O homem mais rico da Babilônia

“Uma parte de todos os seus ganhos pertence exclusivamente a você”

O que um livro de 1926 pode fazer para melhorar a sua relação com as finanças? Parece estranho, mas uma história escrita 100 anos atrás pode mudar a forma que você pensa sobre dinheiro.

Estamos falando do livro ‘O homem mais rico da Babilônia’, cuja última edição é de 2017. Em uma história envolvente, o autor George Clason escolhe contar seus ensinamentos justamente no local onde existia um mercado próspero e cheio de gente, ainda antes da Era Cristã.

Do mesmo jeito que havia milionários, donos dos mercados e produtos, havia também pessoas humildes e trabalhadoras, que compartilhavam um problema em comum: apesar de ganhar um dinheirinho no final do mês, não conseguiam poupar nada do que ganhavam.

É assim que começa a história…

O homem que desejava ouro

O autor nos apresenta Bansir, um humilde fabricante de carruagens e seu amigo Kobbi, um músico sem muito prestígio. Sem entender muito bem a relação entre seus ganhos mensais e a acumulação de riqueza ao longo do tempo, os dois conseguem um horário para conversar com Arkad, reconhecido por todos da redondeza como o homem mais rico da Babilônia.

Em uma conversa franca com os participantes (em torno de 15 pessoas), além de Kobbi e Bansir, Arkad é muito claro em suas colocações: para qualquer quantia arrecadada com seu trabalho, uma parte (10%) deve ser guardada para a formação de um patrimônio.

Muito mais do que a quantia (que pode ser pequena no início da vida profissional), a ideia é que o hábito é o mais importante. Por diversas vezes, as histórias contadas no livro enfatizam o papel da mudança de mentalidade como fator determinante parauma evolução real no padrão de vida.

Até porque, na saída dessa primeira visita a Arkad, três grupos se formaram: aqueles que sequer entenderam o assunto, outros que não acreditaram nos ensinamentos transmitidos fazendo até chacota com a situação e um terceiro grupo que continuou visitando Arkad e mudou a sua mentalidade e, consequentemente, a sua visão e comportamento sobre o dinheiro e acumulação de patrimônio.

Os 7 ensinamentos para a falta de dinheiro e mais histórias

Em seguida, o autor nos apresenta, detalhadamente, as 7 lições para que nunca falte dinheiro em nossas vidas. São elas:

  1. 1. Comece a fazer seu dinheiro crescer
  2. 2. Controle seus gastos
  3. 3. Multiplique seus rendimentos
  4. 4. Proteja seu tesouro contra a perda
  5. 5. Faça do lar um investimento lucrativo
  6. 6. Assegure uma renda para o futuro
  7. 7. Aumente sua capacidade para ganhar

Cada um desses ensinamentos é tratado em um capítulo à parte. Apesar de parecerem óbvios, muitos não se atentam a dificuldade que é ser disciplinado a ponto de formar um patrimônio ao longo da vida e poder usufruir disso no futuro. Parece fácil, mas na prática, não é.

Por meio de exemplos, o autor consegue dar leveza ao assunto ao discutir as 7 lições. E mais do que isso: há outras histórias em seguida para reforçar a importância da formação de um patrimônio, como é o caso das cinco leis de ouro, contada pelo filho de Arkad.

Nela, Nomasir, teve que provar o seu valor para ser digno de participar do testamento do pai e receber a sua grande herança. Mas seu Arkad não deixou o filho desprovido de recursos: lhe deu um saco com moedas de ouro, e uma tábuade argila gravada com as 5 leis de ouro.


Será que Nomasir conseguiu provar o seu valor?

Uma obra dos anos 1920, mas com conexões mais próximas do que você imagina

Apesar de tais lições serem praticamente atemporais como o leitor já deve ter notado, é interessante observar que elas também se relacionam com expoentes do pensamento sobre uma vida financeira mais confortável dos dias mais recentes. Isso pode ser verificado quando em certos momentos a obra trata sobre a real necessidade das despesas que temos – e como a vaidade pode significar um corroer do que acumulamos pela vida.

Duas dessas ligações que podemos fazer são com Robert Kyiosaki, autor de Pai Rico, Pai Pobre e Warren Buffet, que inclusive tem um documentário sobre sua vida que já abordamos aqui nesta coluna.

Nos dois temos a preocupação com o encontrar de um estilo de vida que supra suas necessidades, não a dos outros. Gastar e investir no que a gente gosta – e não no que aquilo que as pessoas que gostamos gostam – faz uma diferença imensa ao longo dos anos. Ainda, importante lembrar outra indicação que fizemos aqui: os Axiomas de Zurique: também um livro antigo mais como lições extremamente atuais.

Sem mais spoilers e uma reflexão

As finanças têm evoluído em uma velocidade impressionante. Se antes tínhamos apenas algumas opções de investimento, hoje temos uma infinidade de produtos e serviços financeiros disponíveis a apenas um toque.

Mas o que O homem mais rico da Babilônia tenta mostrar é que muitas vezes não importa a quantidade de opções de investimento que temos, mas sim se a nossa mentalidade e ações decorrentes dela estão preparadas para iniciar o processo de enriquecimento via acumulação recorrente de patrimônio.

Embora sutil, esse ‘virada de chave’ é primordial para mudar a nossa relação com o dinheiro e com as finanças pessoais.

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 16/10/2020

O silêncio dos perdedores

Nos capítulos anteriores…

O ano era 2019. Para além de um movimento considerável de queda da Selic – começou 2019 em 6,5% e terminou o ano em 4,5% -, o que vimos foi uma vultosa valorização do Ibovespa: 31,58% em apenas um ano, batendo o martelo final aos 115 mil pontos. Definitivamente a escolha entre 4,5% e 31,58% é fácil: todos os caminhos levavam à bolsa.

Tudo parecia um mar de rosas. Literalmente você deve conhecer alguém que, se não o fez, ao menos falou que se aposentaria de seu emprego para passar o dia olhando as cotações da bolsa. Não à toa, o número de investidores pessoa física da Bolsa saltou para 3 milhões em 2020. Em 2018, eram menos de 800 mil CPFs na bolsa.

Foi aí que um daqueles acontecimentos que ninguém espera – mas que acontecem de tempos em tempos – aconteceu. O coronavírus, que já vinha mostrando seus efeitos na Ásia e na Europa, desembarcou por aqui. Os mercados que já estavam assustados em um ritmo cada vez maior desde fevereiro entraram em pânico. Resultado? Queda de 29,90% em um mês, o temido março de 2020.

Sim, observamos um movimento de recuperação desde que o fundo do poço foi alcançado. Ainda assim, sabe quanto tivemos de rendimento para o Ibovespa no acumulado deste ano até agosto? -14,07%. Pois é: mesmo a surrada Selic, em atuais 2% ao ano, está dando uma surra naquele índice que “matou a renda fixa” em 2019.

É claro que o índice representa o agregado de todas as ações e sim, tivemos recuperação em algumas delas. Mas temos nesses dados até então apresentados uma possibilidade imensa: o pessoal dos trades vencedores de 2019 estão em um cemitério conhecido do mercado agora – o dos perdedores. Ou você acredita que na mesma velocidade em que te contam “bater o mercado” te dizem que o dinheiro simplesmente sumiu?

“Tá, mas eu ainda acho a Selic baixa… E agora?”

Fique tranquilo, leitor. Não iremos sugerir a você que abandone toda a renda variável em prol de aportes sem medo na Selic. Mas, levando em conta que você já tem uma reserva de emergência e está procurando alternativas para investir seu dinheiro, de fato é hora de pensar em alternativas melhores.

Com esse cenário nunca antes visto por aqui de redução de taxa de juros, o brasileiro médio está se deparando com uma realidade que já existe nos mercados mais desenvolvidos: não há retorno que não envolva ao menos um pouco mais de risco. Mais diretamente: aquele “1% ao mês no seu bolso sem esforço” que se tinha com uma Selic consistentemente em dois dígitos parece que foi embora pra nunca mais voltar.

Com esse escoamento de dinheiro veremos diversos mercados tirarem ideias do papel e colocá-las em realidade. E é nesse momento que muitas oportunidades ficam disponíveis.

Já falamos aqui nesta coluna sobre algumas delas: o setor imobiliário, o investimento em startups através do equity crowdfunding e até mesmo a busca de retornos por meio de royalties musicais. Esses são os chamados ativos da economia real e, para além dos mercados financeiros e da dívida pública, verão ainda uma quantidade imensa de dinheiro escoando para eles.

Quanto? Bem, não custa lembrar que a alocação mais tradicional do Brasil, a Poupança, tem um estoque atual de recursos (considerando o mês de agosto/2020) de R$986,78 bilhões. Não é razoável supor que todos esses recursos sairão dali, até porque mais de 80% dos brasileiros preferem essa alocação, mas pense o que aconteceria com talvez um quarto desses recursos indo a outros mercados.

Ativos reais x Ativos financeiros

Não é nossa intenção aqui rivalizar os dois tipos, mas colocar na mesa a diferença entre eles. Ativos financeiros são aqueles cujo controle não está necessariamente nas mãos do investidor, tendo certo distanciamento entre o dinheiro que entra e aquele que volta após investido. Já os ativos reais são aqueles que, ligados diretamente a economia real, trazem uma correlação direta aos movimentos dessa.

Qual é o melhor? Na dúvida, esteja em ambos. Mas saiba que, ainda que em espaços curtos de tempo os investimentos financeiros possam entregar resultados fabulosos, em casos de correções – esperadas ou fora da curva – o susto pode ser razoável. Isso geralmente não pode ser dito dos ativos reais que, estando ligados a economia real, podem sim passar por correções, mas seguirão ali fornecendo certa segurança – e, claro, rentabilidade acima do juro básico da economia (SELIC).

Um exemplo bastante direto: durante uma forte oscilação de cenários, estar em um Fundo de Investimento Imobiliário pode te render um susto porque um grande locador decide sair e o fundo desaba; caso a ideia seja deter imóveis diretamente, ainda que com o trabalho adicional que isso geraria, diante de uma grande correção basta você segurar o ativo e seguirá o tendo, podendo auferir ganhos maiores.

Ou, de outro modo: um fundo imobiliário pode vir a quebrar, seus imóveis, bem, só se intempéries da natureza ou outros eventos fora da curva literalmente os destruírem.

É claro que acima demos apenas um exemplo. Mas é válido parar pra pensar na diferença entre ativos reais – que estão de alguma forma “sempre presentes” – e ativos financeiros – podem oferecer uma volatilidade que nem todo investidor está preparado para lidar.

É hora de arriscar! Com cuidado, é claro

De novo, a triste notícia: no atual cenário não existe mais o já conhecido “1% no bolso sem esforço” de outros tempos, então se você quiser buscar algum retorno que seja próximo a isso, terá de colocar seu dinheiro em algum local com mais risco. Mas temos aqui a boa notícia: alternativas para isso não faltam hoje, sobretudo no mundo dos ativos reais.

Aliás, nossos parceiros da Hurst Capital fizeram um vídeo para que você reflita sobre a diferença entre os dois tipos de ativos.

Vale a pena estudar o que é melhor de ser feito com seu dinheiro agora que a Selic não é mais aquelas coisas. O que não vale é ignorar todas as possibilidades de fazer mais com seu dinheiro que existem agora!

Ah, e claro: cuidado com aquelas histórias de enriquecimento rápido e trades sempre vencedores. Os perdedores, escanteados pelo mercado que quer mostrar apenas o lado do glamour e riqueza, estão sempre ali: quietos, mas estão lá. Nunca se esqueça disso.

 

Publicado no Terraço Econômico em 12/09/2020

PIX: o nome da revolução nos sistemas de pagamento

Um sistema de pagamentos pode ser definido como sendo o conjunto de procedimentos, regras, instrumentos e sistemas operacionais integrados com a função de transferir recursos do pagador para o recebedor e, a partir disso, encerrar uma obrigação.

O que é o PIX?
Quais as vantagens trazidas pelo PIX?
Como tenho acesso ao PIX?
Qual o preço do PIX?
Conclusão

Até o presente momento, os serviços de transferências eletrônicas de recursos mais comuns eram por meio de DOC ou de TED. Mas isso está prestes a mudar, e graças a um novo meio de pagamento que promete revolucionar o sistema de pagamentos brasileiro: o Pix.

O que é o PIX?

Talvez a pergunta mais correta fosse: “O que será o PIX?”. Porém, considerando o anúncio realizado pelo Banco Central (BC) desde fevereiro, além de toda a descrição disponibilizada pelo próprio BC, é possível dizer que o PIX já é uma realidade, apesar de que o seu lançamento está previsto ainda para novembro.

Logotipo Pix - powered by Banco Central

Acerca do PIX, uma realidade prestes a ser lançada (e extremamente aguardada), este consiste em um sistema de pagamentos que funcionará de maneira instantânea e digital, 24 horas por dia e 7 dias por semana. Os serviços do PIX estarão disponíveis em todos os dias do ano, não existindo mais a velha dor cabeça com os feriados ou fins de semana impedindo você de movimentar seu dinheiro.

As transferências com o PIX ocorrerão diretamente da conta do usuário pagador para a conta do usuário recebedor, dispensando a necessidade de intermediários. A dispensa de intermediários possibilitará a redução dos custos de transação.

Quais as vantagens trazidas pelo PIX?

Se o PIX fosse definido em apenas uma palavra, esta seria: Modernidade.

No caso de poder ser definido a partir de duas, estas seriam: Modernidade necessária.

Isso é devido a incrível dinâmica propiciada pelo atual mundo digital, que permitiu o surgimento de novas empresas, principalmente no setor financeiro. Como exemplo disso, temos a emergente importância das fintechs. Devido a essa dinâmica, novas necessidades precisam ser atendidas e é nessa lacuna que o PIX vem atuar, “revolucionando” o cenário atual.

O PIX aumentará a velocidade em que pagamentos/transferências são feitos e recebidos, estimulando a competitividade e a eficiência do mercado. Isso reduz os custos e eleva a segurança dos clientes. Além disso, é possível observar todo um movimento de inclusão financeira que facilitará a entrada de novas empresas no mercado, possibilitando a inovação e o criação de novos modelos de negócio.

Desse modo, o PIX consiste em uma modernidade necessária, uma verdadeira revolução nos meios de pagamento do Brasil. Basicamente porque a inovação que ele traz é permitir que você precise cada vez menos de andar com dinheiro, uma vez que as transações, tais quais fazemos com dinheiro, poderão acontecer a qualquer hora do dia.

Como tenho acesso ao PIX?

As diversas instituições financeiras – quase mil – que se colocaram como interessadas em participar dessa revolução, já estão disponibilizando os meios a seus clientes. No fim do dia, isso ocorrerá por meio de um cadastro de dados.

Pode soar estranho que tais instituições, que já têm nossos dados, peçam um novo cadastro. Mas provavelmente isso ocorre porque essa base para o PIX será nova, exclusiva e, o mais importante, rápida.

Qual o preço do PIX?

Segundo o Banco Central, a tecnologia que permite o PIX existir é bem mais barata que as anteriores. Tão barata que, segundo nossa autoridade monetária, a cada dez transações o custo será de um centavo, sendo que hoje uma TED, por exemplo, tem um custo médio de R$0,07. Apesar do custo baixo, não se sabe sobre a cobrança de taxas para esse tipo de transferência, isso ficará livre a cada instituição.

Em relação a tributação, o fantasma da CPMF segue rondando novamente e não podemos descartar que venha a virar realidade. Se esse for o caso, o custo de usar o PIX seria, então, esse novo “microimposto” somado a taxa definida pela instituição bancária.

Conclusão

O PIX representa um avanço importante por pelo menos três motivos: tem um potencial real de diminuir a demanda por papel moeda (essa que recentemente aumentou tanto que justificou a famigerada nota de R$200,00), permite que as pessoas não andem tanto assim com dinheiro físico e ainda coloca o sistema bancário em contato com a modernidade de poder transferir dinheiro com a mesma facilidade de enviar um e-mail (a qualquer dia e hora).

Aliás, cabe dizer que teria sido um golaço liberar a tecnologia durante o período de pandemia para reduzir a necessidade das pessoas de enfrentarem longas filas para sacarem o auxílio emergencial. Ainda assim, muitos elogios a essa medida do Banco Central, pois deve ajudar bastante os brasileiros.

O Brasil pós-covid: uma análise do IPEA

Não há absolutamente ninguém no planeta Terra que não tenha se surpreendido com a pandemia da COVID-19 e os seus efeitos imediatos no cotidiano. De uma hora para outra, nossos hábitos foram radicalmente alterados, as rotinas adaptadas e os nossos planos repensados.

Com essas mudanças bruscas, as economias do mundo todo foram severamente afetadas. Segundo o FMI, há a expectativa de encolhimento do PIB mundial de 4,9%. Não é pouca coisa. Aqui no Brasil, é esperado que o PIB contraia 9%, queda mais suave do que o esperado na Espanha (12,8%) e no Reino Unido (10%). Não há paralelo na história da humanidade de quedas tão bruscas e generalizadas em todos os continentes.

Mas a boa notícia é que, aparentemente, o pior já passou. Quando olhamos os indicadores de indústria, varejo, consumo das famílias e pedidos de desemprego, no Brasil e no mundo, há a clara percepção que o fundo do poço ficou para trás. No caso brasileiro, existe ainda no ar uma certa desconfiança dos agentes em relação à economia, e, principalmente, como será o pós-pandemia.

Nesse sentido, o IPEA elaborou um material riquíssimo de análise e projeções que levam em conta esse cenário. Colocamos o relatório completo aqui. É interessante mencionar que o Instituto, além de mostrar o cenário atual e as medidas que foram adotadas, sugeriu 4 eixos de ações para serem tomadas para a recuperação, visando o aumento da produtividade da economia e utilização eficientes dos recursos.

Em seguida, abaixo elaboramos um resumo do material disponibilizado pelo IPEA.

Cenários macroeconômicos

O crescimento observado para a economia em 2020 será muito aquém do que aquele esperado ao início deste ano. Fato é que antes mesmo do coronavírus já não tínhamos previsões tão elevadas de crescimento, mas um PIB menor acabou transformando-se em uma queda livre.

Os dados mais recentes do Boletim Focus, que coleta informações de agentes do mercado, trouxe nesta segunda-feira (26/07) uma queda esperada de 5,77% para a economia brasileira neste ano. Segundo o estudo do IPEA, a queda ficará em 6%, mas com recuperação de 3,6% em 2021, conforme mostra o gráfico abaixo.

Em termos de dívida pública, este item que tenderia a se estabilizar e reverter logo nos primeiros anos da década que se inicia em 2021, acabou apontando para cima. Previsões indicam que uma possível estabilidade ocorra apenas ao final da década.

Em parte, devido aos desembolsos adicionais deste atual período e também pelo avanço “natural” do tamanho do Estado brasileiro. Não nos esqueçamos que o orçamento público do Brasil é 93% composto de despesas “engessadas”, que não podem ser alteradas sem movimentações na Constituição. Este desafio que já era complexo torna-se ainda mais após esse período.

Em consequência dessa questão fiscal temos um apontar para cima da curva de juros ao longo do tempo. Naturalmente, com uma dívida maior e mais complexa de ser gerida, o custo desses empréstimos tomados pelo governo se eleva. Apesar da inflação ainda em baixa, isso ocorre porque nossa situação fiscal já era delicada antes mesmo da pandemia.

Covid-19 no mundo: medidas internacionais adotadas

A atuação internacional se deu, não surpreendentemente, também através de vultosos pacotes fiscais cujo objetivo foi o de manter a espinha dorsal das economias funcionando. Assim como aqui, tais estímulos foram em direção a empresas e também a pessoas físicas.

Nesse momento, o estudo do IPEA mostra de maneira bastante direta como um lado fiscal mais robusto faz diferença em momentos como o atual. Se sabemos que todos os países acabam tendo de elevar suas dívidas públicas, a capacidade de cada um sinaliza como poderão enfrentar melhor a crise. O estudo apresenta os casos da Alemanha, da França, da Espanha, dos Estados Unidos e do Canadá para comparar com as medidas aplicadas no Brasil.

Importante ressaltar o caso específico da Alemanha que, de “austericida” passou a ser um exemplo na lida deste período, dado que, logo no início, literalmente colocou à disposição recursos ilimitados que tinham início na monta de US$550 bilhões. Novamente, para que não se perca esse ponto: apenas um cuidado recorrente com o lado fiscal permite que isso ocorra. Momentos extraordinários demandam medidas extraordinárias, mas tempos normais demandam prudência.

Em um momento como o atual vemos claramente quem teve e quem não teve essa prudência.

Eixos de ação para a recuperação econômica

O estudo do IPEA mencionado aqui coloca quatro eixos para recuperação econômica do Brasil pós-pandemia. Esse é um ponto bastante positivo do material produzido pelo Instituto: além de falar do cenário atual, fornece o caminho para dias melhores. Cada um dos eixos apresenta propostas diferentes de atuação.

Atividade produtiva e reconstrução das cadeias de produção.

Neste primeiro eixo as propostas são de reformar o sistema brasileiro de recuperação de empresas (leis de falências e recuperação judicial), a concessão de empréstimos para micro e pequenas empresas para manter de pé suas escalas produtivas, a criação de uma indústria de reciclagem automotiva, o uso estratégico de compras públicas (com foco em micro e pequenas empresas), ideias para o campo da saúde (para reestruturá-lo em termos de financiamento), a criação de concursos nacionais de foco de resolução de problemas com financiamento privado e a adequação dos fundos de financiamento regionais.

Inserção internacional

O Brasil ainda é um país muito fechado. A relação (importação + exportação)/PIB é de 25%, inferior aos nossos pares sul-americanos e de praticamente todos os países ricos (OCDE).

Precisamos estar mais integrados ao resto do mundo, nas cadeias de valor e dar condições para que empresas exportadoras tenham mais êxito na venda de seus produtos e permitir às indústrias locais que importem equipamentos e bens de forma mais fácil, desburocratizada e barata. Além disso, precisamos ter menos amarras e dificuldades para atrair investimento externo, favorecendo o ambiente de negócios por aqui.

De forma geral, os especialistas do IPEA sugerem a adoção de políticas que favoreçam esse ambiente propício para o comércio exterior e para a atração de investimentos externos (tanto diretos como indiretos).

Investimentos em infraestrutura

Não é nenhuma novidade que precisamos de obras de infraestrutura com o objetivo de reduzir o “custo Brasil”. Com exceção de poucos estados, fazer o transporte de carga nesse país de dimensões continentais é caro e arriscado. Apostamos todas as nossas fichas no modal rodoviário, deixando de lado alternativas pluviais e férreas.

Para piorar a situação, casos de corrupção e mal uso do recurso público foram recorrentes nos últimos anos, lançando dúvidas sobre esse modelo de investimento.

Não à toa, o estudo do IPEA sugere fortalecer as parcerias público-privadas e as RDC (Regime Diferenciado de Contratações Públicas). Ainda, sugere revisar as concessões, de modo a identificar ineficiências e oportunidades de melhoria. Trata também da questão do saneamento básico, que deve ser transformado a partir da aprovação do Marco Legal no Congresso.

Proteção econômica e social de populações vulneráveis

Há uma enormidade de programas sociais no Brasil. Mas poucos de fato são focalizados, ou seja, chegam de fato para quem precisa. O Bolsa Família é um deles, com evidências robustas de êxito na transferência direta de recursos para famílias pobres. Contudo, ainda há políticas feitas no Brasil que não trazem resultados concretos para as populações vulneráveis.

O relatório do IPEA, nesse eixo, traz diversas políticas com o objetivo de focalizar o gasto e, dessa forma, dar maiores condições de progresso para esses grupos vulneráveis: medidas educacionais (tempo integral na educação básica, financiamentos estudantis), saúde (vacina tríplice, número de profissionais na saúde) e políticas sociais (agricultura familiar, jornada de trabalho e acesso ao emprego pelos jovens) são debatidas no documento, inclusive pontuando qual deverá ser a origem dos recursos para cada política sugerida.

Mas espera um pouquinho: o que tudo isso tudo tem a ver com os ATIVOS REAIS?

A economia real movimenta os ativos reais. Isso parece óbvio, mas não pode ser esquecido. Aparentemente o mundo dos investimentos se preocupa apenas com aqueles que estejam focados mais em aspectos financeiros, mas é quando a roda da economia gira nas ruas que os ativos reais, aqueles que têm um maior potencial de valorização vigorosa ao longo do tempo, cumprem seu caminho de valorização.

A partir do momento em que a economia estiver sobre bases mais sólidas e bem estabelecidas, os negócios poderão se desenvolver melhor e, com isso, os ativos reais passam a se valorizar mais.

Em termos de longo prazo, temos uma chamada década perdida (como vimos nos anos 1980 e viveremos nos anos 2010) quando a renda da economia praticamente anda de lado o tempo todo. Com a casa arrumada, todos saímos beneficiados.

Não é fácil, não é trivial e envolve um conjunto imenso de mudanças como as que apresentamos aqui. Mas se tem uma coisa que não podemos deixar de considerar é que a oportunidade para reformar e pavimentar o futuro nunca foi tão evidente.

 

Publicado no Terraço Econômico em 30/07/2020

Coleção Economistas: Nobel, o início de um projeto

Em 1968, para comemorar o seu 300º aniversário, Banco Nacional da Suécia criou o prêmio de Ciências Econômicas em memória de Alfred Nobel, que confere, anualmente, o prêmio de aproximadamente US$ 1 milhão para os vencedores. Popularmente conhecido como Prêmio Nobel de Economia, é o único dos prêmios (6 no total) que não foi criado pelo magnata sueco, mas, apesar disso, seu prestígio é indiscutível, tendo premiado economistas que tiveram grandes contribuições à evolução da ciência econômica.

O primeiro ano de premiação foi 1969 e, desde então, foi agraciado 51 vezes para 84 acadêmicos (podem ser premiados até 3 pesquisadores por edição). Na sua primeira edição, o prêmio ficou com a dupla de economistas europeus Jan Tinbergen (Holanda) e Ragnar Frisch (Noruega), que levaram o mérito pela contribuição na área dos modelos macroeconômicos.

Ao longo dos anos, foram premiadas pesquisas das mais variadas áreas e temas, moldando o modo de pensar e de pesquisar da profissão. Esse impacto ocorre anos antes da premiação (por vezes décadas), com a comunidade acadêmica digerindo e questionando as contribuições, sendo o Nobel a joia da coroa de tal processo.

Na edição mais recente até a abertura deste projeto, de 2019, o prêmio ficou com um trio de economistas: Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer, que levaram o prêmio por seus trabalhos de abordagem experimental para ajudar no combate à pobreza global. Vale notar ainda que Esther Duflo, além de ser a segunda mulher agraciada com o Nobel de Economia, foi a mais nova a ganhar o prêmio na história do Nobel em Economia (46 anos).

Dada a importância do prêmio, estudar a pesquisa dos laureados passou a ser excelente forma de acompanhar a evolução da ciência econômica. Pensando nisso, e aproveitando o crescente interesse que a economia vem despertando na sociedade em geral, apresentamos o projeto Coleção Economistas: Nobel, que estamos lançando agora com muita satisfação aqui no site do Terraço Econômico.

O objetivo principal do projeto é fortalecer a disseminação de conhecimento da nossa tão amada Economia e o meio que encontramos para fazer isso foi através da divulgação das ideias dos premiados a cada ano. Buscamos alcançar um público amplo, que inclui desde estudantes, jornalistas até os próprios economistas, difundindo a importância e despertando o interesse para a pesquisa vencedora e para o premiado.

Para fazer isso, aproveitamos o processo de fortalecimento da comunidade de economistas nas redes sociais, observada nos últimos anos. Professores, estudantes e demais profissionais estão cada vez mais em contato, compartilhando conhecimento. Por isso, convidamos economistas em diferentes estágios da carreira para fazer a colaboração.

Desde promissores estudantes de graduação, passando por talentosos mestrandos e doutorandos, até chegar a profissionais da mais alta qualidade, seja na academia ou fora dela, teremos aqui nesta coluna contribuições das mais diversas, o que enriquece o trabalho e reforça o laço entre economistas do país. Isso é particularmente importante no momento atual, onde precisaremos cada vez mais buscar convergências para que o país implemente reformas e políticas públicas bem desenhadas com o objetivo de finalmente alcançarmos o desenvolvimento que nos permita não ter mais décadas perdidas, mas sim décadas de crescimento econômico, redução da pobreza e desigualdades e melhoria das oportunidades para a população brasileira.

Vamos, portanto, ao que interessa: os textos começarão a ser publicados no dia 21/07, na ordem cronológica, sendo que todas as publicações ocorrerão nas terças e quintas. Haverá algumas surpresas ao longo do caminho e temos certeza de que os leitores irão apreciar. Agradecemos imensamente aos colaboradores, que investiram seu tempo para entregar textos excepcionais, e ao apoio fundamental do Terraço Econômico. Espero que gostem!

Organizadores: Guilherme Tinoco, Caio Augusto, Arthur Lula, Lucas Iten, Gabriel Brasil e Cláudio Lucinda

 

Publicado no Terraço Econômico em 15/07/2020

A resposta dos Bancos Centrais à crise da COVID-19

Ao longo dos anos, nosso conhecimento sobre crises econômicas e financeiras vai sendo construído a partir de filmes, artigos e leituras em geral que fazemos sobre diversos episódios que ocorreram na história. Crise asiática, quebra da bolsa de Nova Iorque, crise do petróleo, empréstimos subprimes e mercado imobiliário, crise da dívida soberana europeia. A lista é longa, e o processo de recuperação da economia foi distinto em cada um dos episódios mencionados.

Apesar de mudanças na forma como essas crises começaram, os dias seguintes são bem conhecidos: redução no consumo, fechamento de empresas, demissões, diminuição do poder aquisitivo, aumento do desemprego, queda da confiança dos agentes (produtores e consumidores).

Contudo, vale a pena mencionar que as crises anteriores foram resultado de imperfeições inerentes à economia, como os contratos muito arriscados do subprime, elevação sem transparência das dívidas soberanas de nações européias, aumento repentino na produção de petróleo com manutenção da demanda, etc.

Agora, estamos no olho do furacão de uma nova crise, provocado por uma fator externo à economia: o surgimento de um vírus. Diferente dos outros casos, a economia não desacelerou a partir de um fato; na realidade, a “roda da economia” simplesmente PAROU por alguns meses, devido ao chamado shutdown realizado em todos os continentes. Após esse período, a produção voltou a se “normalizar”, embora em uma velocidade inferior ao momento anterior ao surgimento do vírus.

Até aqui, o que estou contando é que aparentemente o mercado foi capaz de absorver o primeiro impacto e aos poucos retomou a produção e consumo. Isso não é a verdade dos fatos.

Ficou faltando falar sobre um personagem que conseguiu acalmar os ânimos dos agentes por meio da injeção de liquidez e compras de títulos públicos e privados nos mercados financeiros.

Quê? Se você não entendeu, fique tranquilo! Deixando o “economês” de lado, vou te explicar o que significa essa intervenção e o papel dos Bancos Centrais na redução da incerteza nesse período de crise!

A resposta dos Bancos Centrais 

Em momentos de forte turbulência como o vivido atualmente, os Bancos Centrais se fazem presentes basicamente através da injeção de liquidez na economia objetivando que o sistema siga respirando apesar da paralisia que o cerca. Essa injeção de recursos acontece de maneira a comprar títulos que estejam circulando e, desta forma, assumindo os riscos deles. Em momento de crise, como o atual, os compradores “somem”, fazendo com o que os preços desabem. Por isso, a intervenção dos BCs tem o objetivo de suavizar essas oscilações de mercado.

A resposta, dessa vez, é bem mais rápida e vultosa do que em 2008. O motivo é razoavelmente simples: enquanto naquela época o ponto era recuperar a parte financeira da economia que tinha observado uma quase quebra com origens no mercado imobiliário dos EUA, dessa vez a economia como um todo – em aspectos financeiros e reais, no mundo inteiro – observou uma rígida paralisia. A necessidade de respostas hoje é, de fato, superior.

Elaboração do gráfico: Bloomberg.

Esse injetar de liquidez acaba resultando em uma externalidade que pode vir a beneficiar o Brasil: tendo em vista que os recursos disponíveis para manutenção do sistema circulando lá fora se dão presentes, os países desenvolvidos começam a olhar para locais mais arriscados para se investir e, nessa conta, entram os emergentes. É possível que uma onda de recursos não observada em muitos anos seja direcionado para cá.

Cuidado: liquidez que não realiza vira ilusão

Desde a crise de 2008 até a atual grande crise que vivemos, um perigo que está sempre a solta é o da dependência de estímulos de bancos centrais para que as economias sigam basicamente se desenvolvendo. Um forte indício dessa dependência é o fato de que bancos centrais como o dos EUA, do Japão e da Europa basicamente viram seus balanços aumentarem ano a ano desde 2008 juntamente da recuperação econômica e, no atual momento, o que vemos é uma tendência ainda maior do tamanho desses balanços para cima.

De um lado podemos sempre observar que injeções de liquidez dão um alento maior à economia para períodos complicados. Por outro, é possível observar também um descolamento entre os fundamentos das empresas e o porquê de estarem se valorizando tanto. Explica-se: o que faz com que empresas se valorizem de verdade é quando elas apresentam receitas maiores dados os custos e despesas (e, no fim do dia, lucros maiores também).

Uma amostra do que essa inconsistência significa está por exemplo no caso da Hertz. A empresa abriu processo de falência recentemente e, logo em seguida, buscou US$1 bilhão no mercado de ações – e conseguiu. Pensemos com clareza: qual o sentido de uma empresa falida levantar capitais nesta magnitude? A única explicação possível é a miopia da liquidez exacerbada que temos no presente momento.

E como fugir dessa miopia?

Temos dois caminhos para aproveitar essa liquidez gigantesca que os Bancos Centrais estão promovendo nas economias mundo afora. Um tem maior possibilidade no curto prazo e outro tem foco em prazos alongados.

A primeira possibilidade é surfar a onda da valorização da renda variável. No curto prazo, de fato essa liquidez inundará fortemente os mercados e será responsável por uma valorização sem precedentes. Inclusive, é importante notar que mesmo março de 2020 tendo sido um dos piores meses da história para a renda variável no Brasil, a recuperação já observada a partir de abril e as positivas perspectivas de recuperação que seguem são razoáveis. Porém, como já dito, o efeito do descolamento entre os ativos financeiros e a economia real pode resultar mais adiante em quebras de empresas – evidenciando que os ganhos nesta estratégia tendem a ser de curto prazo.

O segundo ponto seria aproveitar essa liquidez para focar em ativos da economia real. Dado que aplicações de baixo risco agora passam a ter retornos bastante baixos, diversos projetos de investimentos em ativos reais passam a ser mais atrativos do que antes. Os investimentos da economia real têm prazo de maturação bem mais longo do que a compra de ações no mercado de renda variável mas, no final do dia, apresentam uma consistência maior ao longo do tempo.

Fique de olho nos ativos reais!

O momento em que vivemos suscita muitas emoções, mas, a regra fundamental para geração e multiplicação de patrimônio ao longo do tempo é o pensar sobre fundamentos do investimento realizado com parcimônia e lógica. Qual o sentido de abraçar grandes ganhos de curto prazo que não devem se sustentar ao longo de décadas?

A janela de oportunidades que se abre para os ativos reais é, por mais paradoxal que pareça neste momento, ainda mais interessante do que a existente para os ativos financeiros. Tudo isso em função, justamente, da resposta firme que os Bancos Centrais dão ao redor do mundo neste exato momento.

 

Publicado no Terraço Econômico em 24/06/2020

Comunicação e liderança política fazem diferença em tempos de crise

Logo ao início deste artigo já queremos colocar um ponto importante: envie este texto a quem você conhece que diz algo como “ninguém está levando a sério o que o presidente do Brasil diz sobre essa pandemia, não precisa se preocupar”.

Crises têm começo, meio e fim

Por mais difícil que pareça acreditar quando se está em meio a uma crise, sim, crises têm começo, meio e fim. Usaremos como exemplo para o artigo a crise que estamos enfrentando no momento, o Covid-19.

Doença cujo descobrimento se deu na Ásia no último trimestre de 2019, com epicentro na região chinesa de Wuhan, teve seu primeiro caso confirmado no Brasil em 26 de fevereiro de 2020 – uma quarta-feira de cinzas, ironicamente.

Não era segredo algum que um dia o vírus chegaria aqui no Brasil. Tivemos um certo tempo de observação das reações internacionais (ao menos na China, na Itália e na Espanha com grandes e danosos efeitos) e, consequentemente, para nos prepararmos. É importante questionar: quando o Brasil começou a se preparar para a chegada do vírus?

Poderíamos ter nos preparado em termos de conscientização da doença e também da capacidade técnica necessária para lidar com ela. Não se trata de problema fácil de lidar, mas preparação da população com uma comunicação mais unívoca faria enorme diferença. Porém, o que vimos foram discursos desencontrados de que, dentre outras coisas, precisaríamos entender como o vírus se comportaria num país tropical já que o caso começou em países com temperaturas mais frias. Todo tipo de subterfúgio foi utilizado para não ser necessário admitir que teríamos, de uma forma ou de outra, de lidar com essa pandemia.

Ah, mas a economia…

Importante ressaltar que mesmo antes do Covid-19 nossos indicadores econômicos estavam bem ruins – seja na parte do crescimento, que patinava, ou mesmo no aspecto do endividamento público, após seis anos seguidos de déficit primário e já deixando claro que 2020 seria o sétimo ano. Contrariando a “decolagem” que alguns supunham na equipe econômica entramos nessa crise como um país quebrado e endividado. Ao contrário da Alemanha que possuía superávit fiscal e dos Estados Unidos que tinham desemprego ao redor de 4%.

Entramos em situação ruim na crise, com ela ficaremos em dificuldades ainda maiores. A situação poderia ser bem diferente caso tivéssemos, no pós-previdência (terceiro trimestre de 2019), já encaminhado outras reformas de impacto fiscal e econômico em geral, como a administrativa e a tributária – reformas essas que, agora, ganham ainda mais destaque dada a situação do endividamento que se deteriora em virtude dos desembolsos necessários para a lida com a pandemia. Com a corda orçamentária cada vez mais esticada e frágil, as justificativas para não entrarmos em um ritmo acelerado de reformas após este momento extraordinário são cada vez mais insustentáveis.

Outro ponto que muito provavelmente não será relegado ao último plano após toda essa catastrófica gestão de crise é a capacidade de gerir políticas públicas mais eficazes e, em tempos de crise, ter lideranças políticas que saibam efetivamente promover uma comunicação que faça a diferença.

Tenha você, leitor, em mente, que a partir do momento em que essa pandemia se fez presente a economia ao redor do globo já entrou em fortes dificuldades – segundo o FMI, a maior crise desde 1929.

Em um momento difícil como esse para o planeta inteiro, a decisão não a cargo de termos uma crise econômica ou uma na saúde, mas sim de, dado que a crise econômica seria inevitável, quais os caminhos para que isso não acompanhasse também um colapso na saúde? Por aqui, “sem querer querendo”, parece que optamos por ter as duas coisas.

Liderança impacta!

Em toda crise, o líder e sua capacidade de liderar é primordial. E o que é liderar? É ser o exemplo, transmitir segurança e, principalmente, ter uma excelente comunicação com a sociedade.

Vale ressaltar que espera-se do líder preparação para ser julgado independente do resultado ou da eficácia das decisões, ou seja, o líder deve caminhar contra ventos e correntezas. É fundamental que o líder transmita confiança e segurança para seus liderados. Podemos citar como exemplo Churchil no pós Segunda Guerra Mundial quando, diante de toda a expectativa de que findo o conflito as dificuldades teriam desaparecido, ele lembrou que, na realidade, ainda havia muito por se fazer. Certamente isso é bem diferente de amenizar os problemas – ou mesmo, como tivemos em uma campanha presidencial de 2014, fazer troça de quem os coloca na mesa.

Aqui no Brasil, nesse momento, estamos vivendo um apagão de lideranças. A sociedade está perdida e procura se segurar em algo que lhe dê confiança. Mas o que vemos? Discursos desencontrados, piadas e brigas políticas. A única coisa que não vemos é um líder que luta pela sua nação e principalmente por vidas. É um desencontro de opiniões e comunicação.

O maior sinal dessa liderança desencontrada é o fato de que embora o assunto principal seja a pandemia, tudo que vemos por aqui são demonstrações diretas de tentar dar nome aos avanços – em vez de focar nos avanços em si.

A frase “não importa a cor do gato, contanto que apanhe o rato” nunca se fez tão ausente em nosso país quanto agora. Aparentemente, por aqui vale discutir muito mais a tonalidade do gato do que se efetivamente o rato foi pego.

Se há um momento em que se espera uma atitude mais altiva de direcionamento do Estado é esse. E se existe um momento mais tosco para demonstrações de poder, também estamos nele.

Comunicação importa!

Não podemos deixar de falar que a crise é um ambiente fértil para boatos, afinal temos uma sociedade sedenta por informações e respostas, e com isso vai acreditar em tudo que lhe é dito.

O grande líder tem o dever de informar a sociedade de forma clara, com a verdade, e principalmente, trazendo esperança e colocando as pessoas como parte da resolução do problema, não do problema em si.

A comunicação deve ser feita com empatia e quem comunica não pode esquecer que cada ouvinte passa por diferentes situações e está com os sentimentos vulneráveis.

Toda decisão tomada deve ser explicada de forma clara, qual o objetivo e resultados esperados, ou corre-se o risco não desprezível de perder em credibilidade.

Nesta crise do coronavírus peguemos um breve exemplo do que é mais eficaz do que o que tivemos por aqui. Na Alemanha, Angela Merkel foi a televisão e disse claramente: “desde a Segunda Guerra Mundial nosso país não enfrenta um desafio que depende tanto de nossa solidariedade coletiva”.

Uma comunicação como essa exime que algumas pessoas sejam irresponsáveis? Não, mas coloca-as como irresponsáveis de maneira mais direta.

Por aqui, nossa “grande estratégia” foi digna dos filmes dos Trapalhões: o presidente não levou a doença a sério e deu a entender que não precisava ser levada, quando governadores começaram a agir reagiu como se “estivessem em campanha política”, houve uma demissão do Ministro da Saúde que discordava dele e desautorizações públicas diversas de seus próprios comandados.

E daí que o presidente fala besteira?

Provavelmente neste momento o leitor se perguntará qual a diferença dos discursos do presidente porque “é claro que sabemos que ele está equivocado”. Pois é, nem tudo é tão límpido assim. Um terço da população acredita que a gestão de crise (se é que ela realmente existe) por parte do presidente é ótimo/boa. Na prática, temos uma quantidade não desprezível de pessoas no país que também acredita que a doença não é algo que demande tanta seriedade assim. E o impacto disso é relevante: por todo o país pessoas pressionam prefeituras e governos estaduais a respeito de uma abertura que precisa ocorrer já que, na prática, “nem é tudo isso aí essa doença”.

Comunicação em crise muda o jogo

Como foi dito anteriormente, tivemos um tempo razoável para começar uma campanha educativa sobre o que estava acontecendo na China, Itália, Espanha, EUA e o que poderia acontecer aqui aqui no Brasil.

Mas já que não tivemos essa capacidade de comunicação educativa pré crise, como deveria ser feito durante a crise?

A principal ação é intensificar campanhas educativas sobre o vírus explicando as consequências mais graves que ele pode ter quando a pessoa é contaminada, o que acarreta para o sistema de saúde e a importância de se proteger. Não há necessariamente um espaço de tempo para que uma mudança cultural seja colocada em prática, mas o máximo de informações possível sobre os cuidados com a doença é o que deveríamos estar vendo o tempo todo. Um exemplo é enviar mensagens de texto simples e educativas.

É essencial manter o bom relacionamento e uma comunicação eficaz com a imprensa. Imprensa vive de furos, então não dê motivos para que dúvidas sejam geradas em relação aos números de saúde, gravidade da crise e conflitos políticos. O que menos precisamos em um momento de crise são suposições.

Não existe gestão de crise sem uma comunicação alinhada e coordenada entre lideranças (como exemplo: federais, estaduais e municipais) para que a população não fique com dúvidas e incertezas em relação às medidas adotadas e, principalmente, qual liderança seguir.

Líderes têm como obrigação comunicar transparência com o cenário atual e previsões para o futuro.

Todas as ações devem ser comunicadas à população com antecedência, clareza, transparência, explicando o porque daquela medida e o resultado esperado. Se a população tem tempo para se programar, as mudanças tendem a ser menos traumáticas.

Caso medidas tomadas sejam revogadas, o líder deve pedir desculpas e explicar onde foi o erro e deixar claro quais serão as novas medidas adotadas para os novos resultados.

Importante perceber se a comunicação está clara e empática para mostrar que a sociedade também é responsável pelo avanço da crise.

A comunicação precisa ser transparente em como será uma futura realidade, as pessoas precisam sentirem-se seguras com o futuro para ter incentivos e agir no presente.

Infelizmente podemos citar inúmeros exemplos de lideranças políticas que têm desempenhado um importante papel e se comunicado de maneira eficaz com a sociedade e são eles: Boris Johnson (Reino Unido), Angela Merkel (Alemanha), Andrew Cuomo (NY), José Luis Martínez (Madrid), entre outros.

O Brasil está dando aulas em ruídos de comunicação e do que não fazer em termos de gestão de crise. É importante notar que artigos como este que você está lendo servem para que, no futuro, não se possa apontar que “não se sabem as causas do caos na lida com uma pandemia como a do coronavírus no Brasil” e, além do mais, também servem para suscitar uma discussão mais séria sobre como a comunicação política mais eficaz faz diferença quando do Estado se esperam ações efetivas de direcionamento.

Caio Augusto

Editor do Terraço Econômico.

Nara Borges

Mestranda em comunicação na contemporaneidade pela Cásper Líbero e chefe de gabinete do Dep. Estadual Daniel José.

 

Publicado no Terraço Econômico em 18/05/2020

O tripé Bolsonaro está em ruínas

Diretamente dos tempos do pós segundo turno das eleições de 2018, ficamos sabendo pelo recém-eleito que, para além de uma plataforma baseada no liberalismo de seu “Posto Ipiranga”, teríamos também um bastião da justiça para demonstrar que não haveria ali dúvidas sobre o forte combate à corrupção. Sergio Moro, convidado para o Ministério da Justiça e Segurança Pública seria, ao lado de Paulo Guedes no Ministério da Economia, um pilar fundamental do governo.

Temos então, desde o princípio, que o governo procurou se sustentar basicamente sobre o seguinte tripé:

  • – O estabelecimento de uma economia liberal, pautada em reformas que procurassem desburocratizar e desestatizar a economia do Brasil;
  • – O combate da corrupção e do crime organizado;
  • – A defesa dos bons costumes e de valores apresentados como conservadores.

Você leitor já deve ter verificado nesta mesma coluna que o primeiros dos pilares tem caminhado para a ruína. Isso ocorre porque há em curso o Plano Pró Brasil, que é uma espécie militar do PAC petista que vai buscar, da mesma maneira vaga como tentado há poucos anos (e também em outros períodos anteriores, como o regime militar), um programa de grandes obras públicas para gerar empregos. Com uma situação fiscal já insustentável – é sempre importante lembrar que 2020 será o sétimo ano seguido de déficit fiscal – e agravada pelos desembolsos necessários adicionais em função da batalha contra o coronavírus, a ideia inicial de grandes nomes da ala econômica como o Secretário do Tesouro Mansueto Almeida de deixar os desembolsos para o alívio dos efeitos econômicos com a pandemia apenas para a duração dela estão indo por água abaixo.

A sexta-feira

Nessa última sexta-feira, dia 24/04/2020, mais precisamente a partir das 11 horas, o segundo item do tripé ruiu – ao menos oficialmente – com o anúncio da saída do agora ex-Ministro da Justiça Sergio Moro. Esse anúncio não foi apenas o de “um pedido de demissão”, mas sim de algo bem maior: o do paradoxo de um governo teoricamente anti-corrupção que, ao passar dos dias, se revela como cada vez menos republicano.

Durante a dura apresentação de motivos que motivaram sua saída, o principal ponto ressaltado por Moro foi que a promessa de autonomia em sua atuação não teria sido cumprida pelo Presidente. Após comentar de alguns casos em que teria sido publicamente desautorizado pelo ex-chefe, disse que o grande estopim do não cumprimento dessa promessa foi a exoneração de Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal (PF). Segundo Moro, a exoneração de Valeixo, realizada por Bolsonaro de maneira unilateral e sem confirmação de que seria feita antes de que de fato saísse no Diário Oficial da União, não teria sido realizada por motivos técnicos, mas por motivos exclusivamente políticos.

A história é mais longa e ainda carece de maiores esclarecimentos, inclusive estando em uma verdadeira guerra de narrativas com capítulos que envolveram de um pronunciamento de quase cinquenta minutos do presidente – em que o assunto principal quase não apareceu, sendo sucumbido por uma lavagem de roupa suja que lembra um fim de namoro conturbado – a troca de mensagens no Twitter. Mas de maneira geral, o que ficou entendido é que Bolsonaro gostaria de um novo chefe da PF que fosse mais “alinhado”, tendo um maior comprometimento consigo mesmo e consequentemente, um menor comprometimento com investigações autônomas e imparciais. Cabe destacar que os filhos de Bolsonaro ultimamente vem sendo investigados. Flávio Bolsonaro está na mira devido a um esquema de “rachadinhas” (servidores comissionados que estariam devolvendo parte do salário a ele), enquanto Carlos Bolsonaro é investigado como sendo o mentor do chamado “gabinete do ódio”.

Após o anúncio de Moro, todos ficaram na expectativa da resposta de Bolsonaro acerca do episódio. Essa resposta veio por meio do já citado pronunciamento que, per se, merece um comentário especial. Cercado por seus Ministros (sobreviventes), no que talvez tenha sido um dos pronunciamentos mais constrangedores da história da política brasileira, falou de tudo um pouco. De falas totalmente anacrônicas do presidente (como o fato de que até o esforço de “desligar o aquecedor da piscina do Palácio da Alvorada” ele havia feito, dando a entender que seu compromisso com a austeridade era real) até a uma tentativa bem barata de comoção (como quando afirmou que “sempre abria o coração para o Sergio Moro”, no que aparentemente acredita nunca ter sido correspondido).

Ministro da Economia – pelo menos por enquanto – Paulo Guedes também acabou sendo um dos destaques, mesmo sem ter dito nenhuma palavra. É que, se uma imagem vale mais do que mil palavras, a imagem de Guedes durante o pronunciamento pode estar gritando que ele pode ser o próximo ministro que vai passar no RH: era ele o único informalmente vestido, sem paletó, de máscara e com um sapato que mais parecia mostrar que na verdade ele estava descalço. Isso sem falar nas singelas e contidas duas palmas dadas após o encerramento da longa fala de Bolsonaro.

O que tudo isso nos mostra?

É importante apontar que a saída de Moro, além de revelar toda a hipocrisia de um governo supostamente “anti-corrupção”, também revela todo o autoritarismo de um presidente que acredita – ao menos em sua cabeça – ser dono de uma nação. Ele inclusive chegou a citar algo, dentro de suas tergiversações diversas, de que “a Polícia Federal se preocupou mais com a Marielle [Franco] do que com seu chefe supremo”, quando apontou que não teria recebido a mesma atenção a investigação feita pelo órgão em relação ao atentado que sofreu durante a campanha presidencial.

A impressão que se tem é que parece que tudo pode ser feito, desde que não desagrade ao todo poderoso presidente Bolsonaro. O ex-Ministro da Saúde, Luís Henrique Mandetta, que o diga, já que foi outro que ousou a desagradar o presidente e veio a sofrer o poder da “canetada presidencial” que culminou em sua saída do Ministério.

Sobre o terceiro item que compõe o tripé de Bolsonaro, cabe pedir uma mãozinha para Walras. Segundo Walras, se “n – 1” mercados estão em equilíbrio, consequentemente os “n” mercados estarão. O pressuposto de Walras também pode ser utilizado aqui, pois se dois itens de um tripé estão em ruínas, consequentemente o terceiro também estará no chão em breve. Temos dessa maneira que ficará bastante insustentável a defesa do conservadorismo e dos bons costumes sem os pilares da economia liberal e da justiça isenta.

Moro apontou como principal motivo de sua saída a sequência de momentos em que fora desautorizado por Bolsonaro e que a gota d’água teria sido a exoneração do diretor da Polícia Federal. A mesma promessa de não interferência havia sido feita a Paulo Guedes e, pelo que podemos observar com o tal Plano Pró Brasil – que sequer contou com a presença do Ministro da Economia em sua apresentação -, não é possível descartar que ele seja o próximo a desembarcar do atual governo.

Sem o pilar da Justiça Isenta e nem o da Economia Liberal, até quando o governo Bolsonaro sobreviverá? É mister lembrar que quando o comandante do navio manda todos aqueles que dão as más notícias embora, não fica ninguém para avisar de alguma eventual rachadura – e então quando se nota o naufrágio já é inevitável.

Collor e Dilma sabem bem o que esse “isolamento junto aos que não te contam as más notícias” significa e Bolsonaro, se ainda quiser se atentar a isso (e não seguir culpando o mundo por suas próprias trapalhadas), talvez possa reverter a situação.

Mas não dá para negar que a impressão é de que o jogo efetivamente já acabou.

 

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 27/04/2020

Plano Pró-Brasil: desagradando a gregos e troianos

Já está amplamente enraizado como conhecimento popular tupiniquim que algo dificílimo de ser feito é o tal do “agradar a gregos e troianos”. Isso quer dizer que não tem jeito: ao tomar decisões, ainda mais as que envolvem muitas pessoas – ou populações -, alguém(ns) sempre ficará(ão) desagrado(s). Mas e o “desagradar a gregos e troianos”, também seria tão difícil? O Plano Pró-Brasil mostra que não.

Não é surpresa para ninguém que a crise sanitária provocada pelo Coronavírus está provocando diferentes reações de governos ao redor do mundo e que, além da sua elevadíssima taxa de transmissão e contágio, essa doença também está sendo veloz em levar recessão econômica aos países. Considerando esse cenário de profunda desaceleração econômica global, a maior desde 1929 segundo o FMI, é que o governo federal apresentou um plano de retomada pós-crise intitulado como Plano Pró-Brasil. Esse plano, que parece se inspirar no famoso “Plano Marshall”, visa reativar os investimentos em infraestrutura, objetivando criar 1 milhão de empregos com obras públicas, prevendo aportes de R$ 30 bilhões até 2022.

Apesar do momento de profunda crise, o Plano Pró-Brasil parece estar muito longe de ser uma solução ou sequer de ser um paliativo eficiente. Tal diagnóstico se dá pelo fato de que, tais quais ideias como congelar preços e inserir cláusulas de conteúdo nacional em produções diversas (como meio de incentivar a indústria brasileira), o mote deste programa falha em não ter determinações em termos de prazos e objetivos reais, mantendo-se apenas apegado a chavões e expressões bonitas que nada apresentam em termos de ideias novas ou eficientes.

Se por um lado esse plano vai na direção oposta a toda agenda liberal que estava sendo praticada pela atual equipe econômica do Ministério da Economia – a de privatizações e a de redução do gasto público – por outro, os críticos dessa mesma agenda liberal criticam a timidez e o direcionamento dos gastos desse plano. Ou seja: trata-se de um plano que desagrada a todos de certo modo.

Acerca do Plano Pró-Brasil também falta consenso, e até mesmo dentro do próprio governo federal. Falta de consenso é eufemismo, dado que as diretrizes do plano aparentemente desagradam até mesmo o Ministro da Economia, o “posto Ipiranga”, mais conhecido como Paulo Guedes. O secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, também teceu considerações acerca da inviabilidade do atual esboço do Plano Pró-Brasil. Segundo o secretário, essa inviabilidade consiste na incapacidade atual do governo brasileiro de financiar um plano nos moldes do Plano Marshall.

Outro “calcanhar de Aquiles” do Pró-Brasil é a sua associação com o malfadado Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC) – feita, inclusive, pelo próprio Guedes. Mesmo correndo o risco de cair em anacronismo, a comparação entre os dois planos é quase que involuntária, dado que os dois planos envolvem elevados gastos públicos direcionados para o setor da construção civil e um certo descompasso entre ideias megalomaníacas e seus respectivos custos de execução. Esse tipo de comparação é outro ponto negativo, dado que o PAC serviu como instrumental para um gigantesco esquema de corrupção, tendo envolvido as maiores empreiteiras do país.

A expressão “de boas intenções o inferno está cheio” também ajuda a explicar esse plano. Tal qual o PAC, a ideia é de, em um período bastante complicado para a economia, colocar o Estado como sendo motor da manutenção das atividades. Em teoria isso não parece ser ruim, dado que, por ser o ente com maior capacidade de endividamento, o Estado realmente tem cacife para isso. Porém, os entornos de todo tipo de programa desse tipo em nosso país de Estado gigante mostram que, no fim das contas, quem tiver mais força conseguirá recursos (independente de precisar deles ou não), projetos tentados anteriormente com ineficiência mais de uma vez – como a tal da indústria naval brasileira – voltam para uma nova malfadada tentativa e, é claro, a bonita foto em que são enquadradas as supostas “conquistas do Brasil Grande” esconde a parede manchada dos custos que ficarão para as próximas gerações.

E não é força de expressão: no caso do PAC pagaremos os subsídios até 2060 – e, aparentemente, apesar do “Plano Marshall” da época, não tivemos avanços na produtividade do país, embora algumas empresas tenham gostado bastante do dinheiro barato utilizado para os seus projetos.

No fim das contas, tenha o leitor bastante claro em sua mente que, quando o dinheiro barato é colocado na mesa, ninguém é tolo de não pegá-lo. Essa ideia de que “apenas quem precisaria se utilizaria de recursos de um programa desse tipo” tapa o sol com a peneira. Em plena época de pandemia, em que a trajetória da dívida pública (aparentemente terminada com a reforma da previdência, dado que nada de tão relevante assim veio após ela) mostra que uma estabilidade esperada para 2022/2023 em torno de 80% só vá acontecer com sorte após 2030 superando 100% do PIB, é bastante temerário que se pense com seriedade em um plano que envolva a ampliação da participação do Estado de maneira maciça na economia.

Um adendo importante sobre esse tipo de programa é que ele promove na economia o que chamamos de efeito crowding out. Esse efeito, saindo do economês, significa o seguinte em termos práticos: já que o governo está atuando nesse setor, não faz sentido que eu em vias privadas atue. A grande dificuldade sobre isso é que há impossibilidade lógica do governo atuar em todas as áreas possíveis e, quando começa a ficar muito cara essa aventura empreendedora e ele decide sair, deixando muitos setores que talvez nem deveriam estar presentes com reclamações evidentes.

Novamente citamos aqui a indústria naval como exemplo: mesmo sendo mais eficiente adquirir navios estrangeiros vemos uma tentativa por parte do Estado de tempos em tempos de “fazer uma indústria nacional” disso; na prática o dinheiro é despendido, quando fica caro o Estado pula fora e a conta, juntamente com os desempregados, ficam, com o perdão da expressão, a ver navios.

É importante ressaltar que esse artigo não quer dizer que o Estado tenha de ter efeito nulo sobre a pandemia que vivemos atualmente. Ele tem mesmo que participar com medidas de alívio aos agentes produtores e consumidores. Porém há uma diferença notável entre oferecer um alívio durante o tempo da pandemia e esticar o rol de gastos do governo de maneira mais perene – especialmente levando em consideração que, caminhando para o sétimo ano seguido em déficit primário, não tenhamos condições reais de arcar com esse tipo de ideia.

Desse modo o Programa Pró-Brasil comprovou que sim, é possível desagradar a gregos e troianos sem dificuldade alguma. Do lado liberal ficou a ilusão de que esse governo viria para permitir que a iniciativa privada atuasse onde fosse mais eficiente e que o Estado se manteria nas regras do jogo. Já do lado mais estatizante fica o reclame de que “se a Alemanha faz tanto pelo seu povo nesses tempos difíceis podíamos fazer mais por aqui” (deixando de levar em conta, tal qual o governo que criticam tanto ser neoliberal ou algo que o valha, a dificuldade em fechar as contas que já dura quase uma década).

A receita para fazer isso é razoavelmente simples e está sendo executada agora novamente. Basta criar um plano que pretenda elevar os gastos públicos a partir de investimentos em um setor econômico previamente escolhido, provavelmente o da construção civil, que além de ser de baixa complexidade, também está relacionado a graves casos de corrupção na história recente. Claro, não podemos esquecer do principal, tudo isso é para “ativar a economia do país”.

Pelo visto, a pergunta sobre se veríamos esse filme novamente está sendo respondida a passos largos. Sim, veremos.

 

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 24/04/2020

Suspensão de contratos de trabalho: dava para ter ideia melhor

Estamos diante de uma crise sem precedentes em função das paralisações que ocorrem hoje para reduzir o avanço da pandemia do coronavírus. Tão sem precedentes que, no atual momento, é possível que toda e qualquer previsão que esteja sendo feita seja, na verdade, distante do que realmente irá ocorrer.

Nosso artigo, construído a quatro mãos, analisará duas óticas pertinentes a esse caso para apresentar que a ideia – embora já tendo sido derrubada pelo próprio autor – é ruim e pode ser substituída por outros meios.

ÓTICA JURÍDICA

O Direito do Trabalho durante toda a sua estruturação histórica tem como escopo a tutela e a proteção não apenas dos direitos individuais trabalhistas, mas também na proteção da coletividade como um todo. A estrutura que as sociedades possuem dependem intimamente do trabalho como fonte de força motriz econômica.

Em tempos de crise econômica, o primeiro ponto que surge para contenção de despesas são as extinções dos contratos de emprego. No entanto, esse método pode parecer a solução inicial, mas o desastre econômico perpetrado por tal ato é muito maior do que se imagina.

Diante dos acontecimentos mundiais causados pela pandemia do Coronavirus – COVID-19 – temos como fundamental pensar e aplicar medidas que estruturem empregadores e empregados de modo que não se atinja a economia desestabilizando ainda mais a estrutura econômica do País.

É para isso que surge o Direito Emergencial do Trabalho. Com balizas constitucionais é possível equilibrar tanto os valores sociais do trabalho quanto o da livre iniciativa. Com isso pensamos que pode ser possível superar as dificuldades impostas atualmente pela pandemia, sem que se afete a estrutura familiar dos empregadores e dos empregados. É disso que trataremos nesse artigo.

Como afirmado acima, o Direito Emergencial do Trabalho surge para tempos de crises como esta que vivemos. No entanto, em hipótese alguma podemos nos desviar da nossa Constituição. É ela que servirá de norte para as decisões que devemos tomar e aplicar na prática. Para isso, os artigos 1° ao 11 serão as balizas jurídicas que adotaremos para a análise da Medida Provisória em comento.

A medida provisória traz três artigos iniciais que devemos ter em mente para começar a sua análise:

Art. 1º  Esta Medida Provisória dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 3 de fevereiro de 2020, nos termos do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.

Parágrafo único.  O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020,  e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

Art. 2º  Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

Art. 3º  Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:

I – o teletrabalho;

II – a antecipação de férias individuais;

III – a concessão de férias coletivas;

IV – o aproveitamento e a antecipação de feriados;

V – o banco de horas;

VI – a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho;

VII – o direcionamento do trabalhador para qualificação; e

VIII – o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS. 

Antes de mais nada trataremos de um ponto vital para o caso. O parágrafo único do artigo 1° trata da chamada “força maior” do artigo 501 da CLT. Vamos entendê-lo.

O artigo 501 da CLT prevê que entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

O Código Civil, em seu artigo 393, parágrafo único sendo que o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

A doutrina dominante cunhou a dogmática das expressões no sentido de ser a Força maior inevitável e o Caso Fortuito imprevisível. O Caso do corona conjuga as duas espécies trabalhadas na doutrina. Mas tende-se a enquadrá-la na força maior nos casos relacionados ao contrato de emprego diante da sua maior inevitabilidade.

No entanto, a força maior em hipótese alguma autoriza o corte total de salários por se tratar de um direito básico, fundamental e intimamente ligado ao mínimo existencial da pessoa, bem como à dignidade humana.

Feitas essas observações o ponto de partida para a análise passa por saber quais os direitos que podem sofrer flexibilização em momentos de crise e quais aqueles que devem se manter intocáveis. Devemos saber que a Constituição de 1988 possui fundamentos que não podem ser suprimidos, até mesmo em tempos de crise. Estes se encontram no artigo 1° da CF:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Desta forma, devemos ponderar as decisões com base na dignidade humana, nos valores sociais do trabalho e também da livre iniciativa. Isso significa que nenhum poderá se sobrepor ao outro nesse momento que vivemos essa pandemia. É preciso – e isso se transforma em um chavão – ter bom senso.

A República do Brasil possui objetivos e estes se reforçam ainda mais em tempos de crise. O artigo 3° da CF determina que:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O que defendemos não é o fato de que se deve perseguir esses objetivos em plena crise, mas que tanto os fundamentos quanto os objetivos devem ser o norte para se buscar o equilíbrio das ações tanto dos Governos Federal, Estadual e Municipal, quanto da iniciativa privada. Ora, se cada pessoa somente olhar para a sua individualidade, para o seu prejuízo, fatalmente o país como um todo sofrerá.

Feitas essas considerações, temos que analisar quais os direitos trabalhistas poderão sofrer (ou não) flexibilização. Para não nos alongarmos no artigo trataremos aqui da Suspensão dos Contratos de Emprego e a Medida Provisória 927/2020.

Tudo passa pela análise do salário como direito fundamental. O salário possui previsão constitucional no artigo 7°, IV, V, VI e VII que são as seguintes:

IV – salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável.

O ponto que nos interessa é o inciso VI. A Constituição permite a redução salarial. Isso significa que é possível que, por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho seja pactuada uma redução salarial. O que a Constituição não permite é a ausência do pagamento do salário.

Diante desse quadro, a MP 927/2020 trouxe a seguinte previsão:

Art. 2º  Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

Entendemos que essa norma, embora pareça benéfica para o trabalhador para o contexto que se encontra ela vai na contramão de movimentos históricos do próprio direito do trabalho. Essa norma deve ser sopesada com a gravidade da situação que vivemos, mas repetimos que ela viola a própria Constituição principalmente no ponto em que diz prevalecer os acordos individuais sobre os coletivos. Entendemos que caso exista um acordo coletivo ou convenção coletiva mais benéfico para o trabalhador, o acordo individual não deverá prevalecer. Até porque a própria norma ressalva que o acordo individual deve ser balizado pelos limites constitucionais. O acordo individual também não poderá ser utilizado para a redução dos salários tendo em vista a exigência constitucional da participação dos sindicatos para que se efetue tal redução.

No tocante a esse ponto, o capítulo VIII da MP 927/2020 trata do Direcionamento do Trabalhador para Qualificação. Iremos tratar desse ponto aqui pelo fato de estar intimamente ligado ao salário.

O artigo 18 da MP 927/2020 prevê que durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o contrato de trabalho poderá ser suspenso, pelo prazo de até quatro meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional não presencial oferecido pelo empregador, diretamente ou por meio de entidades responsáveis pela qualificação, com duração equivalente à suspensão contratual.

Essa previsão é bastante similar àquela contida no artigo 476-A da CLT. É uma possibilidade extremamente útil, tendo em vista que sempre é possível aprimorar os conhecimentos nas áreas do trabalho ao qual o empregado desenvolve.

O § 1º do artigo 18 determina que a suspensão de que trata o caput: I – não dependerá de acordo ou convenção coletiva; II – poderá ser acordada individualmente com o empregado ou o grupo de empregados; e III – será registrada em carteira de trabalho física ou eletrônica.

São formalidades que não precisam de efetuação imediata e não acarretará em nulidade ou invalidade da medida. Tais formalidades poderão ser regularizadas posteriormente ao momento do acordo. Esse acordo poderá ser feito por meio de whatsapp, e-mail, e posteriormente reduzido a termo. Defendemos isso pelo necessário isolamento pelo qual as pessoas devem passar.

O §2º determina que o empregador poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual nos termos do disposto no caput, com valor definido livremente entre empregado e empregador, via negociação individual. Já o §3º  prevê que durante o período de suspensão contratual para participação em curso ou programa de qualificação profissional, o empregado fará jus aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador, que não integrarão o contrato de trabalho.

Esse ponto é delicado. Entendemos que nem todos os empregadores terão condição financeira para conceder a ajuda financeira ao empregado. A natureza indenizatória atende, para o momento emergencial, um fim louvável. Desonera a folha de pagamento do empregador, e não desampara o empregado. Mas, e nos casos em que o empregador não tem condição de manter o empregado em casa por quatro meses, o que fazer? Nesse ponto deveria o Governo Federal subsidiar a bolsa do empregado. No entanto, o Governo se mostra totalmente contrário aos trabalhadores, o §5° previu a exclusão da bolsa do artigo 476-A da CLT:

5º  Não haverá concessão de bolsa-qualificação no âmbito da suspensão de contrato de trabalho para qualificação do trabalhador de que trata este artigo e o art. 476-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.

Essa Bolsa de Qualificação Profissional é o benefício instituído pela Medida Provisória n.º 2.164-41, de 24 de agosto de 2001 (vigente em consonância com o art. 2º da emenda constitucional n.º 32 de 11 de setembro de 2001). É uma política ativa destinada a subvencionar os trabalhadores, com contrato de trabalho suspenso, em conformidade com o disposto em convenção ou acordo coletivo de trabalho, devidamente matriculado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador.

A possibilidade de uso do benefício Seguro-Desemprego como Bolsa Qualificação Profissional para trabalhadores com contrato de trabalho suspenso é uma medida que surge como alternativa à demissão do trabalhador formal, em momentos de retração da atividade econômica que, por razões conjunturais associadas ao ambiente macroeconômico ou motivações cíclicas e estruturais, causam impactos inevitáveis ao mercado de trabalho.

A solicitação do benefício de SD – modalidade Bolsa Qualificação, pressupõe ações anteriores à solicitação do benefício pelo trabalhador. Essas ações anteriores seriam as previstas no artigo 476-A da CLT, de redação semelhante ao artigo 18 da MP 927/2020. No entanto, por puro capricho governamental, foi excluída a possibilidade da utilização desta bolsa.

O que se criou com o artigo 18 da MP 927/2020 foi uma falsa impressão de que o Governo pretendeu dar medidas para impedir a demissão em massa, mas na realidade, o que ocorreu foi o fomento às demissões. Como pequenos e médios empresários irão subsistir fornecendo quatro meses de bolsas para seus empregados? Nessa hipótese, como a lei não os obriga a tal desiderato certamente irão optar por não fazê-lo. E a pergunta final, como empregados irão se sustentar sem quatro meses de salário? Cremos que o Governo tem uma capacidade para amadorismo sem precedentes. A solução para tal caso é a inconstitucionalidade deste parágrafo devendo ser aplicada a bolsa qualificação custeada pelo FAT. É absurdo pensar que se está resguardando a economia do país sem pensar minimamente na base que o constitui. A economia se movimenta em grande parte pelos assalariados. Ademais, quatro meses sem o mínimo existencial será o suficiente para levar o país ao caos muito maior do que esse que enfrentamos. O Brasil é o país que se monopoliza o lucro e se socializa as perdas. Quiçá um dia teremos um governo à altura do cargo e do país.

Por derradeiro, o § 4º prevê que nas hipóteses de, durante a suspensão do contrato, o curso ou programa de qualificação profissional não ser ministrado ou o empregado permanecer trabalhando para o empregador, a suspensão ficará descaracterizada e sujeitará o empregador: I – ao pagamento imediato dos salários e dos encargos sociais referentes ao período;  II – às penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor; e III – às sanções previstas em acordo ou convenção coletiva.

ÓTICA ECONÔMICA

Tendo sido apresentada anteriormente a ótica jurídica em sua totalidade, partamos então para o aspecto dos incentivos, da economia.

Diante de todos os pacotes até então apresentados com o objetivo de aliviar a crise pela qual acabamos de começar a passar – do Ministério da Economia (R$147,3 bi), do BNDES (R$55 bi) e do Banco Central (R$1,26 tri) -, temos que nestes há não apenas injeção de crédito em termos mais amplos como também o oferecimento de capital de giro para micro, pequenas e médias empresas (que são as que mais empregam no país).

A partir do momento em que se busca um conjunto de ideias para manutenção de empregos, é importante que se pense realmente que em um momento de forte redução de receitas como boa parte da economia agora passa e seguirá passando, parte da manutenção de suas atividades depende essencialmente da redução de seus custos e despesas (dentre eles, é claro, os salários pagos aos colaboradores). Deste modo, a Medida Provisória busca atingir essa questão sem que seja necessário que os empregadores precisem realizar demissões, a partir do momento em que, por até quatro meses, possam deixar de pagar os salários sem que os contratos sejam rescindidos.

Porém, há pontos de questionamento sobre esse objetivo que parece tão simples e direto:

  • Havendo possibilidade de utilizar recursos diretamente desses meios de crédito oferecidos, qual o problema em se incentivar que sejam utilizados para o pagamento de salários durante esse período? Esse ponto é importante porque, especificamente no caso do BNDES, os R$5 bilhões oferecidos especificamente para micro, pequenas e médias empresas terão carência de 24 meses e prazo para pagamento de até 60 meses (seria realmente impossível diluir os quatro ou mais meses de salário nesse prazo maior?);
  • Quem emprega e está na linha de frente da geração de empregos, mesmo em uma época tão incerta quanto essa em que vivemos, tem consciência de quando um movimento de eventual redução é passageiro ou é definitivo. Sentindo que realmente não haverá possibilidade de continuar com sua atual equipe dadas as circunstâncias de redução das atividades, a opção mais prudente acaba sendo pela demissão do que por “suspender os pagamentos de salários por quatro meses”. Repito, para não ficar fora de contexto: observando que essa redução é considerável e permanente ao menos com as informações que se têm até o momento;
  • Abre-se uma enorme brecha de discussão na justiça trabalhista futuramente caso essa medida venha a ser colocada em prática pois, como apresentado na fundamentação jurídica que compõe a primeira parte deste artigo, a CLT de fato não permite que salários deixem simplesmente de ser pagos (uma vez que existem outras medidas a serem tomadas diante de momentos de fortes crises como a que estamos por enfrentar). Em termos práticos: mesmo quem eventualmente fizesse esse tipo de acordo com seus colaboradores na melhor das intenções, por estar fazendo isso com base em um meio jurídico que contraria a própria CLT, teria um risco não desprezível de, mais adiante, ser algo de um questionamento em juízo por tê-lo feito;
  • Essa brecha aberta é perigosa porque, mesmo levando em consideração a situação extraordinária em que nos encontramos, poderia servir de justificativa para, futuramente, virar pedido de alívio para setores tradicionalmente conhecidos por pedirem esse tipo de favores. Mais diretamente: já parou para pensar que toda vez que a ANFAVEA observasse dificuldade no mercado de venda de veículos ela poderia tranquilamente chegar ao poder Executivo e pleitear a mesma coisa? Por mais absurdo que isso pareça a curto prazo, é exatamente o que aconteceu na época da ampla política de desonerações em folha salarial a diversos setores, que além de resultar em redução da arrecadação tributária também teve, segundo estudos realizados, efeito nulo sobre a geração de empregos.

Novamente, não pretende-se com este artigo levantar que nada seja feito diante de uma crise sem precedentes como essa que estamos por encarar. Porém, diante dos racionais jurídico e econômico, é preciso que medidas façam sentido não apenas para reduzir os custos trabalhistas como também, em termos amplos, permitir que a economia siga da maneira mais estável possível. No fim das contas a suspensão de pagamento de salários não só daria a ilusão de que os custos seriam suportáveis (ainda que pelo tempo máximo de quatro meses) como também deixaria em situação pior os trabalhadores.

Indicamos fortemente que os recursos adicionais apresentados neste momento com essa função – ressaltamos novamente os R$5 bilhões para micro, pequenas e médias empresas oferecidos pelo BNDES com carência de 24 meses e prazo para pagamento de 60 meses, sem justificativa real de uso – sejam utilizados.

Infelizmente em um momento como o que nos encontramos não existem respostas fáceis nem saídas tão simples. Mas, certamente, simplismo agora pode sair muito caro, mesmo que a primeira vista pareça se tratar de algo simples e direto. É preciso sempre lembrar que existem aos borbotões no Brasil as ideias simples, diretas, fáceis e absolutamente ineficientes e ineficazes. Esta, que está em vias de fato de ser derrubada, certamente é uma delas.

Caio Augusto, Editor do Terraço Econômico

Carlos Henrique Boletti, Advogado Especialista em Direito do Trabalho OAB/SP 382.534. 

 

Publicado no Terraço Econômico em 23/03/2020