PREVIDÊNCIA APROVADA no Terraço em Quinze Minutos #135

Nesta edição, Victor Candido acompanha Caio Augusto e Rachel de Sá respondendo às perguntas dos ouvintes: Ulisses Ferreira: qual a melhor forma de explicar os desafios fiscais enfrentados pelo Brasil? Guilherme Souza: após as reformas da Previdência e tributária, quais as próximas medidas a serem tomadas? Vinícius Santos: as ondas de manifestações na América do Sul demonstram uma falha na tentativa de implementar políticas econômicas liberais?

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ENFIM, TEMOS UMA NOVA PREVIDÊNCIA!

Projetos para reformar a previdência são apresentados desde os anos 1990. Sempre com oposição ferrenha e discussão sobre as perdas que envolveria – apesar dos dados mostrarem uma necessidade cada vez maior. Fernando Henrique Cardoso tentou, mas não conseguiu por um voto contrário (o clássico erro de Kandir). Luiz Inácio Lula da Silva avançou na parte dos servidores públicos, mas não alcançou idade mínima. Dilma Vana Rousseff tentou, mas seu próprio partido a impediu. Michel Miguel Elias Temer Lulia teve uma pedra no meio do caminho (ou, para quem preferir, só chamar de Joesley Batista mesmo). Jair Messias Bolsonaro chegou lá.

Não se trata de um processo fácil e, com o perdão da repetição, não é difícil entender o motivo. Há muitas décadas, faz parte do ideário do brasileiro médio o ciclo “estudar, começar a trabalhar e em seguida se aposentar”. Atire a primeira pedra quem nunca pensou dentro deste esquema ou ouviu recomendação de proceder justamente desta maneira. Possivelmente este aspecto é cultural também em outros países, mas, no Brasil, parece estar ainda mais arraigado.

A necessidade de se fazer uma reforma deste sistema se dá, para além de todo e qualquer dado que possa ser apresentado, por um fator fundamental: ele funciona com base em transferências solidárias (quem está trabalhando contribui para quem já se aposentou) e, fato demograficamente comprovável, temos o número de contribuintes se reduzindo ao mesmo tempo em que aqueles que recebem o benefício aumentam em quantidade. Analogamente à pirâmide demográfica brasileira, podemos comparar nosso sistema previdenciário também a uma pirâmide que se inverte a cada ano.

Há uma má notícia referente a esta reforma recentemente aprovada: o sistema de pirâmide a caminho do colapso segue adiante. Não tivemos, apesar do esforço hercúleo envolvido nestes dez meses de governo, a chance de colocar nesta emenda constitucional sequer a possibilidade de discutir a capitalização (regime em que cada pessoa contribui para a própria aposentadoria), independente de como ela pudesse funcionar (apenas com contribuições próprias, com complemento do governo, com participação das empresas, etc).

Outra má notícia envolve um grupo delas, na verdade. Algumas das diferenciações que existiam anteriormente permanecerão. Professores, policiais federais e legislativos estão em grupos que poderão se aposentar mais cedo. Possivelmente não porque seriam mais afetados por essa reforma, mas porque têm grupos de interesse organizados que conseguiram manter esses benefícios.

Para além dessas duas grandes más notícias, temos uma regular e outras duas boas.

A notícia regular é que, por enquanto (boa parte dos próximos dez anos), haverá certo alívio fiscal ao governo. Sim, é isso mesmo, essa reforma apesar de necessária, não será suficiente. Trata-se de um passo importante e relevante, mas sinaliza apenas que o governo não quebrará agora, está longe de ser a salvação da lavoura. Precisamos seguir reformando, principalmente o lado fiscal e o ambiente de negócios.

As duas notícias boas: em primeiro lugar, a redução de gastos se dá em uma base de R$800 bilhões para os próximos dez anos (e esses R$800 bilhões por ano farão diferença neste fôlego fiscal); em segundo e, pode-se observar, ainda mais relevante, temos que finalmente foi possível aprovar uma idade mínima para a aposentadoria no país, igualando (exceto pelas profissões que conseguiram fazer valer seus lobbies) os servidores públicos e privados. A partir de agora, caso você não se encaixe em nenhuma das regras de transição, poderá se aposentar a partir dos 65 anos de idade se for homem e 62 anos se for mulher.

Economia de R$800 bilhões (que na realidade, como Marcos Lisboa apresenta nesta palestra, é uma redução de gastos nesse montante) é fator relevante porque, em comparação com todos os outros projetos, é o que mais tem efeito de alívio fiscal. O projeto de Temer, por exemplo não chegaria a R$600 bilhões de redução de desembolsos para uma década – e, não é preciso nem lembrar já que não teve sua aprovação realizada.

Em relação a idade mínima, o grande ponto importante é que, se por um lado o sistema continua como está, por outro, finalmente foi possível inserir uma barreira mínima à entrada de maneira menos desigual. Por “menos desigual”, entenda que, até agora, quem se aposentava por tempo de contribuição o fazia muito antes de quem alcançava o benefício por idade – e, para inverter ainda mais a conta, geralmente os que se aposentam por tempo de contribuição têm benefícios superiores aos que se aposentam por idade. Na prática, isso significa que, até essa mudança que acaba de ser aprovada, os ⅔ de brasileiros que se aposentam com o salário mínimo e nas proximidades dos 65 anos contribuem ativamente para o ⅓ que se aposenta até dez anos antes. Segundo dados de 2018, os mais pobres no Brasil se aposentam seis anos mais tarde e recebem 50% a menos do que os mais ricos.

Apesar dos pesares, a aprovação da reforma da previdência que vemos agora é um fato histórico. Sim, ainda há muito a se corrigir e direcionar para que o país de fato melhore, mas o caminho pavimentado pelas reformas fica mais suave para que tenhamos um futuro mais sustentável.

Ganha, enfim, o Brasil. Sigamos no esforço das reformas que virão mas, no dia de hoje, comemoremos que este caminho positivo definitivamente está iniciado.

 

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 24/10/2019

REFORMA DA PREVIDÊNCIA APROVADA

Após oito meses em tramitação, duas votações na Câmara dos Deputados com resultado surpreendentemente elevado e um primeiro turno no Senado também positivo, tivemos no dia de hoje a aprovação em segundo turno nesta última casa legislativapor 60 votos favoráveis e 19 contrários.

Após idas e vindas da proposta, teremos uma economia que gira em torno dos R$800 bilhões para os próximos dez anos e, fato inédito, foi estabelecida oficialmente uma idade mínima para aposentadoria.

Lembramos aqui que este projeto não foi apenas defendido pelo atual Presidente da República, mas também por todos os seus antecessores desde Fernando Henrique Cardoso. Assim sendo, trata-se de uma questão que estava aguardando encaminhamento há pelo menos duas décadas e portanto, um assunto mais de Estado do que de Governo.

Importante notar também que o alívio fiscal promovido servirá para que o governo não quebre nos próximos anos, ou seja, ainda serão necessárias mais reformas que possam redirecionar o lado fiscal. Além disso, o sistema permanece como está: baseado em transferências solidárias (dos trabalhadores ativos para os aposentados). Será que esse sistema é sustentável?

Apesar dos pesares – e dos destaques ainda em discussão -, vitória do Brasil, que equaliza suas normas previdenciárias dando o maior passo nesse aspecto desde os anos 1990.

Sigamos adiante com as mudanças que ainda precisam ser feitas. Por hoje, importante celebrar um avanço institucional enorme e um primeiro passo para reduzir as discrepâncias de tratamento de alguns grupos privilegiados.

 

Nota publicada na página do Terraço Econômico no Facebook em 22/10/2019

Deve o presidente do Banco Central ceder a pressões de curto prazo?

Junho de 2018. Situação externa sinalizando que não iria ser um caminho fácil para os emergentes, com delicados pontos de instabilidade especialmente na Argentina e na Turquia. Questões internas embaralhando os cenários, já que não se sabia quem teria cacife para levar a cadeira presidencial brasileira, por mais que talvez se previsse ser alguém da centro-direita que tivesse possibilidade de tocar reformas necessárias desde o início da década.

Eis então que, diante de uma relevante disparada no dólar, subiam as pressões de diversos lados do mercado para que se o juro fosse elevado para de conter tal disparada.

Neste momento, Ilan Goldfajn deu seu maior demonstrativo de que sabia exatamente o que estava fazendo. Em pronunciamento logo no dia 07 daquele mês, deixou claro que não iria se utilizar de mecanismos como o juro para tratar de uma questão cambial. Não adiantava tentar frear aquela tendência com essa ferramenta, pois a fonte do risco era outra.

Dentre outros mecanismos, a política monetária se utiliza da movimentação dos juros, em reuniões a cada 45 dias no Comitê de Política Monetária (COPOM); já a política cambial se baseia em mecanismos de utilização de reservas e realização de swaps. O juro afeta sim o fluxo de investimento estrangeiro na economia, que tem impacto determinante no dólar, mas não é o único determinante e pode não ser o mais relevante.

Cabe lembrar que no Brasil, a função do Banco Central é a de vigiar a estrutura financeira objetivando a estabilidade dos rumos da moeda (e não outros aspectos como o crescimento da economia ou o desemprego, mas que obviamente não passam despercebido por influenciar a inflação). Ou, mais diretamente, focar suas observações em relação a mudanças na taxa de juros sobre as mudanças nos níveis de preços – vindo a agir preventivamente em relação a esses. Na prática, isso significa que o objetivo do nosso Bacen é de um prazo muito mais longo do que “até o final deste ano” ou mesmo “próximos dois ou três anos”. Ainda assim, o curto prazo se faz presente como pressão.

Chegamos então a 2019. Reforma da previdência está praticamente aprovada (a mais robusta de nossa história), inflação muito bem ancorada ante as expectativas para este e também para os próximos anos, sinal positivo para uma redução dos juros, conforme vem inclusive ocorrendo. Ainda que essa reforma não seja suficiente para resolver todos os problemas do lado fiscal, já promove um alívio que se verifica na redução dos juros mais longos da curva.

O Boletim Focus, que colhe as opiniões de agentes de diferentes instituições do mercado a respeito das expectativas sobre PIB, câmbio, juros e outros aspectos, mostrou dois movimentos notáveis do começo de 2019 (boletim de 11/01/2019) até agora (boletim de 14/10/2019). Em primeiro lugar, uma redução considerável nas expectativas para o crescimento do PIB neste ano: os atuais 0,87% (presentes nas últimas quatro semanas seguidas) começaram como 2,57%; em segundo, os juros começaram previstos para encerrar 2019 em 7% e agora estão em 4,75% pela segunda semana seguida. A inflação permaneceu em patamares baixos: 3,28% no relatório mais recente contra 4,01% do início deste ano.

Crescimento em baixa, inflação em níveis historicamente reduzidos. Seria o caminho para queda dos juros como nunca antes visto?

A “permissão” para que os juros possam ceder está na ancoragem de expectativas inflacionárias. Entretanto, um dos grandes aspectos que resvalam na inflação é a situação da esfera de gastos do governo. Sim, é verdade que há um certo alívio dada a aprovação da reforma previdenciária, mas não se pode esquecer que essa será capaz apenas de permitir que o governo não quebre, não que ele passe a ter fôlego. Sob essa perspectiva, ainda não há o que se comemorar em uma queda de juros dessa magnitude porque, no fim das contas, caso o fiscal não seja efetivamente direcionado, terá sido apenas uma boa miragem e não a garantia de um futuro mais afável em termos de juros no Brasil. Será necessária uma reforma administrativa (para aliviar o lado fiscal) e outra tributária – a primeira pouco se fala e a segunda tem adiamentos quase que diariamente anunciados.

Outro aspecto que tem de ser observado é o juro real: em nossa história recente não tivemos juro real tão baixo. Nas previsões atuais da Selic, é possível que o juro real fique abaixo de 1% – o que pode resultar em um baixo incentivo para alocação de capital em nosso país.

Essa combinação entre baixa atratividade de capitais internacionais e um fiscal ainda capenga faz com que o Banco Central, caso seja prudente, recomende e reforce a necessidade de ajustes, para que essa nova realidade de juros baixos não se transforme em um mero sonho de uma noite de verão. No entanto, não é a atual imagem que nossa autoridade monetária está passando.

A estabilidade da moeda, do sistema financeiro como um todo, tem mero quarto de século em nosso país. Parece ser um longo período mas, aos olhos de nossa conturbada história, é quase um piscar de olhos. Em janeiro de 2016, menos de quatro anos atrás, haviam previsões para uma Selic consistentemente em dois dígitos e uma inflação que, a continuarem as estruturas daquela época, talvez não se conseguiria mais conter. Dólar então, em patamares inimagináveis. No entanto, cá estamos nós, em outubro de 2019, vendo uma situação absolutamente diferente.

Questionamento para quem coloca em cheque a atividade do Banco Central por “estar seguindo muito devagar o que pede o mercado”: não seria adequado que a autoridade monetária cumprisse seu papel de observar o longo prazo em detrimento do que acontece na virada de poucos meses? Ou será que toda e qualquer atitude de curto prazo pode ser corrigida, pela autoridade monetária, na mesma velocidade de curto prazo que o mercado posiciona suas mudanças de expectativas?

Não se tem neste artigo um pedido para que os juros parem de ceder. Ainda há muitas maravilhas não precificadas dessa queda nunca antes vista. O que se pede aqui é prudência. Ser curto-prazista por mero otimismo não condiz com a execução da política monetária de maneira séria e responsável.

Há bastante ciência que hiato do produto é grande e que há espaço para novos estímulos, leia-se juro real abaixo do juro neutro, por mais tempo. A inflação está abaixo da meta para este e para o próximo ano, mas parece que algumas casas estão “pesando a mão” em alguns números para juros, ventilando números tão baixos que realmente levanta a dúvida se estão modelando ou não.

Roberto Campos Neto, seja mais como Ilan Goldfajn e foque em sua função como líder da autoridade monetária brasileira. Ou então aguarde os rumos de uma “correção necessária”. A credibilidade demora anos para se ganhar (lembremo-nos do Tombini ano a ano dizendo que chegaríamos ao centro da meta de inflação com esta estando em seu teto), mas em poucas atitudes pode ser perdida.

 

Publicado no Terraço Econômico em 21/10/2019

VOLTANDO AOS TRABALHOS no Terraço em Quinze Minutos #134

Nesta edição, Victor Candido acompanha Caio Augusto e Paulo André com os seguintes temas: NOBEL 2019: Economia experimental é a área premiada com Michael Kremer, Abhijit Banerjee, Esther Duflo DÓLAR FUGINDO: nona semana consecutiva da moeda americana no Brasil DESEMPREGO INVOLUNTÁRIO ZERO: político brasileiro propõe medida para garantir empregos na canetada

 

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BREXIT: AGORA VAI?

A trajetória do Brexit é cheia de idas e vindas, mas pode ser definida por alguns pontos altos. Referendo em junho de 2016 mostra a aprovação popular a esse movimento, então cai o primeiro-ministro David Cameron, conciliador que afirmou que o faria caso a resposta do povo fosse pela saída do Reino Unido. Entra Theresa May, obstinada com a questão – e sai três anos depois em discurso emocionado após não conseguir. A vez atual é de Boris Johnson, que também bastante focado na questão, conseguiu finalmente um acordo com a União Europeia.

Desde julho de 2016 até os dias atuais, a vontade popular expressada no plebiscito segue em suspensão. O desejo do Reino Unido de deixar a União Europeia reflete um mundo em que o pêndulo histórico está mais direcionado ao nacionalismo do que à globalização – possivelmente é o momento mais avesso a integração entre países desde 1989 com a queda do muro de Berlim.

O que se tem a apresentar em relação ao acordo de Boris e Juncker é que ele colocará Reino Unido e União Europeia em um período de transição em que as regras ainda valerão e que, logo após ele, o primeiro grupo poderá partir para acordos comerciais com outras nações. O que parece simples, no fundo envolve diversos acordos que ainda precisam ser feitos em um espaço curto de tempo.

O acordo recentemente alcançado tem um grande pró e um grande contra. Sua maior vantagem é ser, segundo as duas partes, positivo: foi chamado de “ótimo novo acordo” por Johnson e “justo e equilibrado” por Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. No lado vazio do copo: ainda há a necessidade de aprovação pelos dois parlamentos e o prazo para isso, caso não venha a ser prorrogado, é o dia 31 de outubro deste ano (dez dias após a publicação deste texto).

Você que acompanha esta história quase sem fim deve ter pensado ao ler o parágrafo anterior que “não é possível que exista apenas esse ponto contrário”. E você está certo: outros dois complicados pontos são o chamado backstop da Irlanda do Norte e o possível “referendo confirmatório” que pode ser apoiado pelo Partido Trabalhista.

Sobre o primeiro ponto, o chamado backstop é uma legislação negociada por Theresa May que evita conflitos futuros e funciona da seguinte maneira: a Irlanda, diferentemente da Irlanda do Norte, não é considerada parte do Reino Unido apesar de fazer parte da União Europeia e, caso o Brexit se concretize, ela ficará de certa maneira isolada e terá barreiras físicas (comerciais e de movimentação) em suas divisas. A ideia desse backstop é impedir que essa barreira física entre as duas Irlandas ocorra – dado o histórico de divisão entre as duas e o conflito possível que isso poderia reacender.

Já o segundo ponto é mais sutil, mas, em se tratando dessa questão já em aberto desde o meio de 2016, não dá para ser descartado: o Partido Trabalhista tem ouvido eleitores sobre a necessidade de um segundo referendo, a fim de confirmar uma vez mais a vontade do povo do Reino Unido sobre a saída da União Europeia. Não é difícil imaginar que o imbróglio seria ampliado caso essa ideia passe a ser uma realidade – talvez não um “recomeçar do processo”, mas, certamente, mais um adiamento de decisão.

Como já comentamos, ainda que não venha a acontecer, o Brexit já mostra como situações complexas em termos de relações comerciais e migrações serão tratadas pelo mundo daqui em diante. A integração sonhada nos anos 1990 parece estar se dissipando em meio a interesses nacionalistas. O “vamos nos conectar uns com os outros” tem começado a perder espaço para o “precisamos defender os interesses dos que fazem suas vidas em nossa região”. Não se tratam de interesses ilegítimos – até porque são desejos confirmados em pleitos ao redor do globo -, mas certamente vão mudar a cara do mundo como o conhecemos.

recomendação tanto da União Europeia quanto do Reino Unido é de que os parlamentares das duas partes aprovem o acordo alcançado. E, considerando o cenário nebuloso, desconhecido e arriscado de um Brexit sem acordo, é salutar que as partes se entendam mesmo, a fim de evitar o prolongamento dessa cicatriz que, cá pra nós, não voltará ao estado anterior mesmo que se desista de vez do processo todo.

Mas não se engane: tal qual todo o imbróglio observado até agora, não teremos uma saída que envolva menos do que um complexo jogo de xadrez. Enxadristas diferentes já estão jogando há mais de três anos. Seria agora o momento de finalmente declarar que o jogo está próximo do fim?

 

Artigo publicado no Blog da Guide Investimentos em 21/10/2019

Corte na multa do FGTS: uma boa ideia!

Em 2017 tivemos uma bela notícia a respeito do FGTS durante o governo Temer: os saldos de contas inativas ficariam disponíveis para saque, o que poderia aliviar as dívidas dos brasileiros em um momento difícil. Nossa sugestão foi que todo esse estoque fosse sacado.

Poucos meses atrás, em 2019, uma inicialmente animadora e no final das contas meio decepcionante notícia envolveu o FGTS novamente: uma nova possibilidade para saques de contas inativas, agora com o limite de R$500,00 por cada uma. Mais uma vez, agora com algumas ideias a mais, sugerimos tirar todo o recurso possível de lá.

Agora, uma nova medida anima em relação ao FGTS: o governo colocará em pauta uma Medida Provisória para excluir a necessidade do pagamento de 10% da multa sobre o saldo do FGTS em caso de demissão sem justa causa – os mesmos 10% que ficavam “de graça” para ele.

Hoje, na prática, funciona da seguinte maneira: quando há uma demissão sem justa causa, dentro dos valores a serem pagos ao funcionário que está sendo demitido, há uma multa de 50% sobre o saldo acumulado de FGTS deste na conta daquele emprego. Porém, a parte curiosa disso é que apenas 40% dessa multa chegam ao trabalhador, porque os outros 10% ficam para o governo – vão para a conta única do Tesouro Nacional e então remetidas ao FGTS.

Essa medida é positiva porque reduzindo o custo de demitir, acaba por reduzir-se indiretamente o custo de contratação, o que servirá, no fim das contas, de incentivo maior a contratação. Repare que não se fala aqui em “mudança que vai reduzir drasticamente o desemprego”, mas sim de um incentivo positivo a novas contratações.

Em termos numéricos, imagine a seguinte situação: o funcionário trabalhou na empresa por dez anos mas agora já não é mais possível tê-lo como colaborador por qualquer que seja o motivo, então a empresa decide mandá-lo embora; fazendo uma conta baixa, caso o salário médio de registro dele fosse de R$2.000,00 em todo esse período, a cada mês ele acumulou R$160,00 e, com os 3% de rendimento anuais do FGTS, terá acumulado um saldo de R$22.357,78; sobre esse saldo, hoje são adicionados 50% (R$11.178,89), dos quais 10% (R$2.235,78) ficam para o governo em uma conta que ele nem utiliza (apenas serve para aumentar o limite de gastos discricionários).

Aqui utilizamos o exemplo de uma demissão. Imagine empresas que têm uma rotatividade maior de funcionários, ou mesmo que estão passando por um momento de grande saída por contenção de custos ou mesmo troca por novos colaboradores. Esses 10% – que, não custa lembrar, nem vão ao trabalhador – fazem diferença para as empresas.

O efeito fiscal da medida está sendo em R$6,1 bilhões de reais. Isso pressiona o teto de gastos em uma época em que se estudam maneiras para sairmos sustentavelmente de uma sequência de déficits. Porém, dado o efeito positivo que será gerado ao reduzir um custo das empresas e ainda incentivar, mesmo que indiretamente, que sejam contratadas mais pessoas, não se pode dizer que a ideia de abrir mão dessa receita nesse formato seja má ideia.

Afinal de contas, é melhor abrir mão de uma parte do orçamento que basicamente não se usa sem que isso prejudique o trabalhador ou as empresas do que, como feito outrora, conceder enormes isenções sobre a folha de pagamentos a alguns setores, ver com isso uma vertiginosa queda de receita e não observar um aumento sensível do emprego desta forma. Ou, mais diretamente: podemos arcar mais facilmente com R$6,1 bilhões do que com as centenas de bilhões de subsídios que serviram apenas como transferência de renda dos mais pobres aos mais ricos.

 

Publicado no Terraço Econômico em 16/10/2019

QUEM QUER SER PROFESSOR NO BRASIL?

Professor é daqueles profissionais cuja responsabilidade transcende muito o cargo. Eles participam da formação humana e profissional de todas as pessoas – afinal, mesmo no homeschooling há a figura do professor. Ainda assim, apesar de sua notável importância, temos nessa profissão um atual desprestígio.

Dois dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2019 mostram a realidade complicada em que nos encontramos: 37,8% dos professores dos últimos anos do ensino fundamental não têm formação na área (29,2% dos docentes do ensino médio repetem a marca) e, em relação a salários, professores da educação básica recebem um salário que corresponde a menos de 70% daqueles do ensino superior (e cerca de 50% em relação aos profissionais das áreas de exatas e da saúde).

Tal desincentivo tem um resultado prático: segundo pesquisa da OCDE divulgada no ano passado, apenas 2,4% dos jovens brasileiros pretendem ser professores; pesquisa também do ano passado do Movimento Todos Pela Educação mostra ainda que 49% dos professores não recomendam a profissão devido aos baixos salários e a falta de atenção da área no país.

Assim como em qualquer campo profissional, a questão não se resume meramente ao salário. Se assim o fosse, bastaria aumentar sensivelmente os salários e teríamos uma educação em níveis muito mais adequados. O todo mostra um quadro muito mais amplo de itens a serem melhorados.

Se há um lado positivo em estarmos em péssima colocação em algo é o fato de que há países que, opostos a isso, estão em condições muito satisfatórias. Um desses países é Singapura, país que saltou entre ter a maioria de habitantes analfabetos para o topo das avaliações mundiais quando o assunto é a educação. Em entrevista ao Roda Viva poucos anos atrás, um dos responsáveis por essa mudança no país asiático elencou as duas maiores características capazes de gerar mudanças reais: a qualidade dos professores e a qualidade do líder da escola.

Não se trata de um caminho fácil a reversão do cenário desanimador de educação no Brasil. Isso decorre de dois fatores ásperos, mas tristemente presentes: a terceirização do papel de educadores das famílias para as escolas e o curto-prazismo de grandes planos de mudança.

Sobre o primeiro ponto, temos que se a escola existe para a instrução e mal consegue lograr êxito nessa árdua missão, imagine quando passa a ser também demandada em termos de direcionamentos amplos que anteriormente eram apresentados em âmbito familiar – como o respeito a quem está liderando um grupo, por exemplo.

Em relação ao segundo, temos em nosso país uma miríade de “planos de futuro” que mudam no espaço de tempo de um governante para outro. Educação é algo que se discute em termos de uma geração – 20, 30 anos -, não de uma metade de década quando muito. A ausência de um plano real de avanço (que foque mais em aspectos que vão realmente impactar a vida das pessoas, não a caprichos políticos de quem quer que seja) impacta diretamente nos resultados lamentáveis que temos. O Pisa, que é referência mundial nessa avaliação e verifica a situação de 70 países, mostra que somos o 59º em leitura, o 63º em ciência e o 65º em matemática.

A pergunta do título deste artigo é um questionamento sério nesta véspera de dia dos professores. O diferencial entre uma população mais educada e outra menos educada é fundamental e explica, dentre outros aspectos, a capacidade de um país de enfrentar seus problemas mais profundos e de ser mais produtivo. Assuntos como a formação dos professores e o encaminhamento como um todo da educação deveriam estar mais sujeitos aos efeitos positivos no longo prazo do que a direcionamentos curto-prazistas diversos. Apesar dos pesares, todo professor sabe do impacto que gera e do diferencial que é capaz de gerar na vida de quem é ou já foi seu aluno.

Um grande e fraterno abraço a todos esses que executam missão hercúlea neste país que, cá pra nós, apesar de colocar a pauta da educação como prioridade (até orçamentária), poderia estar fazendo muito mais pelo sistema educacional como um todo – principalmente quando falamos do longo prazo.

 

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 14/10/2019

RECADO IMPORTANTE no Terraço em Quinze Minutos #132

Nesta edição, Lucas Goldstein acompanha Caio Augusto e Rachel de Sá com os seguintes temas: Governo quer fim do monopólio da Caixa como operador do FGTS Privatizações a caminho: 119 empresas e 22 leilões até o fim do ano Privilégio de bancos para converter dólar está na mira 2 anos de Terraço em Quinze Minutos: mudanças na equipe e muito mais

 

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POR QUE É TÃO DIFÍCIL POUPAR?

Assunto dos mais ásperos, dinheiro costuma ser aquele tópico que cria rodas de conversas logo que se inicia. Talvez não quando o tópico é a faixa salarial (possível motivo de alegria), mas certamente quando tratamos dos gastos – e ainda mais quando falamos do quanto se consegue ou não poupar/investir.

Pesquisa recente do SPC Brasil em parceria com a Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas aponta que 67% dos brasileiros não conseguem poupar. Entre as justificativas para isso, 40% alegam terem uma renda muito baixa, 18% terem sido surpreendidos por algum imprevisto financeiro, 15% citaram reformas em andamento e apenas 13% admitiram o descontrole das próprias contas.

Esse tipo de pesquisa tem como base as respostas das pessoas e, no fim das contas, são esses os dados registrados. Porém, a parte áspera e que não costuma ser tratada é o fato de que nós, brasileiros, não somos educados financeiramente. Você, leitor, terá sorte se teve alguma conversa sobre orçamento e educação financeira na escola em que estudou ou mesmo com seus pais – e notará com uma simples pesquisa de opinião entre os seus que, se for esse mesmo seu caso, trata-se de exceção à regra.

A educação financeira, que parece algo recente e para “gente que tem dinheiro” na verdade é algo que considera algo muito simples, direto, mas que muitos simplesmente torcem o nariz ao lembrarem: os recursos são escassos e, como o orçamento é um recurso financeiro, ele também tem limite. Assim, esses limites forçam escolhas que precisam ser feitas ao longo do tempo. A lógica é básica, mas o entendimento pleno desse conceito ainda está bem distante.

O primeiro passo para compreender qual a real situação financeira de uma pessoa é fazer um diagnóstico para tentar entender onde ela se encontra. Ela tem dívidas? Se não as tem, pelo menos gasta menos do que ganha? Se já faz isso, tem algum dinheiro separado como reserva de emergência? Caso já tenha essa cobertura extra, como investe o dinheiro excedente a cada período?

A parte mais polêmica dessa análise vem justamente em relação aos gastos. Aparentemente, em um primeiro olhar, todas as pessoas têm certeza de que todos os desembolsos que realiza em todos os períodos fazem parte da necessidade – mesmo em se tratando de itens que não use em sua totalidade e possam ser reduzidos. Não se trata aqui daquela “técnica milenar de cortar o cafezinho e ficar rico”, mas sim de realmente observar o caminho que seu dinheiro percorre após chegar até você. Quanto tempo você pensa na satisfação que um gasto te dará? Se não pensa, saiba que não tomar uma decisão quanto a isso é tomar a decisão de, eventualmente, estar desperdiçando dinheiro.

Um hábito positivo que pode ser nutrido é o de focar na compra de ativos em vez de passivos. Essa “técnica” é descrita na clássica obra de finanças pessoais de nome Pai Rico, Pai Pobre e trata justamente de um meio interessante de alocar seus recursos ao longo do tempo. Contraintuitivamente, adquirimos mais bens que nos dão gastos (passivos) do que bens que nos trazem receitas (ativos). E isso, ao longo da vida, faz muita diferença.

O hábito de poupança do brasileiro médio poderia ser muito reforçado com uma expansão real dos meios de educação financeira. Se é possível acreditar em revolução, essa seria uma delas.

 

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 04/10/2019