, temos apenas 20% das metas cumpridas devidamente [8]. Algo não está dando certo e, reforça-se, não é questão meramente de recurso financeiro.

Sejamos sinceros: em uma nação em que o analfabetismo funcional supera um quarto da população [9], faz sentido que estejamos nos esforçando em itens muito mais avançados antes de dar os primeiros passos? Se com a estrutura atual existente, que é deficitária e custosa, não temos conseguido avançar em termos educacionais, vale a pena não discutir o que poderia mudar essa situação e focar em outros aspectos que não conseguem alterar isso? Não seria mais útil focar em articular uma melhoria do básico antes de pensar em assuntos muito mais complexos?

Cada escola que se utilize de sua metodologia, de suas práticas e apoio a ensinamentos e valores – sejam eles os religiosos ou os da ideologia de gênero – de maneira livre, essa questão não deveria ser discutida por instância judicial alguma. Aliás, países que têm posições elevadas no PISA (como a Noruega e também Cingapura) também preocupam-se com questões mais amplas e ligadas a valores morais, mas a diferença é que há uma preocupação intensa e real com a base educacional antes de tais tópicos serem abordados, o que faz bastante diferença no fim das contas.

Não devemos esquecer que uma discussão como essa, de decidir “o que é certo ou errado” sem se atentar a aspectos preliminares importantes, acaba gerando como resultado novas gerações com o baixo nível educacional básico e que assim seguirá em frente o status atual de desigualdade, uma vez que mantém ou muito pouco alteram a capacidade dos estudantes de mudarem seu próprio futuro com ela.

Pensemos mais no que pode ajudar na produtividade brasileira e menos no que “é certo” ou “é errado”, pois esta discussão custa muito caro e já se mostrou um tanto quanto ineficiente. Não é um processo fácil, demanda trabalho e um pensamento de longo prazo. Mas, como disse sabiamente o ex-reitor de Harvard, Derek Bok:

“Se você acha que a educação é cara, experimente a ignorância. ”

 

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

[1] http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2017-09/supremo-autoriza-ensino-religioso-confessional-nas-escolas-publicas

[2] https://educacao.uol.com.br/noticias/2015/08/11/o-que-e-a-ideologia-de-genero-que-foi-banida-dos-planos-de-educacao-afinal.htm

[3] http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/09/140908_relatorio_educacao_lab

[4] http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2016-12/quase-metade-dos-brasileiros-tem-desempenho-menor-que-o-adequado-no-pisa

[5] http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,sobral-vira-modelo-nacional-de-gestao-imp-,1158465

[6] https://www.youtube.com/watch?v=t-Io2ZfqUtU A metodologia é melhor e mais amplamente explicada neste Roda Viva

[7] http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/04/1612236-gasto-publico-em-ensino-atinge-66-do-pib-mas-crise-ameaca-expansao.shtml

[8] http://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2017-06/plano-nacional-de-educacao-completa-tres-anos-com-apenas-20-das-metas

[9] https://www.nexojornal.com.br/grafico/2016/11/21/A-evolu%C3%A7%C3%A3o-do-analfabetismo-funcional-no-Brasil

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em setembro de 2017:

– Terraço Econômico (02/10/2017): http://terracoeconomico.com.br/ideologia-de-genero-ensino-confessional-e-estranha-escala-de-prioridades-educacionais-no-brasil