Rota 2030: melhor que o Inovar-Auto, mas não tanto assim

No início do segundo semestre de 2017 o Brasil sofreu sua maior condenação na Organização Mundial do Comércio (OMC) [1]: programas de subsídios industriais foram apontados como causadores de concorrência desleal, ferindo regras da organização [2], o que faz com que tenham de sofrer suspensão e, evitando maiores problemas, dificilmente tornem a ocorrer. Dentre estes programas condenados, está o polêmico Inovar Auto.

Inovar-Auto é um marco legal que impõe, em 2012 (até 2017), um programa que busca estimular as montadoras nacionais de automóveis. O foco de sua ação é promover um aumento do IPI sobre veículos de empresas que não tenham fábricas no país e, além disso, adicionar sobretaxa de impostos para o caso de importação de veículos acima de uma cota pré-estabelecida. Além dessa maior atenção para o conteúdo nacional da produção, também tinha como meta alcançar maior eficiência energética dos veículos fabricados.

Ocorre exatamente isso que você, leitor, deve estar pensando: outro caso típico no Brasil em que um grupo de interesse retira excedente do consumidor dizendo que, na verdade, este sairá beneficiado.

Nem tudo são problemas: o programa realmente conseguiu alguns avanços em termos de eficiência energética nos veículos aqui produzidos. Entretanto, por um efeito negativo de concorrência, passamos a ter carros mais caros [3]. Isso sem falar que, por termos tido menor contato com tecnologias em voga mundialmente, nossos carros acabaram parando no tempo.

Este programa condenado pela OMC tem seu limite em termos legais na data de 31 de dezembro de 2017. Mas a indústria automobilística não vai deixar por isso mesmo: já tem em mente uma nova ideia, chamada Rota 2030.

Rota 2030 também é um programa de incentivo, mas, dessa vez, focado na geração de veículos menos poluentes e no investimento em pesquisa e desenvolvimento. Até aqui, tudo bem. O fato é que temos duas questões problemáticas: sua duração será de quinze anos e também será considerado como fator redutor de IPI, mesmo que não de maneira declarada (como aliás era o caso do Inovar-Auto também), o percentual do veículo que em termos nacionais poderá ser agregado com esses investimentos. Em outras palavras: quem tiver montadora no Brasil vai poder mostrar melhor aos agentes reguladores como está avançando e poderia ter seu IPI reduzido, o que deve concentrar as benesses novamente por aqui.

Assim como em muitos outros setores, na indústria automobilística as políticas de incentivos não são de hoje. Em recente estudo, Mário Schapiro [4] apresenta que o Estado brasileiro pratica tais políticas há décadas.

Segundo este estudo, mesmo em períodos de governos mais liberais, o setor automotivo mantém seu lugar reservado no campo das políticas industriais brasileiras. Desde o início dos anos 1990, podemos destacar três momentos: medidas resultantes de uma câmara tripartite (governo, empresários e trabalhadores do setor) entre 1990-1994, o Novo Regime Automotivo de 1995-1999 e o Inovar-Auto de 2012. Entretanto, datam da década de 1950 políticas de incentivos tributários (majoração de tarifas de importação, no caso) que já beneficiam o setor.

A problemática não se dá, segundo o autor, em relação ao Estado atuar ou não, mas em relação a seus efeitos gerados: na prática, ele acaba gerando mais uma proteção sobre um setor já estabelecido do que benefícios ao conjunto total de agentes econômicos – o autor se refere a isso como sendo um “Estado Pastor”. Em outras palavras: beneficia quem já está beneficiado, em detrimento do consumidor.

Agrava-se a situação quando se observa que, não obstante os benefícios recebidos há décadas, o setor apresenta defasagem em termos tecnológicos em relação ao resto do mundo e, mesmo protegido, vê sua participação em relação ao PIB sendo diminuída com o passar do tempo. Não parece que as tais políticas benéficas estejam fazendo o efeito desejado, nem mesmo para os produtores que as pleiteiam, o que faz com que sejam questionadas tais políticas em relação aos avanços gerados como um todo.

Considerando a possibilidade de que o Inovar-Auto termine sem a promulgação de algum novo marco legal (no caso, o Rota 2030), investimentos já estão sendo feitos por montadoras que tinham reduzido sua presença no país após o programa de 2012 [5]. Isso aponta para algo curioso: o que deve mesmo beneficiar a economia, os negócios e os consumidores é, vejam só, deixar o setor mais aberto e “desprotegido”.

Seria o Rota 2030, então, um bom substituto para ele? Segundo a Anfavea, certamente. Segundo este autor, não necessariamente.

Apesar de focar no aspecto de eficiência energética e investimentos na área de pesquisa e desenvolvimento (o que são fatores sensivelmente positivos), o incentivo fiscal certamente terá como foco os agentes que poderão ser observados com maior proximidade nestes avanços e, não surpreendentemente, os mais beneficiados deverão ser mais uma vez as montadoras nacionais – por mais que a ideia declarada do programa seja a de equiparar as condições entre montadoras nacionais e importadoras, colocando como critério principal a eficiência energética [6] e talvez realmente permitindo uma melhoria nesse quesito ao passo que o espaço dos veículos importados também seja também aumentado por aqui.

A tendência internacional é de que os veículos sejam cada vez menos poluentes. No Brasil, ainda estamos distantes da média internacional neste quesito [7] e, possivelmente, o Rota 2030 sirva como impulso para aumento deste mercado no país. Ainda assim, este programa representa uma nova tentativa de proteger nossa eterna indústria nascente, o que significa que o final da história já possa ser previsto.

Levando-se em consideração os programas de incentivo fiscal para o setor, com exceção ao fato recente de ter foco na eficiência energética em metas ditas mais realistas e passíveis de acompanhamento, temos aqui mais uma tentativa que pode apenas significar o que já observamos cotidianamente: proteção ao excedente dos produtores nacionais de veículos em detrimento dos consumidores. Não simplesmente “trocar seis por meia dúzia”, mas trocar o nome e manter o sobrenome.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

[1] http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-economica-comercial-e-financeira/132-organizacao-mundial-do-comercio-omc

[2] http://www.valor.com.br/brasil/5100954/omc-confirma-maior-condenacao-contra-brasil-por-subsidios-industriais

[3] https://carros.uol.com.br/colunas/alta-roda/2015/12/15/em-quatro-anos-inovar-auto-melhora-carros-mas-preco-sobe.htm

[4] http://www.scielo.br/pdf/rep/v37n2/1809-4538-rep-37-02-00437.pdf

[5] http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,com-fim-do-inovar-auto-importadoras-de-veiculos-voltam-a-investir-no-brasil,70002053413

[6] http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-09/novo-programa-automotivo-tera-incentivo-igual-para-industria-local-e

[7] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/03/19/Carros-el%C3%A9tricos-j%C3%A1-n%C3%A3o-s%C3%A3o-mais-coisa-do-futuro.-A-disrup%C3%A7%C3%A3o-est%C3%A1-pr%C3%B3xima

Informações sobre o Inovar Auto e o Rota 2030: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/11/1936016-temer-nao-quer-validar-rota-2030-ate-mercosul-fechar-acordo-com-ue.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em novembro de 2017:

– Terraço Econômico (21/11/2017): http://terracoeconomico.com.br/rota-2030-melhor-que-o-inovar-auto-mas-nao-tanto-assim

– Investing.com Brasil (21/11/2017): https://br.investing.com/analysis/rota-2030-melhor-que-o-inovarauto-mas-nao-tanto-assim-200218575?preview_fp_admin_1234=this_is_1234

 

Doing Business, insegurança jurídica e o desafio do desenvolvimento econômico no Brasil

Recentemente foram divulgados os resultados do Relatório Doing Business, do Banco Mundial [1]. Neste relatório são ranqueados os países dos mais aos menos amistosos quando o assunto é seu ambiente de negócios. Continuamos mal, desta vez na posição 123 dentre os 190 países analisados.

Historicamente, nos mantivemos em uma posição ruim neste ranking iniciado em 2004: dentre as 190 nações avaliadas, no melhor desempenho anual não ficamos nem entre as cem melhores.

Eis abaixo o retrato de como estamos perante o mundo em termos de competitividade em 2017, em relatório que avaliou as reformas encaminhadas entre 2015 e 2016:

brazil doing business 2017

Em meio a diversas reformas que têm sido aprovadas e cujos efeitos devem aparecer nos próximos anos, a trabalhista é a que mais tem gerado polêmica. O motivo? As mudanças aprovadas talvez não sejam utilizadas como normativa para fiscalizações [2]. É isso mesmo que você está lendo: se seguir a lei, estará errado – e se não seguir, ninguém sabe.

Alegações possíveis para justificar a não aplicabilidade das novas regras trabalhistas apontam para o fato de discordâncias ou inconstitucionalidades sobre o que fora aprovado. Porém, fica a reflexão: independente de concordarmos ou não com uma lei, quem desenha a lei em nosso país são as casas legislativas ou o poder judiciário? Não faria mais sentido lutar contra as regras para mudá-las [3] em vez de decidir que elas não são válidas?

Outro ponto importante que nos deixa atrás – neste caso, muito atrás – do mundo é a questão tributária. Atualmente estamos entre os dez piores, dentre os 190 analisados, quando o assunto é o pagamento de impostos. A questão vai muito além da carga tributária elevada: para simplesmente buscar o que deve ser pago e como isso deve ser feito levamos, em média, 2038 horas por ano de cada empresa. Países como Cazaquistão, Biolorrússia, Ruanda, Azerbaijão e Quênia são todos bem mais competitivos que o Brasil (estes todos estão entre os cem primeiros colocados).

Dilemas como “aplicar a lei e estar errado ou não aplicar e também estar” compõem um fenômeno que infelizmente nos atrasa como país, o da insegurança jurídica. O contrário disso, a segurança jurídica, é a validade das diretrizes estabelecidas ao longo do tempo [3], ou seja, é o assegurar das regras do jogo.

Essa insegurança jurídica de todo dia reduz os investimentos e desencoraja avanços na economia como um todo. A razão não é tão difícil de ser explicada: você preferiria abrir uma empresa em um ambiente de regras bem estabelecido (seus direitos e deveres, assim como as obrigações dos agentes reguladores) ou o fazer em uma situação investiria em algum negócio que, por diferentes motivos pode a qualquer momento ser autuado por estar descumprindo alguma regra que você sequer sabia que existia?

Tal insegurança se mantém por um conjunto de razões que envolve pelo menos uma principal vertente: a estrutura atual agrada porque diferentes instâncias se beneficiam dela. Certamente a forte máquina brasileira de processos jurídicos se alegra quando observa a imensa possibilidade que tem de discutir e prolongar sua atuação diante de tantos questionamentos gerados.

Não se faz aqui de maneira alguma defesa da impunidade, da sonegação de impostos ou da quebra de regras por quem quer que seja. A ideia é justamente o contrário: aquele que produz certamente produziria mais e melhor se tivesse mais tempo para focar em sua produção e não no atendimento de regras que, quando não confusas e conflitantes entre si, geram penalidades que não fazem sentido prático [4].

A partir do estabelecimento de regras mais diretas, tanto fiscalizador quanto fiscalizado podem tanto permitir que produtos e serviços sejam oferecidos ao mercado com mais qualidade quanto ao formatar de regras mais próximas da realidade. O contrário é o que conhecemos: regras conflitantes, geralmente mal delimitadas e que tiram o tempo de quem produz para que fique procurando saídas adequadas.

Infelizmente as saídas não são simples, fato este principalmente advindo da imensa quantidade de normas existentes e adicionadas diariamente [5]. Encaminhamentos possíveis seriam uma reforma tributária que busque a simplificação do pagamento de impostos e o prosseguimento com o estabelecido na mais recente reforma trabalhista – esta que simplifica as relações e deve ser fator de melhoria em nossa competitividade nos próximos anos.

É preciso pensar em competitividade futura se quisermos avançar realmente como país ao longo do tempo. Pelo visto, até então, não estamos cumprindo essa tarefa.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

Referências e Notas

[1] http://portugues.doingbusiness.org/reports/global-reports/doing-business-2017

[2]http://www.valor.com.br/legislacao/5161304/fiscais-e-procuradores-vao-ignorar-mudancas-na-clt e https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/11/07/nem-os-juizes-chegam-a-acordo-sobre-as-novas-leis-trabalhistas.htm

[3] http://www.valor.com.br/politica/5159220/secretaria-de-temer-diz-que-mudanca-afeta-combate-ao-trabalho-escravo

[3] https://jus.com.br/artigos/56111/o-principio-da-seguranca-juridica

[4] http://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2017/04/1872381-prefeitura-do-interior-de-sp-multa-empresa-em-r-12-trilhao-por-placa.shtml

[5] http://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/justica-direito/pais-produz-30-novas-normas-tributarias-ao-dia-2vslu2dfpmhkbblwl4wszjo0e

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em novembro de 2017:

– Terraço Econômico (14/11/2017): http://terracoeconomico.com.br/doing-business-inseguranca-juridica-e-o-desafio-do-desenvolvimento-economico-no-brasil 

21 milhões como limite: Bitcoin pode não ser uma bolha

Criado em 2008 valendo pouco mais de ¼ de um centavo de dólar, a primeira transação envolvendo Bitcoin foi feita em janeiro de 2010: uma pizza que valia US$25, custando aproximadamente 10 mil bitcoins. Recentemente, em novembro de 2017, a moeda superou a marca de sete mil dólares.

fechamento

Para alguns, o investimento do século, para outros, sinônimo de colapso em breve. Afinal, seria o Bitcoin uma bolha prestes a explodir? O meio mais sincero que se tem para responder a essa pergunta é: depende da continuidade de algumas condições e ampliação de outras, mas provavelmente não.

A argumentação que mais tem sido utilizada para apontar que se trataria de uma bolha envolve duas questões diretas: a moeda não é lastreada pela confiabilidade de nenhum governo ou banco central e o valor estaria subindo apenas pela expectativa de que ele continue subindo (e, deste modo, quem compraria hoje certamente venderia mais caro amanhã), e não por qualquer motivo real. Referente a última razão, por “motivo real” subentende-se estar inserido nas três funções básicas de toda moeda, que é ser um meio de troca, reserva de valor e unidade de conta [1].

Qual a situação atual do Bitcoin quanto a essas funções? Ao menos quanto a ser uma reserva de valor e servir como unidade de conta não temos dúvida de que são requisitos preenchidos. O terceiro item ainda fica em dúvida – mas já existem rumores de que grandes marketplaces já estejam interessados em utilizar a moeda como sendo meio de troca [2]. Caso isso venha a ocorrer, teremos o cumprimento pleno das três funções de uma moeda, o que daria maior sustentabilidade em termos teóricos a ela.

capitalização de mercado

Cumprir as três funções da moeda, ser acreditada como uma e se valorizar diariamente por si só não afastam a possibilidade de ser uma bolha. Porém, há um fator que a argumentação mainstream em defesa desta ideia de bolha não tem levado em consideração [3]: o fato de que, assim como ocorre com os metais preciosos, há um limite para sua exploração, e este limite é de 21 milhões de unidades (seria essa a escalabilidade do Bitcoin) [4].

O motivo de existir um limite para as unidades totais do Bitcoin – assim como das demais criptomoedas – é puramente técnico: o número de combinações possíveis que geram estas novas unidades tem um limite. Na prática, isso justifica o termo “mineração de criptomoedas”.

O que este limite representa para o fato de ser ou não uma bolha o caso do Bitcoin? Uma vez que há um limite estabelecido, temos que o crescimento do valor não se dá somente por motivos especulativos, mas também ocorre em função de uma escassez cada vez maior neste ativo, por um efeito direto de oferta e demanda – uma demanda, mesmo que constante, estará diante de uma oferta cada vez menor, assim como uma queda em seu valor se justificaria diretamente por uma queda na demanda pelo ativo maior do que a própria redução na oferta.

A existência de um limite coloca um paradigma inédito na análise: com a demanda constante ou crescente e uma redução na oferta, o preço há de subir. Quando não se conhece esse limite ou não se imagina que exista, por mais óbvio que isso seja, teremos um volume de transações sem controle algum, o que é danoso.

Fazendo uma analogia, no pós-crise de 2008 passamos a verificar melhor os limites de endividamento dos bancos praticados nos EUA, porém, antes da explosão do sistema financeiro de lá, mesmo se esses limites de segurança fossem conhecidos não eram respeitados (segundo o documentário Inside Job, bancos que quebraram chegaram a endividamentos próximos a 30 para 1, por exemplo). Limites de segurança podem até ser apresentados em acordos como o de Basileia, mas isso não coloca limitações reais na alavancagem. No caso do Bitcoin, o limite não só é conhecido como não é alterável por vontade humana, ocorre por questão técnica – o limite de combinações matemáticas possíveis na mineração das moedas.

Diferentemente de ativos como o ouro [5], temos certeza matemática deste limite e, sendo assim, não é apenas imaginável como também observável que, conforme a aproximação deste limite ocorre, o valor aumenta porque a oferta se reduziu perante a demanda (que permanece aquecida). As estimativas atuais sinalizam que 16 das 21 milhões de unidades já foram mineradas [6].

unidades-mineradas

Cerca de três meses atrás foi lançada uma outra criptomoeda que é derivada do Bitcoin, chamada de Bitcoin Cash, através do processo chamado de hard fork [7]. Nesta nova criptomoeda o algoritmo que realiza as transações foi melhorado, sendo que uma das melhorias propostas é realizar mais transações por segundo. Mudanças como essa são possíveis de serem realizadas, e é possível que esse valor inicial de 21 milhões de bitcoins aumente, basta que o protocolo do bitcoin seja alterado para permitir uma oferta maior.

Por não ser emitido por algum governo ou banco central, o risco real da moeda advém de análises realizadas sobre seu valor – que estaria muito alto ou baixo, de que seria uma bolha, etc – e também da segurança do próprio sistema de mineração e conservação – a demanda deve cair com a descoberta de casos de sumiço de moedas ou incapacidade de transacionar, por exemplo. Estes fatores influem sobre as expectativas de compra e venda dos agentes e podem alterar o preço.

A diferença é não ter um agente central controlando a quantidade de moedas: esse controle é feito pelo próprio algoritmo matemático que o gera – inclusive a própria inflação é definida pelo algoritmo, com correções a cada quatro anos [8].

Pode existir uma bolha de criptomoedas? Possivelmente sim, pois a existência de diversas outras não assegura por si só que elas tenham a mesma segurança do Bitcoin.

Enquanto uma moeda comum tem sua emissão controlada, o que significa que em teoria não tem limite de expansão, o Bitcoin faz parte de um universo limitado de expansão por termos técnicos. Imaginando um cenário hipotético em que tenhamos um banqueiro central, o máximo que ele poderia fazer seria observar a mineração das moedas, uma vez que esta depende da capacidade de processamento de criptografia das máquinas e nada tem a ver com sua vontade de expandir ou contrair a oferta de moedas disponível (reforça-se: porque esta quantidade já está dada).

Pelo fato do Bitcoin não ter um órgão controlador e regulador, a maioria das pessoas têm certo receio de investir na criptomoeda. Porém, o Bitcoin funciona sobre uma estrutura chamada blockchain, que é altamente distribuída e quase impossível de ser retirada do ar ou invadida.

Existem alguns artigos que mostram como é a estrutura da internet e o que deve-se fazer para destruí-la [9]. Podemos assumir que para fazê-lo com a rede blockchain, o trabalho seria quase o mesmo, tamanha a distribuição e redundância da rede.

A rede blockchain tem uma perspectiva muito grande de uso, por se tratar de uma fonte pública de dados com alta disponibilidade. Grandes empresas já fazem uso de sua estrutura para melhorar suas operações [10]. Futuramente, a blockchain poderá inclusive vir a dar suporte para serviços públicos como cartórios e dados públicos como passaportes e documentos, tudo isso com um baixo custo de operação.

As previsões existentes consideram que, com a atual tecnologia de exploração do Bitcoin, até antes de 2050 deverão ter sido encontradas todas as moedas possíveis [11]. Até lá, considerando que a demanda seja igual ou crescente, há um grande espaço para valorização utilizando-se desta estrutura.

Bitcoin é um meio de transação de emissão descentralizada que tem uma tecnologia consideravelmente segura, os agentes creem que é uma reserva de valor, a demanda é crescente e a oferta se reduz a cada dia, o que mostra o porquê do preço subir. Sem uma adequada difusão como meio de troca – leia-se: caso grandes marketplaces não o aceitem -, é possível que a demanda se reduza a ponto de fazer o preço se reduzir enormemente perante os patamares atuais.

A possibilidade de que a demanda recue acentuadamente por si só não justifica que estejamos observando uma bolha – afinal, com outros ativos também é possível que isso aconteça. Porém, a ideia aqui é sinalizar que, caso isso aconteça, as razões são mais complexas do que simplesmente “as pessoas foram enganadas pela ilusão de comprarem algo hoje para venderem mais caro amanhã”, o que já diferencia o fenômeno atual de bolhas já ocorridas anteriormente.

Mesmo se o Bitcoin for mesmo de uma bolha, a questão vai além da variação de preços ocorrer por motivo especulativo, envolvendo questões técnicas (como uma possível falha na tecnologia que o mantém, por exemplo) ou mesmo de uma grande redução de demanda (no caso de grandes marketplaces a colocarem em desuso). Sua utilidade para transações está sendo aprimorada, talvez não sirva mesmo como é meio alternativo de investimento – uma vez que, atingido o limite, possivelmente haverá estabilidade e não o crescimento observado nos últimos anos.

Estamos diante de algo certamente sem precedentes na história das moedas, ou ao menos do surgimento de uma totalmente inédita maneira de reservar valor.

 

Caio Augusto – Equipe Terraço Econômico

Diego Pedroso – Mestrando em Computação pela UFSCAR

 

Notas e Referências

[1] http://porque.uol.com.br/cards/moeda-funcoes-basicas/

[2] https://conteudo.startse.com.br/mercado/taina/amazon-pode-aceitar-bitcoin-partir-de-outubro-ou-criar-propria-moeda/

[3] Veja que Economist (https://www.economist.com/news/leaders/21722841-latest-frenzy-tulipmania-gold-rush-or-dotcom-boom-what-if-bitcoin-bubble), J P Morgan (https://www.theguardian.com/technology/2017/sep/13/bitcoin-fraud-jp-morgan-cryptocurrency-drug-dealers) e Warren Buffet (https://www.coindesk.com/real-bubble-billionaire-warren-buffett-doubles-bitcoin-doubt/) não apresentam este ponto em suas argumentações para justificar que seria uma bolha

[4] http://elias19r.com/files/cv/tcc1-monografia_7987251.pdf?i=1

[5] https://smartmundo.com/escassez-artificial-do-bitcoin-simula-o-ouro/

[6] https://blog.foxbit.com.br/os-bitcoins-vao-acabar-entenda-marca-dos-21-milhoes-de-btc/ e https://blockchain.info/pt/charts/total-bitcoins?timespan=all

[7] http://www.investopedia.com/terms/h/hard-fork.asp

[8] https://blog.coinbr.net/chegou-o-grande-dia-do-halving-e-agora/

[9] http://gizmodo.uol.com.br/como-destruir-a-internet/

[10] https://tecnoblog.net/226096/ibm-rede-blockchain-pagamentos/

[11] https://guiadobitcoin.com.br/o-que-acontecera-com-o-bitcoin-depois-que-as-21-milhoes-de-moedas-forem-mineradas/

Dados dos gráficos extraídos de https://blockchain.info/pt/charts e https://www.coindesk.com/price/

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em novembro de 2017:

– Terraço Econômico (08/11/2017): http://terracoeconomico.com.br/21-milhoes-como-limite-bitcoin-talvez-nao-seja-uma-bolha

– Investing.com Brasil (08/11/2017): https://br.investing.com/analysis/21-milhoes-como-limite-bitcoin-pode-nao-ser-uma-bolha-200218455

– Money Times (08/11/2017): https://moneytimes.com.br/21-milhoes-como-limite-bitcoin-pode-nao-ser-uma-bolha/

– InfoMoney (09/11/2017): http://www.infomoney.com.br/blogs/economia-e-politica/terraco-economico/post/7067962/milhoes-como-limite-bitcoin-pode-nao-ser-uma-bolha