A mania brasileira de pensar que ser bom em uma área é ser bom em tudo

Ação Penal 470 [1] – ou, simplesmente, julgamento do Mensalão. O Brasil parou por um certo tempo para, diante da televisão, ver algo que até então nunca tinha sido visto: políticos sendo julgados pela mais alta corte do país e, pasmem, sendo inclusive condenados. Como símbolo dessa correção de ilicitudes, ficou marcado para a história o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal à época. O período era entre 2012 e 2013, tivemos eleições em 2014. Adivinha só quem começou a ser cotado para presidente do país? Claro, Joaquim Barbosa.

Operação Lava Jato [2]. Surpreendendo os brasileiros com uma operação extensa e que mostra o quão podre e movida a propinas estava (está?) a quase integridade do sistema político brasileiro. Tal cenário aumentou na população o duplo sentimento de acreditar que a justiça ainda funciona e de observar que estamos em um lamaçal bastante complexo de sair – dado que, diferente de 2012/2013, agora os impactos são gerais sobre os partidos e a própria política em si. Estamos novamente no período de véspera de eleições presidenciais e, quem acaba surgindo como nome para 2018? Segundo alguns, Sérgio Moro, aquele que se destaca como figura atuante na investigação e prisão de diversos políticos e empresários envolvidos no esquema.

O que ambos, Barbosa e Moro, têm em comum? O mérito de julgar poderosos sem o medo de represálias possíveis, quebrando um ciclo de impunidade política típico do Brasil e, desta forma, entrando para a história como notáveis personalidades no mundo jurídico brasileiro. O que uma parcela dos brasileiros acha que ambos têm em comum? A capacidade de presidir o Brasil. O que ambos dizem ou já disseram? Que não devem se envolver – embora Joaquim Barbosa tenha sido sondado e admita chance de candidatura [3].

Não há problema algum em acreditar que um destes dois notórios juízes poderia desempenhar um papel positivo como presidente do país. O problema é que, em no Brasil, costuma-se associar o bom desempenho de um indivíduo em uma área com a sensação de que este possa desempenhar bem qualquer atividade.

É claro que, qualquer que seja o governante eleito no ano que vem, haverá uma composição de ministérios com pessoas que (ao menos supostamente, mas geralmente por motivos políticos) tenham conhecimento mais próximo das diversas áreas que o governo brasileiro se propõe a cuidar. Entretanto, o brasileiro que votar pelo motivo de “este indivíduo foi ótimo em sua atuação” correrá o risco de, muito em breve, ter suas expectativas frustradas porque “não houve atuação tão rápida quanto outrora”.

De maneira alguma se faz aqui também uma defesa dos tais políticos profissionais, oriundos de famílias que ocupam cargos eletivos há gerações. Apesar do cenário que observamos atualmente ser desolador, existem pessoas que tem em mente auxiliar as pessoas através da política. O que precisa ocorrer é mesmo uma renovação, pois este campo tem sua importância dentro da deliberação de diversas pautas que impactam a toda população. Será um tanto esquisito se em próximas eleições, diante do escandaloso e amplo esquema de corrupção que vem sendo apresentado nos últimos anos, observarmos uma repetição dos mesmos em maioria. Em 2014 foi assim [4], mas é possível que agora a situação seja diferente, dada a extensão das descobertas recentes.

O importante é ter em mente que, para 2018, os eleitores precisam pesquisar aspectos que vão além do marketing das campanhas políticas – este que já será reduzido, dada a escassez de recursos advinda da proibição de financiamento empresarial. Verificar qual a capacidade real de articulação do indivíduo e se é possível operacionalizar, se não todas, a maior parte de suas indicações para o caso de ser eleito.

Parece complicado? E é. Mas, convenhamos, vai ser melhor dedicar um tempo com esta missão do que foi ter eleito um caçador de marajás e alguém que nunca havia ganhado alguma eleição mas tinha um padrinho político muito poderoso e um vice não-decorativo. Ah, e não nos esqueçamos: também é mais fácil “perder” tempo com essa pesquisa dos candidatos do que dedicar tempo e esforço pedindo que o eleito saia, como temos observado nos últimos anos.

Foquemos, em 2018, no que pode nos fazer avançar como país. Promessas vazias e marketing simplista, por mais sedutores que pareçam, já demonstraram seu mal anteriormente.

 

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

 

Notas

[1]          http://direitosp.fgv.br/ap470

[2]          http://especiais.g1.globo.com/politica/2015/lava-jato/linha-do-tempo-da-lava-jato/

[3]          https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2017/06/07/joaquim-barbosa-admite-possibilidade-de-candidatura-em-2018.htm

[4]          https://eleicoes.uol.com.br/2014/noticias/2014/10/06/so-14-dos-deputados-que-tentaram-novo-mandato-nao-sao-reeleitos-na-camara.htm

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em junho de 2017:

– Terraço Econômico (27/06/2017): http://terracoeconomico.com.br/mania-brasileira-de-pensar-que-ser-bom-em-uma-area-e-ser-bom-em-tudo

Quais os impactos da (possível) não aprovação da reforma trabalhista?

Em votação na Comissão de Assuntos Sociais do Senado (20/06), foi rejeitado o relatório favorável à reforma trabalhista. Previa-se uma aprovação com pequena vantagem, mas ela acabou não ocorrendo, o que significa uma forte derrota para o governo Temer. Ainda não em definitivo, porque o relatório a ser apresentado ao Senado, mesmo que este tenha sido reprovado, pode ser idêntico, mas certamente uma derrota.

Os impactos dessa não aprovação são de curto e longo prazos.

No curto prazo, a esperança que o mercado vinha depositando sobre esta aprovação faz com que o choque de confiança reduza os preços de ativos por aqui (o Ibovespa operava em queda) e externamente (o dólar sinalizava continuidade de alta). Tendo em vista que as principais reformas deste governo são a do teto dos gastos, a trabalhista e a da previdência, ter apenas a primeira aprovada e as outras duas em risco deixa o cenário ainda mais instável.

No longo prazo, o efeito sobre o mercado de trabalho será sentido. Explica-se: com a atual estrutura trabalhista, recuperações econômicas costumam ocorrer antes da recuperação do desemprego, haja vista que, pela dificuldade que uma demissão envolve, a contratação vale menos a pena do que uma situação máxima de capacidade ociosa. Essa certa dificuldade burocrática que se tem tanto para contratações quanto para demissões faz com que o desemprego tenha um “arrasto” maior do que a economia, uma vez que aquele que contrata prefere não demitir, mas, quando o faz, utiliza ao máximo a força de trabalho que contratou antes de realizar novas contratações. O desemprego acompanha o PIB, mas tem uma notável defasagem de tempo.

Considerando que o cenário atual envolve uma capacidade ociosa considerável, a recuperação econômica com ou sem esta reforma não deve apresentar efeitos de curto prazo sobre o mercado de trabalho – mas, a recuperação mais rápida esperada com ela em cenários futuros, deixa de ocorrer sem esta reforma.

É preciso reforçar que esta não é uma derrota completa, pois ainda haverá votação no plenário do Senado, o qual resolverá a questão. Entretanto, dada a fragilidade em que se encontra o governo Temer no período atual, é preciso pensar sobre quais caminhos são possíveis caso essa reforma (assim como a da previdência) não seja aprovada.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em junho de 2017:

– Terraço Econômico (25/06/2017): http://terracoeconomico.com.br/quais-os-impactos-da-possivel-nao-aprovacao-da-reforma-trabalhista

– Investing Brasil (26/06/2017): https://br.investing.com/analysis/quais-os-impactos-da-(poss%C3%ADvel)-n%C3%A3o-aprova%C3%A7%C3%A3o-da-reforma-trabalhista-200195882?preview_fp_admin_1234=this_is_1234

– InfoMoney (27/06/2017): http://www.infomoney.com.br/blogs/economia-e-politica/terraco-economico/post/6738713/quais-impactos-possivel-nao-aprovacao-reforma-trabalhista

Uma bondade do governo?

Estamos vivendo o governo mais reformista das últimas décadas e, em momentos de grandes mudanças, alguns benefícios acabam sendo oferecidos buscando compensar as perdas que podem ocorrer – em outras palavras: para suportar melhor o ônus, libera-se um bônus.

O caso mais recente é a discussão da base aliada do governo Temer no Congresso sobre mudanças no Imposto de Renda. Os parlamentares dividem-se em dois grupos: aqueles que sugerem uma ampliação da faixa de isenção do imposto (atualmente, ganhos até R$ 1.903,38 mensais não são tributados) e os que sugerem a diminuição da alíquota máxima (dos atuais 27,5% para 18%).

As duas sugerem melhorias, certo? Mais ou menos. É evidente que nosso país tem uma estrutura tributária altamente regressiva – em outras palavras: quanto mais recursos se tem, menos se paga de imposto, proporcionalmente. Enquanto nos países desenvolvidos podemos observar uma tributação mais incisiva sobre renda e propriedade e mais branda sobre o consumo, em nosso país ocorre o oposto; na prática, isso prejudica os menos favorecidos, que pagam mais impostos proporcionalmente à sua renda.

Assim, a ideia de diminuir a alíquota máxima é ruim, mas a de ampliar a faixa de isenção é positiva, por pelo menos dois motivos. Em primeiro lugar, a situação fiscal do país não permite que reduções de grande magnitude ocorram, dado que as contas públicas não têm fechado e seguidos déficits tem sido observados. Em segundo lugar, caso essa redução ocorra, se lembrarmos do primeiro motivo, veremos que a conta ficará ainda mais cara – e, sendo o caráter regressivo uma das características mais marcantes de nosso sistema tributário, não é difícil imaginar quem pagará essa conta. Trocando em miúdos: muito provavelmente, os que menos ganham, por meio de outros tributos indiretos.

Não se faz aqui uma defesa ideológica relativa ao pagamento de impostos por quem quer que seja – e nem o simplista “que o andar de cima pague as contas” –, mas, pela situação atual das contas públicas e do sistema tributário do Brasil, é quase irônico imaginar que seria uma benesse ao povo brasileiro reduzir o teto do Imposto de Renda, uma vez que está bastante claro de onde novos recursos deverão surgir para cobrir a ausência gerada por essa “benesse”.

Na verdade, principalmente diante do abismo fiscal em que nos encontramos, a redução de qualquer receita governamental é tida como inadequada; entretanto, uma redução de encargos sobre aqueles que têm os menores salários acaba sendo mais adequada que a redução sobre os que mais ganham.

Mais importante que essa discussão isolada sobre o Imposto de Renda, no entanto, seria abordar de maneira global o meio de financiamento do governo por meio dos impostos, ou, melhor dizendo, discutir uma reforma tributária. Isso porque, dado o nível de regressividade de nosso sistema tributário, tem-se que, enquanto a maior parte da busca de novas receitas governamentais acaba por atingir diretamente os mais pobres, a distribuição de benesses costuma ocorrer principalmente sobre os mais ricos. Alguém lembrou da famigerada CPMF?

Há quem diga que todo tipo de imposto deve sempre ser diminuído. Concordo com isso, contanto que se adeque o tamanho do Estado. Ou, no fim das contas, os mesmos que arcam com a gastança do Estado continuarão a ser proporcionalmente os que mais pagarão a conta.

Caio Augusto de Oliveira Rodrigues é economista, gestor financeiro e editor do site Terraço Econômico (www.terracoeconomico.com.br).

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em junho de 2017:

– Gazeta do Povo (19/06/2017): http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/uma-bondade-do-governo-egg5fmbhhlwzfe0zapiycv9kk

– Terraço Econômico (23/06/2017): http://terracoeconomico.com.br/mudancas-no-imposto-de-renda-uma-bondade-governo

O mito do rentista que quer que a economia exploda

A economia, ciência social humana que é, deixa diversas interpretações possíveis da realidade para quem desejar acompanhar o debate. Economistas costumam visualizar a realidade de uma economia de acordo com suas convicções, baseando-se em metodologias que vão da análise dos dados e situações a suposições amplas – e até questionáveis – do que deveria ocorrer segundo suas crenças [1].

Quando o assunto são as contas públicas, especificamente a destinação do orçamento e a decisão de realizar incrementos ou diminuições sobre a dívida pública, surge uma figura apontada por alguns economistas como sendo a origem de todo o mal: o rentista. Quem seria esse personagem? Basicamente aquele indivíduo que tem como fonte principal de recursos os juros, estes que podem ser advindos de diversas fontes – imóveis e aplicações financeiras, principalmente, sem falar na própria dívida pública.

Especificamente quando se trata da questão das contas públicas, rentista seria aquele cujos rendimentos advém majoritariamente dos juros da dívida pública. Considerando as pessoas que investem no Tesouro Direto, temos que a população rentista é cada vez maior: a aplicação, criada em 2002 buscando trazer ao público um meio de financiar o governo diretamente, ampliar o prazo médio da dívida deste e ainda desindexá-la, tem sido cada vez mais um caminho para alocação de dinheiro dos indivíduos. O que demonstra isso foram os seguidos recordes de investimento neste tipo de título, em detrimento da poupança nos últimos meses – o que deve ser advindo de, dentre outros motivos, um maior conhecimento por parte do público sobre o funcionamento daquele investimento e de suas vantagens (como o rendimento maior e diário) em relação a este último.

Fonte: Tesouro Nacional [2]. Elaboração própria.

Após esta introdução sobre como surge o rentista no cenário das contas públicas, aqui vai a pergunta de um milhão de dólares: seria este o maior culpado da dívida pública brasileira ter esta magnitude e/ou da taxa de juros ser alta (em termos reais, sempre entre as maiores do mundo [3])? A resposta é direta: não caia nessa história. Os porquês também são diretos: porque a taxa de juros responde à inflação e porque quando o governo decide aumentar sua dívida pública em momentos seguidos o custo de se emprestar à ele naturalmente se eleva.

O primeiro motivo: além de fazer parte da definição do papel do Banco Central do Brasil [4], o encaminhamento da taxa de juros se dá acompanhando os rumos e as expectativas sobre a inflação. É o que rege a chamada Regra de Taylor que, quando negligenciada (como vimos ocorrer no primeiro mandato de Dilma Rousseff, em que observamos uma queda de juros mesmo diante da resistência inflacionária [5]), mostra seus custos em poucos trimestres. Pois bem, o que se tem em relação a definição da taxa de juros então é o ancorar de expectativas sobre a oscilação geral dos preços – e não alguma vontade sombria de arrebentar com o país apenas para ter ganhos reais.

Sobre o segundo motivo, a discussão é mais ampla, mas pode ter uma analogia mais próxima da realidade. Imagine que você tem um amigo que vive endividado, mas, por ele ser muito seu amigo, você está disposto a ajuda-lo emprestando dinheiro. Você empresta um pouco, vê que ele se enforcou novamente, vai lá e empresta mais. Porém, mesmo com algumas dicas que você tenha dado a ele sobre como lidar melhor com o orçamento, conversando com ele sobre o assunto descobre que logo estará viajando para a Europa mesmo que não tenha condições para o tal. Dinheiro não é algo fácil de ganhar, então, supondo que você aplique uma taxa de juros a estes empréstimos, sabendo que seu amigo está ligando cada vez menos para te pagar de volta, não seria razoável que esta taxa de juros – que embute justamente o risco de não receber – seja cada vez maior?

Então: com o governo a situação é análoga – não igual, basicamente porque as condições de financiamento do governo são diferentes, mas certamente parecida –, pois quanto mais ele aumenta sua dívida (considerando aí uma boa dose de isenção de impostos e subsídios de naturezas diversas), mais custoso é para aumenta-la [6], pois o risco de solvência, de pagamento desta dívida, fica cada vez maior.

O mito do rentista malvado não faz sentido, então, porque este investidor, independente de seu tamanho em relação ao mercado – seja ele um grande banco ou um investidor que aloca R$100 por mês ao Tesouro Direto –, não é por si só capaz de definir os rumos da taxa de juros. E, liberando o lado conspiratório da situação, é ilógico imaginar que, caso fosse possível que essa definição de taxa de juros obscura acontecesse de fato, a taxa de juros tenha caído no ritmo que temos observado.

Se fossem os rentistas responsáveis por tal definição, não faria mais sentido manter a taxa de juros alta – ou ainda realizar novos aumentos – mesmo se a inflação caísse, para gerar maior ganho real? Curiosamente, ao passo que a inflação se reduz e os encaminhamentos de reformas que aliviam o lado fiscal avançam, temos observado uma diminuição na curva de juros em relação aos padrões atuais. Em termos bastante diretos: se forem mesmo os rentistas os dominadores do panorama dos juros, são estes os seres mais burros do mercado financeiro, pois estão liquidando seus próprios ganhos.

Como os fatos diferem da conspiração, temos que aqueles que apontam os tais rentistas (e não os governos lenientes com inflação ou as estruturas públicas inchadas e cada vez mais caras) como sendo os maiores problemas da economia na verdade se esquecem de analisar a realidade que leva a mudanças indesejáveis por eles mesmos na política monetária. É quase como identificar uma febre e afirmar que o termômetro é o culpado, confundindo por qualquer que seja o motivo a consequência com a causa e, no fim das contas, não permitindo que uma solução adequada possa ser tomada.

 

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

Notas
[1] http://terracoeconomico.com.br/nao-existem-economistas-bonzinhos-ou-malvados-diferenca-esta-no-metodo
[2] http://www.tesouro.gov.br/-/balanco-e-estatisticas
[3] https://oglobo.globo.com/economia/mesmo-com-corte-na-selic-brasil-lidera-ranking-de-juros-reais-20762112
[4] https://www.bcb.gov.br/htms/novaPaginaSPB/PapelDoBancoCentral.asp
[5] http://terracoeconomico.com.br/a-regra-de-taylor-e-clara
[6] https://www.nexojornal.com.br/grafico/2016/12/19/O-que-%C3%A9-e-como-%C3%A9-composta-a-d%C3%ADvida-p%C3%BAblica-no-Brasil

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em junho de 2017:

– Terraço Econômico (21/06/2017): http://terracoeconomico.com.br/o-mito-rentista-que-quer-que-economia-exploda

O que são receitas não recorrentes e por que elas importam

Não é novidade para quem acompanha o noticiário de economia brasileira que o governo enfrenta um problema grave: suas despesas crescem há um bom tempo mais rapidamente que suas receitas e, como observamos hoje em dia, as contas não fecham. Porém, em situações como essas, podemos ter resultados positivos pontuais em meio a uma série de números em vermelho. Como isso acontece? Geralmente o motivo são as chamadas receitas não recorrentes.

Receitas não recorrentes são aquelas que contribuem para o fluxo de caixa apenas em momentos específicos. No caso dos entes públicos, pode ser, por exemplo, a entrada de recursos que já não eram mais esperados através de renegociações de dívidas tributárias, concessões, dividendos ou outros programas de caráter pontual e extraordinário.

Observamos o efeito destas receitas recentemente com o programa de repatriação de recursos proposto pelo governo. Uma arrecadação de R$ 46,8 bilhões foi verificada. Uma boa notícia, sem dúvidas: o superávit ocorrido no mês de outubro de 2016 foi da ordem de R$40,814 bilhões, o maior valor mensal na história. Porém, um resultado isolado, haja vista que o déficit nas contas públicas em 2016 foi de R$155,7 bilhões – também o de maior destaque na história, mas agora como pior valor anual dela.

Essas receitas não recorrentes se destacaram, sobretudo, no final dos anos 1990, advindas do processo de desestatização ocorrido nos governos de Fernando Henrique Cardoso. Mais recentemente, foram reforçadas por programas de refinanciamento tributário e pela antecipação de dividendos de empresas estatais.

O porquê dessas receitas importarem: por estarem ligadas a fatores isolados, embora apresentem efeito positivo imediato, não mudam o fator estrutural, ou seja, não contribuem para a estabilização do déficit público ao longo do tempo.

Sempre que for verificado um ponto fora da curva, que não indique ter havido uma mudança de comportamento no todo das receitas e despesas governamentais, lembre-se que a comemoração dos órgãos responsáveis pelas políticas econômicas não tem tanta razão de ser quanto parece.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

 

Fonte do gráfico: Relatório de Acompanhamento Fiscal da Instituição Fiscal Independente referente a maio de 2017, p. 13. http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529613/RAF_maio17_completo.pdf?sequence=8

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em junho de 2017:

– Terraço Econômico (13/06/2017): http://terracoeconomico.com.br/o-que-sao-receitas-nao-recorrentes-e-por-que-elas-importam

Reformas: se as propostas são ruins, as alternativas são conhecidamente piores

Independente do governante que esteja no executivo no momento em que você, leitor, estiver lendo este breve artigo, tenha em mente que a situação fiscal do país nesta segunda metade da década de 2010 é complexa por diversos motivos – como o engessamento do orçamento e o aumento de diversos gastos ocorrendo acima da inflação e do PIB há mais de uma década. Reformar é preciso? Sim. É fácil, desejável e socialmente aceitável? Logicamente que não. O motivo principal? Em momentos como esses, alguns grupos acabarão perdendo mais do que outros e, pela natureza humana, ninguém gosta de perder benefícios, direitos, privilégios ou qualquer denominação análoga.

O fato é que, como disse Armínio Fraga pouco mais de um ano atrás [1], não estamos entre a escolha de realizar mudanças ou sermos felizes, mas sim entre colocar reformas em prática ou seguirmos ladeira abaixo. Não se fala aqui especificamente em uma piora irremediável da situação que temos atualmente, mas da complicação considerável que se coloca sobre um cenário em que atualmente já se prevê pouca abertura para investir enquanto gastos seguem ocorrendo. Em uma breve ponderação, a diferença entre gasto e investimento é o tempo em que se observa o bem-estar: no gasto tem-se o bem-estar em tempo presente e no investimento este ocorre ao longo do tempo.

A tarefa de reformar é indigesta e as propostas dispostas parecem não agradar. Então o que se tem de alternativa até o momento? Curiosamente, o mesmo conjunto de escolhas que nos trouxe até aqui. Duvida? Basta analisar alguns dos pontos econômicos propostos pela Frente Brasil Popular [2]. Nela, estão constando basicamente os pontos da ampliação do controle do Estado sobre a economia, da revogação da emenda constitucional que limita os gastos públicos e, um item indispensável para muito do que se tem feito nos últimos governos brasileiros, a enumeração de ideias que parecem ser muito simples, mas ninguém tem a resposta de como fazê-las virar realidade.

Abrindo um pouco sobre estes pontos:

– A ampliação do Estado sobre a economia nos últimos anos não é uma novidade: além dos volumosos empréstimos subsidiados do BNDES (majoritariamente destinados a empresas de grande porte, que poderiam captar recursos por outros meios de mercado [3]) e das participações adquiridas pela BNDESPar, direcionamentos diversos sobre inúmeros setores vêm ocorrendo (citando apenas um, talvez o que tenha saído mais caro: a medida provisória que encurtou contratos de longo prazo buscando redução nas contas de energia [4]) e, como podemos observar, quando não da geração de colossais prejuízos, têm aberto uma janela para a corrupção, como nos mostram as investigações mais recentes da Lava Jato;

– Sinalizar que não há um limite para o orçamento público é, em termos práticos, ignorar que o país vem gastando muito mais do que arrecada em recursos e que o endividamento gerado já apresenta sinais de insustentabilidade no longo prazo; o reconhecimento de que há limite para o orçamento público é uma obviedade (apesar de ser diferente do caso do orçamento doméstico, por motivos mais complexos do que “o saldo ser negativo” [5]), e deixar de reconhecer é não levar em conta a situação atual de saldo negativo ano a ano;

– As soluções simples e erradas são um clássico: “Adoção de uma nova política econômica, tendo como vetor o desenvolvimento, adequando as taxas de juros, o câmbio e a política fiscal à realidade da economia brasileira e dentro dos padrões internacionais”. Não seria tudo isso o que nos ajudou a chegar na situação atual? Só um lembrete: a tal Nova Matriz Econômica, agora órfã (pois ninguém quer assumir sua paternidade, dado que contribuiu para a deterioração econômica observada nos últimos anos [6]), englobou diversos dos pontos desta proposta apresentada como sendo a solução para a crise brasileira atual.

Em suma: sempre que pensar sobre uma reforma ser dura demais, pense nos aspectos que poderiam ser alterados para que assim não o fosse, em mudanças que podem atacar privilégios estabelecidos protegendo os direitos dos menos favorecidos. Imagine por exemplo se, em vez de colocar uma idade mínima para aposentadoria, fosse apenas fixado um valor máximo para todas as aposentadorias do país como sendo o teto do INSS: não resolve a situação demográfica que irá ocorrer, mas deve suavizar os efeitos da atual proposta de esticar o tempo de contribuição. Mas, evite levar a sério aquilo que coloca uma nova roupagem em uma estrutura que já se demonstrou fadada ao fracasso. Aliás, apenas frisando: a conta já está sendo paga, não é mais nem uma questão de “empurrar o problema adiante”…

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

Notas

[1] https://www.youtube.com/watch?v=y5S9W5I93cc

[2] A proposta completa pode ser visualizada aqui: https://doc-00-ag-docs.googleusercontent.com/docs/securesc/ha0ro937gcuc7l7deffksulhg5h7mbp1/m8t81vnrg2sihddtlrvi4u1nmeuukp9u/1495548000000/00192495300659013572/*/0B09ln69N-DzaZm5oeTh2UzhMaXM?e=download%22,%22thumbnail%22:%22http://farm4.staticflickr.com/3852/15187675380_7b00f5fdff_b.jpg%22,%22title%22:%22Plano_Popular_de_Emergencia.pdf

[3] http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2092

[4] http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/indenizacao-a-transmissoras-vai-custar-r-622-bilhoes-aos-consumidores.ghtml

[5]          http://lmonasterio.blogspot.com.br/2016/11/contra-metafora-domestica-na-defesa-do.html

[6] http://bdadolfo.blogspot.com.br/2014/07/o-que-e-nova-matriz-economica.html

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em maio de 2017:

– Terraço Econômico (02/06/2017): http://terracoeconomico.com.br/reformas-se-propostas-sao-ruins-alternativas-sao-conhecidamente-piores

– Investing.com Brasil (05/06/2017): https://br.investing.com/analysis/reformas:-se-as-propostas-s%C3%A3o-ruins,-as-alternativas-s%C3%A3o-piores-200193131?preview_fp_admin_1234=this_is_1234