Já está amplamente enraizado como conhecimento popular tupiniquim que algo dificílimo de ser feito é o tal do “agradar a gregos e troianos”. Isso quer dizer que não tem jeito: ao tomar decisões, ainda mais as que envolvem muitas pessoas – ou populações -, alguém(ns) sempre ficará(ão) desagrado(s). Mas e o “desagradar a gregos e troianos”, também seria tão difícil? O Plano Pró-Brasil mostra que não.
Não é surpresa para ninguém que a crise sanitária provocada pelo Coronavírus está provocando diferentes reações de governos ao redor do mundo e que, além da sua elevadíssima taxa de transmissão e contágio, essa doença também está sendo veloz em levar recessão econômica aos países. Considerando esse cenário de profunda desaceleração econômica global, a maior desde 1929 segundo o FMI, é que o governo federal apresentou um plano de retomada pós-crise intitulado como Plano Pró-Brasil. Esse plano, que parece se inspirar no famoso “Plano Marshall”, visa reativar os investimentos em infraestrutura, objetivando criar 1 milhão de empregos com obras públicas, prevendo aportes de R$ 30 bilhões até 2022.
Apesar do momento de profunda crise, o Plano Pró-Brasil parece estar muito longe de ser uma solução ou sequer de ser um paliativo eficiente. Tal diagnóstico se dá pelo fato de que, tais quais ideias como congelar preços e inserir cláusulas de conteúdo nacional em produções diversas (como meio de incentivar a indústria brasileira), o mote deste programa falha em não ter determinações em termos de prazos e objetivos reais, mantendo-se apenas apegado a chavões e expressões bonitas que nada apresentam em termos de ideias novas ou eficientes.
Se por um lado esse plano vai na direção oposta a toda agenda liberal que estava sendo praticada pela atual equipe econômica do Ministério da Economia – a de privatizações e a de redução do gasto público – por outro, os críticos dessa mesma agenda liberal criticam a timidez e o direcionamento dos gastos desse plano. Ou seja: trata-se de um plano que desagrada a todos de certo modo.
Acerca do Plano Pró-Brasil também falta consenso, e até mesmo dentro do próprio governo federal. Falta de consenso é eufemismo, dado que as diretrizes do plano aparentemente desagradam até mesmo o Ministro da Economia, o “posto Ipiranga”, mais conhecido como Paulo Guedes. O secretário de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Salim Mattar, também teceu considerações acerca da inviabilidade do atual esboço do Plano Pró-Brasil. Segundo o secretário, essa inviabilidade consiste na incapacidade atual do governo brasileiro de financiar um plano nos moldes do Plano Marshall.
Outro “calcanhar de Aquiles” do Pró-Brasil é a sua associação com o malfadado Programa de Aceleração ao Crescimento (PAC) – feita, inclusive, pelo próprio Guedes. Mesmo correndo o risco de cair em anacronismo, a comparação entre os dois planos é quase que involuntária, dado que os dois planos envolvem elevados gastos públicos direcionados para o setor da construção civil e um certo descompasso entre ideias megalomaníacas e seus respectivos custos de execução. Esse tipo de comparação é outro ponto negativo, dado que o PAC serviu como instrumental para um gigantesco esquema de corrupção, tendo envolvido as maiores empreiteiras do país.
A expressão “de boas intenções o inferno está cheio” também ajuda a explicar esse plano. Tal qual o PAC, a ideia é de, em um período bastante complicado para a economia, colocar o Estado como sendo motor da manutenção das atividades. Em teoria isso não parece ser ruim, dado que, por ser o ente com maior capacidade de endividamento, o Estado realmente tem cacife para isso. Porém, os entornos de todo tipo de programa desse tipo em nosso país de Estado gigante mostram que, no fim das contas, quem tiver mais força conseguirá recursos (independente de precisar deles ou não), projetos tentados anteriormente com ineficiência mais de uma vez – como a tal da indústria naval brasileira – voltam para uma nova malfadada tentativa e, é claro, a bonita foto em que são enquadradas as supostas “conquistas do Brasil Grande” esconde a parede manchada dos custos que ficarão para as próximas gerações.
E não é força de expressão: no caso do PAC pagaremos os subsídios até 2060 – e, aparentemente, apesar do “Plano Marshall” da época, não tivemos avanços na produtividade do país, embora algumas empresas tenham gostado bastante do dinheiro barato utilizado para os seus projetos.
No fim das contas, tenha o leitor bastante claro em sua mente que, quando o dinheiro barato é colocado na mesa, ninguém é tolo de não pegá-lo. Essa ideia de que “apenas quem precisaria se utilizaria de recursos de um programa desse tipo” tapa o sol com a peneira. Em plena época de pandemia, em que a trajetória da dívida pública (aparentemente terminada com a reforma da previdência, dado que nada de tão relevante assim veio após ela) mostra que uma estabilidade esperada para 2022/2023 em torno de 80% só vá acontecer com sorte após 2030 superando 100% do PIB, é bastante temerário que se pense com seriedade em um plano que envolva a ampliação da participação do Estado de maneira maciça na economia.
Um adendo importante sobre esse tipo de programa é que ele promove na economia o que chamamos de efeito crowding out. Esse efeito, saindo do economês, significa o seguinte em termos práticos: já que o governo está atuando nesse setor, não faz sentido que eu em vias privadas atue. A grande dificuldade sobre isso é que há impossibilidade lógica do governo atuar em todas as áreas possíveis e, quando começa a ficar muito cara essa aventura empreendedora e ele decide sair, deixando muitos setores que talvez nem deveriam estar presentes com reclamações evidentes.
Novamente citamos aqui a indústria naval como exemplo: mesmo sendo mais eficiente adquirir navios estrangeiros vemos uma tentativa por parte do Estado de tempos em tempos de “fazer uma indústria nacional” disso; na prática o dinheiro é despendido, quando fica caro o Estado pula fora e a conta, juntamente com os desempregados, ficam, com o perdão da expressão, a ver navios.
É importante ressaltar que esse artigo não quer dizer que o Estado tenha de ter efeito nulo sobre a pandemia que vivemos atualmente. Ele tem mesmo que participar com medidas de alívio aos agentes produtores e consumidores. Porém há uma diferença notável entre oferecer um alívio durante o tempo da pandemia e esticar o rol de gastos do governo de maneira mais perene – especialmente levando em consideração que, caminhando para o sétimo ano seguido em déficit primário, não tenhamos condições reais de arcar com esse tipo de ideia.
Desse modo o Programa Pró-Brasil comprovou que sim, é possível desagradar a gregos e troianos sem dificuldade alguma. Do lado liberal ficou a ilusão de que esse governo viria para permitir que a iniciativa privada atuasse onde fosse mais eficiente e que o Estado se manteria nas regras do jogo. Já do lado mais estatizante fica o reclame de que “se a Alemanha faz tanto pelo seu povo nesses tempos difíceis podíamos fazer mais por aqui” (deixando de levar em conta, tal qual o governo que criticam tanto ser neoliberal ou algo que o valha, a dificuldade em fechar as contas que já dura quase uma década).
A receita para fazer isso é razoavelmente simples e está sendo executada agora novamente. Basta criar um plano que pretenda elevar os gastos públicos a partir de investimentos em um setor econômico previamente escolhido, provavelmente o da construção civil, que além de ser de baixa complexidade, também está relacionado a graves casos de corrupção na história recente. Claro, não podemos esquecer do principal, tudo isso é para “ativar a economia do país”.
Pelo visto, a pergunta sobre se veríamos esse filme novamente está sendo respondida a passos largos. Sim, veremos.
Publicado no Blog da Guide Investimentos em 24/04/2020