O esforço não acabou: ainda precisamos seguir reformando

Para quem não gosta da ideia de reformulação e mudança, 2017 foi um ano bastante conturbado. Passamos por uma reforma trabalhista, mudanças nas taxas de juros do BNDES, além de novos direcionamentos setoriais (reduzindo privilégios existentes). Avançamos em mudanças importantes, e a melhora nos principais indicadores parece sinalizar, a menos no curto prazo, que o esforço está sendo recompensado. Porém, ainda há muito o que se fazer [1].

Recentemente, o economista e acadêmico Marcos Lisboa apresentou uma triste verdade do Brasil: “quando as coisas vão bem, a tentação volta” [2]. Em 2014, observamos uma parada imensa da economia; 2015 e 2016 foram marcados pelo péssimo desempenho econômico; apenas agora, em 2017, que começamos a observar uma lenta recuperação. Seria então hora de voltar aos velhos hábitos, porque “o esforço já foi feito”? Definitivamente não, mas é uma grande parte do que vamos ouvir nos discursos eleitorais em 2018.

Afinal, o que ainda nos falta, no mínimo, para pavimentar o caminho dos próximos anos de maneira realmente sustentável?

Reforma tributária: por afetar muitos interesses, acabou não tendo sido ainda discutida com rigor e, em ano eleitoral, será surpreendente se acabar sendo discutida. Mas é indispensável. Primeiro, dado seu enorme peso em relação à melhora do ambiente de negócios [3]: além do custo que adiciona às cadeias produtivas, onera também no quesito tempo, uma vez que são diversas as obrigações envolvidas no pagamento de tributos em nosso país. Segundo, e não menos importante, por ser uma variável essencial para a redução de distorções distributivas no país, uma vez que nosso sistema tributário é bastante regressivo (o que significa que seu foco de arrecadação se dá sobre o consumo direto de bens, não sobre renda e propriedades, o que leva ao fato de que os mais pobres pagam, proporcionalmente, mais impostos do que os mais ricos [4]).

Reforma da previdência: uma longa discussão foi levantada sobre o tema em 2017, mas diversos percalços políticos (além de uma boa dose de desinformação) não permitiram seu avanço. A despesa previdenciária segue sendo a maior dentre as que o governo executa e, independente de ideologia política, seguindo neste curso a conta ficará cada vez mais no vermelho. A cada ano que perdemos discutindo sobre sua necessidade ou não, mais sentimos os efeitos de nada fazer. O tema é bastante sensível e o ano é eleitoral, mas precisamos urgentemente discutir mudanças.

Reforma orçamentária: o teto de gastos imposto pela Emenda Constitucional 55 [5] coloca na mesa uma séria questão de priorização quanto ao uso de recursos públicos. 2017 foi um ano em que isso ficou bastante evidente: já estamos sendo obrigados a fazer escolhas  importantes, como a decisão entre aumentar ainda mais os salários de servidores do judiciário e aplicar mais recursos em áreas prioritárias como educação e saúde – o orçamento aprovado para 2018 detalha isso [6]. Agora, programas de análise de gastos públicos (inclusive anunciando cláusulas de fechamento caso não tenham alcançado suas metas) são urgentes, porque não cabe mais a demagógica e clássica frase “INSIRA AQUI A ÁREA será prioridade” sem que realmente ela assim o seja. Uma ideia a se pensar, por mais complexa que seja, seria a implementação de um chamado Orçamento Base Zero, este que partiria da análise direta dos programas em execução, um a um, para concluir se precisam de mais recursos, menos recursos ou se podem ser fechados.

Reforma política: como é costumeiro, em 2017 tivemos uma aprovação rápida, aos 47 do segundo tempo, e pouco eficaz dentro do cenário político. Correção: bastante eficaz para os que pretendem se reeleger, mas pouco eficaz para efeitos práticos de mudança – isso porque medidas como o tal Distritão e o fundo público de campanhas acabam dando mais poder ainda aos que já estão lá. Precisamos, para as próximas eleições a partir das de 2018, discutir seriamente a representatividade do voto e a questão do custo das campanhas eleitorais. Existem diversas propostas, como o voto distrital misto e o fim das reeleições, mas elas precisam ser efetivamente discutidas, ou tudo permanecerá como está.

Este breve artigo está longe de ter como objetivo apresentar o que o país precisa em completude para buscar alçar voos sustentáveis no futuro. Sabemos que a dificuldade de operacionalizar o longo prazo em um país como o Brasil é imensa, mas nosso potencial de finalmente deixar o status de “país do futuro” é ainda maior, apesar dos pesares.

O pensamento reformista não deve ser estanque, parado, conclusivo. É inimaginável pensar que uma alteração na realidade atual possa ser sustentável eternamente. Gustavo Franco, em edição de novembro de 2017 no Roda Viva [7] nos lembra dessa importante verdade: a atuação do Estado precisa ser sempre revisitada, de modo a verificar se ela segue fazendo sentido para a geração de bem-estar social ou se está gerando distorções que poderiam ser evitadas.

O texto inicia com uma má notícia para quem não gosta de reformas e termina com outra: nenhuma reforma tem efeito ad eternum. Seria fantástico se pudéssemos, de uma vez por todas, resolver todas as inconsistências com reformas imensas. Porém, na vida real, mesmo as maiores modificações demandam uma observação cautelosa ao longo do tempo – e, quando julgado necessário, uma revisão.

É difícil imaginar que a tentação do “esforço já concluído, pero no mucho” não tome as mentes dos brasileiros nas eleições de 2018. Mas é importante seguirmos alertas para o fato de que, apesar do já realizado e dos efeitos que começamos a verificar, ainda há muito a fazer para que não observemos um novo, tradicional e triste voo de galinha na economia brasileira.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

[1] O recente rebaixamento realizado pela S&P deixa isso claro em seu recado: já avançamos em alguns aspectos, mas outros (sobretudo o fiscal) precisam ainda de bastante atenção http://www.valor.com.br/politica/5255229/fazenda-sp-reconhece-acoes-do-pais-para-melhorar-condicoes-fiscais

[2]  https://www.facebook.com/RedeSustentabilidade18/videos/1633994233305588/?hc_ref=ARSQ0QvcgQCPpE5a6Eafl0JuQSmYS16BFRWMthNpH6khl3SjoM5FRswHV_DkLEyS164&pnref=story

[3] Estamos entre os dez piores países do mundo quando o assunto é o pagamento de impostos, segundo o Doing Business 2017 http://terracoeconomico.com.br/doing-business-inseguranca-juridica-e-o-desafio-do-desenvolvimento-economico-no-brasil ; por aqui, somos os campeões mundiais em termos de burocracia quando o assunto é o pagamento de impostos http://epoca.globo.com/economia/noticia/2017/09/custo-do-tempo-pesa-mais-que-o-financeiro-diz-diretora-do-banco-mundial-sobre-burocracia-brasileira.html

[4] http://www.valor.com.br/brasil/5131668/pobres-e-classe-media-pagam-mais-tributos-que-super-ricos

[5] https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/12/15/promulgada-emenda-constitucional-do-teto-de-gastos

[6] http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-12/orcamento-de-2018-e-aprovado-com-previsao-de-gastos-de-r-357-trilhoes

[7] https://www.youtube.com/watch?v=epUAnK1iLPw

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em dezembro de 2017:

– Terraço Econômico (22/01/2018): http://terracoeconomico.com.br/o-esforco-nao-acabou-ainda-precisamos-seguir-reformando

– Investing.com Brasil (22/01/2018): https://br.investing.com/analysis/o-esforco-nao-acabou-ainda-precisamos-seguir-reformando-200219335?preview_fp_admin_1234=this_is_1234

Teto de Gastos e os grupos de interesse: “se está na Constituição…”

O grande divisor de águas dos tempos de democracia moderna no Brasil é a Constituição de 1988, a famigerada Constituição Cidadã. Acabávamos de sair de um período pouco democráticol de duas décadas e o mote era então ampliar os direitos a todos. Educação, saúde, segurança e tudo mais: agora, na letra da lei, tudo deveria alcançar a todos. Uma ideia excelente que, como tanta coisa por aqui, consegue ser distorcida nos dias de hoje.

Paradoxalmente, a existência de grupos de interesse no momento da formatação da Constituição Cidadã se dá como prejudicial ao todo (por deixar o processo menos democrático) e também como fator agregador (ao permitir que, de uma maneira ou de outra, grupos que antes da Constituinte não tinham voz agora pudessem ter) [1]. Nossa jovem democracia ainda observa efeitos positivos e negativos dessa atuação.

Recentemente tivemos a aprovação da Emenda Constitucional 55 (a do Teto de Gastos), esta cujos efeitos ainda não foram bem percebidos, mas o filme já tem seus minutos iniciais de exibição: diversos grupos de interesse bradam, diante da restrição orçamentária imposta, que todos os direitos pré-estabelecidos devem continuar. Não se trata de negar direitos estabelecidos, mas de analisar melhor as escolhas feitas; é no mínimo curioso o que “direito” tem se transformado por aqui, um país tão carente de investimento em algumas áreas e tão exemplar em abundância de outras.

Em nome da frase pronta “está na Constituição”, alguns grupos de interesse já tem se movimentado para assegurar que, como diriam os mais antigos, “se a farinha é pouca, meu pirão vem primeiro”.

Um caso emblemático é o da Associação de Juízes Federais que, em dezembro de 2017, levantou a bandeira de um reajuste no auxílio moradia de seus representados [2]. Se por um lado temos novamente o fator “estar na Constituição”, por outro, é de se parar ao menos cinco minutos para pensar: será mesmo que um profissional com salário de pelo menos vinte mil reais (já líquidos de impostos e contribuições) precisa de um auxílio como esses?

Não se trata aqui de apontar o que seria correto ou não estar na Constituição como direito, até porque, para propor alterações, o mais correto seria concorrer a um cargo legislativo ou incentivar algum parlamentar a colocar em pauta algum projeto do tipo.

Entretanto, diante de um orçamento que é formado por recursos de todos e que, por uma questão lógica e também legal é limitado ano a ano, como sociedade deveríamos mesmo questionar o encaminhamento destes recursos [3].

Desde o encaminhamento inicial do projeto de Teto dos Gastos tem-se como intensa a discussão sobre o que viria a ocorrer com essa imposição. Parlamentares que foram contrários a sua aprovação apontavam que áreas primordiais sofreriam com isso – mas “esqueceram-se” de levantar que isso não ocorreria necessariamente por falta de recursos, mas pelo direcionamento realizado pelo Congresso Nacional.

Cristovam Buarque, em uma quase aula-magna ao final de 2016, acerta em cheio a questão: com a aprovação deste teto constitucional de gastos, não há mais espaço para bradar aos cidadãos que todo e qualquer tópico é prioridade [4]. A demagogia de elencar todos os assuntos possíveis como sendo prioridades teria um fim. E este fim, caso ainda não esteja claro, muito em breve ficará.

Este fim pode vir a ser triste ou como um aprendizado. No primeiro caso, os que sempre tiveram o direcionamento do poder e dos recursos continuarão tendo, em nome dos direitos já estabelecidos (mesmo que, em uma análise rápida, eles não façam tanto sentido assim). No segundo caso, aprenderemos em termos de orçamento público o que o orçamento privado já conhece [5]: direcionar mais para uma área vai resultar em menos possibilidade para outras [6].

Este artigo não é uma defesa do corte de recursos para uma área ou outra, simplesmente, mas sim de uma reflexão que, caso ainda não esteja, certamente estará na mente da maioria dos brasileiros nos próximos anos. Em nosso país o problema está longe de ser a falta de recursos: a questão mais grave é relacionada a uma recorrente má alocação destes.

Isso significa que teremos de recorrer a uma mudança em direitos já adquiridos [7] ? Talvez sim. Qual o custo de não fazer isso? A conta seguir não fechando – e quem já estiver perdendo hoje ficar em uma carência de recursos cada vez maior.

Se sua opinião for a de que nada devemos fazer e que o cenário aqui descrito é de tão longo prazo que não valha a pena discutir isso agora, dê uma olhada no que está acontecendo na esfera pública do Rio de Janeiro. Apenas um exemplo para fazer pensar: em novembro de 2017, enquanto mais de 220 mil servidores públicos estavam com salários atrasados, o Tribunal de Justiça de lá já havia depositado o “auxílio-peru” de seus membros [8].

Estar na letra da lei é suficiente para que alocações um tanto quanto surreais venham a ocorrer? Nenhum direito estabelecido deveria ser discutido para permitir que quem precise mesmo do acesso a uma ação governamental possa receber tal amparo? Se sua resposta for sim para a primeira pergunta e não para a segunda, poupe a todos nós de reclamações em um futuro (bastante próximo) em que os menos favorecidos tenham cada vez menos provimento do Estado, pois não tomar atitudes, neste caso, é o mesmo que tomar uma péssima atitude.

 

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

 

[1] http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Aurora/CARVALHO.pdf

[2] http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/sem-auxilio-moradia-vamos-chegar-a-60-de-defasagem-afirma-juiz/

[3] http://terracoeconomico.com.br/teto-dos-gastos-e-escolha-social-do-brasil-do-futuro

[4] http://braziljournal.com/cristovam-buarque-e-a-pec-do-teto-11-minutos-de-bom-senso

[5] Ressalva de Leonardo Monastério: as condições de financiamento por parte de entes públicos são diferentes da dos entes privados, o que não faz com que a comparação seja absolutamente viável. Entretanto, aqui a ideia é a de como são alocados os recursos diante de uma limitação orçamentária, esta sim válida para ambos.

[6] Para entender melhor o conceito de restrição orçamentária e o que ela significa em termos práticos: https://www.youtube.com/watch?v=PQfQZ3BWUiI

[7] https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/21/economia/1500671743_676963.html

[8] http://www.gazetadopovo.com.br/politica/republica/rio-de-janeiro-atrasa-salarios-mas-nao-o-auxilio-peru-de-r-2-mil-do-judiciario-4ywcr7hpyedc4qq0182j8dpu7

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em dezembro de 2017:

– Terraço Econômico (09/01/2018): http://terracoeconomico.com.br/teto-de-gastos-e-os-grupos-de-interesse-se-esta-na-constituicao

– Money Times (09/01/2018): https://moneytimes.com.br/teto-de-gastos-e-os-grupos-de-interesse-se-esta-na-constituicao/

– Investing.com Brasil (09/01/2018): https://br.investing.com/analysis/teto-de-gastos-e-os-grupos-de-interesse-se-esta-na-constituicao-200219148?preview_fp_admin_1234=this_is_1234