Considerando o panorama de contas públicas em nosso país nos últimos anos, o tópico mais recorrente em discussão é a questão da reforma da previdência. Trata-se de um dos sistemas mais tradicionais dentro do mercado de trabalho em nosso país. Literalmente, gerações já iniciam sua carreira profissional pensando no tão sonhado dia em que irão se aposentar.
Dado o caráter praticamente petrificado desta estrutura, qualquer discussão a respeito de alterar esta expectativa logo recebe o direcionamento de ser uma “tentativa de acabar com sua aposentadoria”. Foi assim no segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, no primeiro governo de Lula, quando Dilma ponderou sobre colocar uma idade mínima em seu primeiro mandato e durante o tempo de Temer.
Agora, com Bolsonaro, não seria diferente: o recém-iniciado governo de Bolsonaro, mesmo entre idas e vindas no que propôs até chegar na proposta final. Por um lado isso demonstra uma abertura maior a ouvir todas as partes, enquanto por outro sinaliza ou um despreparo a respeito do que vai ser oferecido (apesar das intenções de mudar consideravelmente a estrutura) ou mesmo uma discordância entre colocar para discussão uma reforma idealizada como Paulo Guedes pensa e colocar uma “que seja capaz de ser aprovada” (portanto, mais branda) como Jair Bolsonaro já mencionou.
As idas e vindas do que propõe essa reforma fazem com que este artigo torne-se obsoleto caso ouse enunciar alguns números, seja do que será possível economizar em uma janela de dez anos (já ouvimos entre R$1 bi e R$1,3), da janela de transição (poderia colocar a regra para valer a partir de 2022 ou passar 12 anos mudando) ou mesmo das idades mínimas propostas (que já foram de 62 e 57 ou mesmo 65 e 62 para homens e mulheres, respectivamente). Ainda assim, é preciso que sejam apresentadas as incoerências que tal reforma procura corrigir.
Primeiramente, a concentração de renda que ela gera. Hoje temos cerca de 30 milhões de aposentados pelo INSS e três milhões aposentados pelo regime de previdência pública. Proporcionalmente falando, este segundo grupo apresenta um déficit – diferença negativa entre recursos destinados ao pagamento das aposentadorias e o que é efetivamente pago – maior que o primeiro.
Em segundo lugar, a insustentabilidade do sistema. Atualmente, o sistema funciona pela chamada repartição de recursos: quem está trabalhando contribui para a aposentadoria de quem já está aposentado, não para a própria aposentadoria no futuro. Isso funcionava bem quando, nos anos 1980, tínhamos 9,2 pessoas em idade ativa para cada aposentado, segundo o IBGE – relação que hoje é de menos de cinco e, nas próximas décadas, rumará para menos de dois. Literalmente, a pirâmide se inverte e impossibilita o futuro do sistema como está. A mudança é urgente.
Finalmente em terceiro, mas não menos importante, as funções do Estado. Alguns advogam pela ideia de que mesmo que exista déficit previdenciário, ainda assim o sistema não deve ser alterado. Como essa despesa é crescente dado o envelhecimento populacional e que todo orçamento tem limite, essa escolha implica que outras áreas recebam menos recursos. Saúde, educação, segurança e outras políticas públicas ficarão ainda mais descobertas pelo curto cobertor orçamentário brasileiro.
Provavelmente você não pensava a respeito das questões elencadas neste artigo porque ouvia que essa reforma era apenas um jeito de “acabar com sua aposentadoria”. A má notícia é que enquanto essas ideias florescem, o sistema previdenciário segue rumo ao abismo – caminho que percorre há algumas décadas, não sendo algo iniciado agora.
A expectativa é que a equipe de Bolsonaro consiga mostrar a importância dessa reforma para que o apoio popular permita que seja aprovada. Ou então a narrativa que venceu nos últimos 20 anos sairá vencedora novamente – e o governo brasileiro virará apenas um enorme pagador de aposentadorias. A escolha está posta.
Publicações deste artigo, que foi escrito em fevereiro de 2019:
– Revista da Associação Comercial e Industrial de Franca (ACIF Franca), Edição 270, Página 48: http://www.acifranca.com.br/SITE/edicao/acif-em-revista-edicao270.html