Privatizar para fazer caixa: ideia questionável

Situação fiscal complicada. A confiança do investidor estrangeiro e também do doméstico indo embora. O governo numa enrascada que demanda confiança. Surge então a ideia de privatizar, desestatizar, conceder para a iniciativa privada parte do Estado. E é neste ponto que a atenção deste artigo será focada.

Essa situação que você leu no primeiro parágrafo aconteceu nos anos 1990 e acontece novamente agora. Se temos uma grande quantidade de estatais e uma dívida que nos complica, qual o problema de associar uma coisa à outra? O problema é como isso será feito.

Nos anos 1990, especialmente em sua segunda metade, havia uma preocupação – sadia e responsável, diga-se de passagem – de reduzir o tamanho do Estado porque, dentre outros motivos, aquela estrutura já não se sustentava mais. Para além de empresas privatizadas unicamente, como a Vale, tivemos também a privatização de sistemas, como o Telebrás, aquele que comandava de maneira pública as comunicações no país, estado por estado.

Resultado do processo de privatizações dos anos 1990? Uma maior eficiência para os mercados e caixa para aliviar a situação fiscal em que nos encontrávamos. Porém, não foi só isso. Ficou também a marca de uma concentração de mercado que passou a seguir.

Antes mesmo de apontar tal concentração e porquê dela ser danosa cabe dizer que, sim, o setor nas mãos da iniciativa privada é consideravelmente mais eficiente do que era até então. De milhares de linhas que custavam alguns milhares de dólares (e você até declarava no Imposto de Renda), hoje são milhões de linhas (mais de uma por brasileiro) e com custo bastante baixo.

Eis então o lado ruim: devido a modelagem dos leilões que não tinham a riqueza de detalhes que conhecemos hoje, principalmente as privatizações setoriais (como nas telecomunicações) resultaram em uma concentração de mercado que acaba por tirar o excedente do consumidor. Saindo do economês e indo ao bom português: as escolhas existem, mas estão entre o questionável e o ruim, pois não há tanta competição assim.

O objetivo principal de qualquer processo de desestatização/privatização deveria ser a melhoria dos serviços prestados e a maior eficiência desses mercados. Segundo nossa Constituição, em seu artigo 173, “a exploração econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”. Sabemos todos como, na realidade, muitas empresas estatais existem para além dessas justificativas.

Uma corrida por privatizar que leve em conta de maneira tão explícita o objetivo simples e direto de fazer caixa distorce interesses e pode nos levar a novas concentrações mais adiante. Inclusive vale citar que essa corrida foi declarada pelo Ministro da Economia na primeira quinzena de novembro como sendo o grande objetivo para reduzir a dívida pública em 2021, como se o visto por sua equipe até agora não tivesse sido suficiente para mostrar a dificuldade disso como estratégia.

Hoje existem modelos muito mais robustos para esses leilões (os laureados pelo Nobel de Economia em 2020 inclusive o foram por estudos nessa área). Resta saber, então, se iremos repetir os erros dos anos 1990. Privatizar, sim. Meramente para fazer caixa, não.

 

Publicado na edição de Dezembro de 2020 da Revista da ACIF Franca (página 20)

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