PEC 106/2015 e a diminuição do Congresso brasileiro: uma unanimidade?

Recentemente, a situação fiscal brasileira e os meios para resolvê-la têm sido pauta de discussão quase diária. A PEC 241 – que institui um teto aos gastos primários do governo federal – está sendo votada e provavelmente será aprovada. Tal mudança leva a um momento de reflexão sobre as prioridades do gasto público no Brasil. Além do limite proposto, é preciso que outras atitudes venham a ser tomadas para que o gasto público realmente sofra uma redução significativa, o que inclui, por exemplo, a urgente reforma da previdência.

Porém, nem todas as medidas apontadas para o controle fiscal envolvem a redução de gastos com serviços à população: como proposta complementar para a redução de gastos, a PEC 106/2015 propõe uma redução em 1/3 do número de deputados federais e senadores no Congresso brasileiro. Com a mudança, o número de congressistas seria reduzido substancialmente – de 513 deputados para 386, e de 81 para 54 senadores.

Vale notar que o apoio a tal mudança parece unânime. Segundo recente Consulta Pública do Senado Federal, o “Fla-Flu” encontrado em quase todas as outras questões de cunho político no país encontra uma trégua ao tratar-se da redução de nossos parlamentares.

 

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Fonte: Consulta Pública no E-Cidadania, Senado Federal (atualizado minuto a minuto) [1].

Porém, como toda unanimidade é perigosa, é sempre sadio analisar os prós e os contras – mesmo quando a medida sinaliza ser de grande valia.

Por um lado, podemos destacar importantes impactos positivos. Primeiro, e mais importante, um menor número de parlamentares reduzirá o gasto com a máquina pública no Brasil (o que, tendo a PEC 241 aprovada, significa que sobrarão mais recursos para áreas essenciais como educação e saúde). Dados de 2016 mostram que o custo das duas casas legislativas supera R$1 bilhão [2] – desta forma, uma redução de 1/3 em parlamentares, mesmo se não for proporcional em despesas com assessores, significaria uma redução entre R$200 e R$300 milhões por ano aos cofres públicos. Se esse número parece grande, é porque o é. De acordo com recente levantamento da ONU e UIP (União Interparlamentar), o Congresso brasileiro é o segundo mais caro em uma lista de 110 países [3]. Já de acordo com a ONG Transparência Brasil em pesquisa feita com doze países em 2013, figuramos como os donos dos parlamentares mais caros, se levarmos em conta o número de candidatos eleitos e a renda no país [4]. Em segundo lugar, com a diminuição do número de cargos teríamos consequentemente, ao menos em parte, aumento do interesse de indivíduos bem intencionados pela política, dado que as resistências maiores (o número menor de vagas e a dificuldade em financiamento após a proibição da participação de pessoas jurídicas) tendem a eliminar os indivíduos que teriam na política única e exclusivamente abrigo para suas intenções de benefício próprio.

Parece então não existir um lado negativo nesta medida. Entretanto, a ansiedade inicial em reduzir o número de “pilantras naquele Congresso, gastando meu dinheiro” (sentimento imaginado de um brasileiro comum, dado a crescente descrença do eleitorado diante da classe política do país) esconde importante reflexão: a questão da representatividade. Como descrito em nossa Constituição, a Câmara dos Deputados é a casa legislativa que representa a população brasileira de maneira proporcional, enquanto o Senado é a casa que representa cada unidade federativa de maneira igualitária. Ao diminuir o número de parlamentares, torna-se claro que um número maior de pessoas terá que ser representada por um número menor de representantes nas casas legislativas. Tal mudança poderá acarretar na menor (ou até inexistente) representação de minorias. Por exemplo, atualmente mulheres correspondem a apenas 9% dos eleitos na Câmara dos Deputados e 13% no Senado, mesmo representando 52% do total de eleitores; com um número menor de vagas no Congresso, esse número pode tornar-se ainda menor, uma vez que candidatas mulheres também recebem um número menor de votos – o que potencialmente não as permitiria vencer a concorrência mais acirrada [5].

Além disso, é possível ponderar que um número menor de parlamentares pode facilitar a organização destes em torno de ações criminosas, como um esquema de compra de votos no congresso (Mensalão, Petrolão) capaz de permitir que um governo vote suas pautas, independente da vontade popular. Afinal, quanto menos deputados e senadores, mais fácil torna-se corrompê-los. Essa concentração de poder pode ser perigosa.

Nesse sentido, junto à redução de custos viria a possibilidade de redução da representatividade de grupos capazes de eleger um ou outro parlamentar a mais e, simultaneamente, um aumento na corrupção pode ser esperado uma vez que o orçamento a ser controlado por cada parlamentar fica maior (o custo das casas legislativas diminui, mas o orçamento sob sua responsabilidade não muda com a mudança no número dos políticos).

É claro que ambas as questões de representatividade e corrupção são passíveis de argumentação contrária. A breve história democrática brasileira não possibilita concluirmos haver uma relação causal entre a redução do número de parlamentares e os impactos mencionados, embora esta não seja a primeira vez que uma proposta de diminuição do parlamento vem à tona; em 2008, Clodovil Hernandes (à época deputado federal) propôs uma diminuição ainda maior do que a atual– para 250 deputados – mas acabou não sendo bem-sucedido [6].

Enfim, uma questão que a início pode parecer tão simples, revela-se fonte de uma difícil análise de custo-benefício. A simples matemática nos permite concluir que: um número menor de parlamentares reduz o custo destinado a estes; por outro lado, aumenta a concentração de poder e coloca em risco a representatividade. Porém ela nos deixa a pergunta: em um Brasil com menos senadores e deputados, qual efeito será preponderante?

 

Caio Augusto – Editor Terraço Econômico

Rachel de Sá – Editora Terraço Econômico

 

Notas:

[1]          http://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=122432

[2]          http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/lista-todos-os-salarios-e-beneficios-de-um-deputado/ e http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/lista-veja-quanto-custa-um-deputado-e-um-senador/

[3]          http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/94210-congressista-brasileiro-e-o-2-mais-caro-entre-110-paises.shtml

[4]          http://excelencias.org.br/docs/custos%20do%20congresso%202013.pdf

[5]          http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/03/08/lugar-de-mulher-tambem-e-na-politica

[6]          http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/NAO-INFORMADO/125138-PEC-DIMINUI-NUMERO-DE-DEPUTADOS-FEDERAIS-PARA-250.html

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em outubro de 2016:

– Terraço Econômico (31/10/2016): http://terracoeconomico.com.br/pec-1062015-e-diminuicao-do-congresso-brasileiro-uma-unanimidade 

– InfoMoney (01/11/2016): http://www.infomoney.com.br/blogs/economia-e-politica/terraco-economico/post/5693549/pec-106-2015-diminuicao-congresso-brasileiro-uma-unanimidade 

 

“Jeitinho brasileiro”: regras e discricionariedade

Um problema atemporal do Brasil é o famigerado “jeitinho brasileiro”. O velho conhecido chavão tem origem na ideia de que “regras existem para ser quebradas” – mas, surpreendentemente, sempre é o outro que está errado quando isso ocorre, porque quando a regra é quebrada pelo próprio indivíduo, supostamente existe sempre uma razão completamente justificável para tê-lo feito.

Não se sabe exatamente como seria possível datar o início desta questão tão complicada – não exclusivamente brasileira, mas “aperfeiçoada” por aqui –, mas uma das vertentes que pode ser explorada é a da chamada discricionariedade, que significa, em termos práticos, a ação baseada em pensamento livre (eventualmente dentro da lei, mas sem seguir alguma regra).

Um exemplo ajuda a deixar o que o termo discricionariedade significa: recentemente foi aprovada uma alteração no Código Brasileiro de Trânsito (em seu artigo 228) que institui multa para som automotivo a quem estiver “perturbando o sossego público” sem que seja medido (com um medidor de decibéis) este barulho [1]. Outro exemplo interessante são as “leis da vadiagem” (que ainda ocorrem em alguns lugares do país), que instituem que aqueles que nada estiverem fazendo devem ser autuados e até presos justamente por isso [2]. A semelhança entre os dois casos é simples: em vez de se basear em algum critério objetivo (a superação de um nível de ruído apresentado em um decibilímetro no primeiro caso ou a efetiva prática de algum delito previsto em lei no segundo), o que existe é a abertura para interpretação (do que seria “som que perturbe” ou “atitude suspeita de vadiagem”).

Neste ponto pode ser que o leitor imagine que não há ponto em comum entre esta questão sendo abordada e a economia – ou que, mesmo que esta tangência exista, ela não tenha influência sobre as relações econômicas. A relação entre a discricionariedade e a economia tanto existe que já demonstrou seus efeitos: nos idos de 2012 e 2013 tivemos uma redução da Selic realizada por motivação e influência do governo federal (e não por alguma regra que pudesse estar guiando-a) [3] e os efeitos tanto em juros quanto em inflação e outras variáveis são sentidos até hoje.

Não se trata de aqui colocar em pauta que toda relação econômica deva ser regida por regras – primeiramente porque existem casos em que isso aumentaria o custo (nem toda viatura policial possui um decibilímetro, talvez seja esse um dos motivos da alteração no CBT) e, além do mais, porque isso congelaria as relações e seria improdutivo –, mas sim de gerar uma reflexão: é possível que as relações sociais sejam desenvolvidas por uma associação entre regras estabelecidas e “bom senso” de quem as aplica? Ou não seria melhor ancorarmo-nos em princípios mais objetivos? Deixar a responsabilidade pela aplicação de uma regra sob o direcionamento discricionário de quem irá aplica-la parece mesmo uma boa ideia?

Daron Acemoglu e James Robinson são dois autores que pesquisam o porquê de as nações enriquecerem ou empobrecerem ao longo do tempo. Uma das razões principais apontadas são as instituições – que, trazendo para a atual análise, são as boas regras sendo seguidas por todos e válidas a todos [4]. Segundo pesquisas do autor, essa é a chave que cria incentivos para a economia avançar: a isonomia perante a lei. Seu pensamento é sumarizado na imagem abaixo:

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Fonte: Página “Por quê? – Economês em Bom Português” [5]

Tão complexo quanto mapear a origem deste problema – a ausência de isonomia na aplicação das regras – é encontrar caminhos que possam mudar esta realidade. Porém, esta mudança pode ocorrer por meio de dois tipos de atitudes: a mudança dos incentivos (como pelo projeto das Dez Medidas Contra a Corrupção [6]) ou a imposição de fiscalização de “atuação fria” (colocar um radar e fornecer manutenção/calibragem diminui a quase zero as chances de uma “multa que não deveria ter sido recebida”). O segundo tipo de ação costuma ser mais custoso e tem menos possibilidade de efetivação (é mais fácil colocar um radar em vias perigosas do que decibilímetros em todas as viaturas do país), mas é o que mais tem capacidade de evitar questionamento, justamente por basear-se em critérios objetivos.

O “jeitinho brasileiro” ainda tem um longo caminho pela frente e uma mudança deste posicionamento depende não só de maior rigidez em fiscalizações como também da movimentação de incentivos que possam mobilizar os agentes em torno de melhorias de comportamento. Caso estas ações não tenham lhe trazido nada a mente, duas palavras o farão de imediato: Lava Jato. Pense no efeito de colocar na cadeia os maiores empreiteiros (como Marcelo Odebrecht) e os mais poderosos chefes políticos do país (como Eduardo Cunha) pode ter sobre a discussão do cometimento de outros ilícitos e sobre a efetividade da justiça como “ferramenta utilizada de maneira isonômica a todos os indivíduos”.

Estamos no caminho das mudanças positivas – o próprio Acemoglu afirmou isso alguns meses atrás [7] –, mas é sempre salutar estarmos refletindo sobre a diferença entre quem aplica a regra e a regra em si, para justamente não cairmos na tentação de, como sugerem alguns políticos, confundirmos “aqueles que abriram as portas para a investigação” com “aqueles que não devem ser investigados porque permitiram que outros fossem investigados”. Essa “carta branca” deve ser concedida apenas aos que realmente não cometem delitos, não aos que apontam questões de outros indivíduos.

 

Caio Augusto – Editor Terraço Econômico

 

[1] http://g1.globo.com/carros/noticia/2016/10/multa-por-som-alto-agora-pode-ser-aplicada-sem-medidor-de-decibeis.html

[2] http://g1-globocom.jusbrasil.com.br/noticias/2365554/lei-da-vadiagem-e-raramente-aplicada-mas-ainda-persiste-no-pais

[3] http://terracoeconomico.com.br/a-regra-de-taylor-e-clara

[4] Os autores mantem um blog para levantar discussões; o blog é homônimo ao livro: http://whynationsfail.com/

[5] https://www.facebook.com/porque.economia/photos/pb.459776257519499.-2207520000.1477338435./706540382843084/?type=3&theater

[6] http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/

[7] http://exame.abril.com.br/revista-exame/o-lado-meio-cheio-do-copo/

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em outubro de 2016:

– Terraço Econômico (26/10/2016): http://terracoeconomico.com.br/jeitinho-brasileiro-regras

 

Trocando fluxos de caixa para economizar os juros

Não façam isso em casa, amiguinhos. Mas a criatividade merece ser citada…

Recentemente viralizou nas redes a imagem abaixo, que trata de um meio de economizar, em uma dívida do cartão de crédito, a despesa com juros:

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Seria isso uma pegadinha? Por incrível que pareça, não! Trata-se apenas de um meio de trocar o fluxo de caixa do cartão de crédito (com juros altos) pelo fluxo de caixa do MercadoPago (com juros substancialmente menores).

Veja, na prática, o que acontece com uma dívida de R$1000,00:

– Mantendo-a no cartão de crédito, num cenário de não pagamento da fatura total (o que implica nos juros de 480% ao ano sinalizados), você terá um montante a pagar ao final de doze meses de R$5800,00 – em que R$4800,00 são apenas juros, enquanto a dívida real segue sendo de R$1000,00;

– Fazendo a troca sugerida pelo Bernardo: 2,92% ao mês são 41,2528% ao ano de juros – o que significa que, nas mesmas condições descritas acima, ao final do ano você teria uma dívida total de R$1412,53.

A diferença é enorme: o montante a pagar reduz-se em impressionantes 91,41% com a troca de fluxo de caixa.

É claro que a melhor ideia sempre é não precisar depender de crédito, principalmente devido aos altos juros existentes no país. Mas a ideia do internauta realmente faz sentido para aplicação prática! Mas, convenhamos: a prática é legal do ponto de vista ético? Isso fica para um outro momento…

Caio Augusto – Editor Terraço Econômico

Publicações deste artigo, que foi escrito em outubro de 2016:

– Terraço Econômico (28/10/2016): http://terracoeconomico.com.br/trocando-fluxos-de-caixa-para-economizar-os-juros

Qual poderia ser o preço da gasolina se não houvesse congelamento?

A Petrobrás anunciou no dia 14/10/2016 que haverá uma redução nos preços de seus combustíveis [1]. Porém, onde será que eles estariam caso não tivesse ocorrido política de congelamento [2]? Vamos aos dados!

Gasolina é um derivado de petróleo. Então, naturalmente, oscilações de seu preço devem derivar de oscilações no preço da matéria prima, pelo menos em parte. Esse é o histórico mensal dos últimos 15 anos para o preço do barril de petróleo (brent), em reais:

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Fonte: Index Mundi (valores multiplicados pelas cotações mensais do dólar obtidas no site do Banco Central do Brasil). Elaboração própria.

Neste mesmo período, eis os preços da gasolina nos EUA e no Brasil. A diferença entre os preços praticados nos dos países se dá, dentre outros motivos, pelo acompanhamento dos preços do petróleo por lá e uma espécie de congelamento de preços por aqui. Entram nesta conta também outros fatores como os custos logísticos, de estrutura e refino, mas ainda assim a diferença notada é sensível. Vejamos os dados (já colocados ambos em R$/L):

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Fonte: ANP (gasolina comum brasileira) e Index Mundi (gasolina comum do Texas, convertida de US$/Galão para R$/Litro). Elaboração própria.

Veja que, enquanto a gasolina dos EUA variou por todo o período, a brasileira ficou estacionada nas proximidades de R$2,50/litro por cerca de quatro anos e, após isso, apenas tomou o caminho da subida.

A conclusão de que a gasolina dos EUA se correlaciona com o preço do petróleo não é óbvia. Por isso devemos ver mais dados – ei-los: nos últimos 15 anos, a correlação é alta entre o preço de um e de outro:

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Fonte: Index Mundi.

Respondendo à pergunta título, então: onde estaria o preço da gasolina brasileira caso tivéssemos seguido os preços do petróleo? Segundo esta previsão, nas proximidades de R$2,72! Cálculo utilizado para se chegar aos preços hipotéticos: a partir do início do congelamento de preços brasileiros (segundo trimestre de 2006) foi utilizado como fator de correção mensal dos preços da gasolina 70% da variação dos preços do Brent em R$ para o período (de modo análogo ao que ocorre com a gasolina dos EUA):

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Fonte: ANP (gasolina comum brasileira) e Index Mundi (variações mensais nos preços do brent). Elaboração própria.

Fica no ar o questionamento: valeu a pena segurar o preço por meio de subsídios (que além de terem contribuído para tornar a Petrobras a empresa não-financeira mais endividada do mundo ainda prejudicaram fortemente a cadeia do etanol [3]) e deixar de acompanhar os preços internacionais do petróleo?

Observemos os dois lados da questão:

– Pelo lado positivo: tivemos a gasolina – e, consequentemente, o álcool – em valor abaixo do que poderia ter sido caso seguíssemos os preços internacionais em boa parte do período, o que pode ser considerado interessante pelo lado do consumidor;

– Pelo lado negativo: o setor de álcool ficou financeiramente inviável, a Petrobras tem hoje a maior dívida corporativa do mundo (dados também os subsídios para segurar este preço), a inflação sofreu enorme pressão para readequação dos preços e, para completar, hoje temos uma gasolina aproximadamente R$0,85 mais cara por litro do que poderíamos ter, segundo esta simulação (e isso se dá, dentre outras questões, pela necessidade de a Petrobras gerar caixa diante da enorme dívida que acumulou para segurar os preços [4]).

Independente da opinião sobre ter valido a pena ou não seguir por este caminho, a nova política de preços anunciada envolve a ocorrência de reuniões mensais para discussão dos preços – e adequação aos padrões internacionais. A parte boa é que voltaremos ao realismo destes preços (ao menos teoricamente), mas a parte ruim é que partiremos para qualquer aumento ou queda de um preço médio de R$3,60, enquanto poderíamos estar há pelo menos dois anos nos beneficiando de uma queda contínua no valor do combustível. Inquestionável é o fato de que seguir a receita do congelamento de preços pode até representar algo interessante no curto prazo, mas mostra seus efeitos – geralmente danosos – ao longo do tempo.

Caio Augusto – Editor Terraço Econômico

Notas:

[1] http://www.infomoney.com.br/petrobras/noticia/5640209/petrobras-anuncia-reducao-preco-gasolina-diesel-nas-refinarias

[2] São diversas as reportagens, mas algumas delas estão nos seguintes links:https://mansueto.wordpress.com/2014/03/03/a-politica-equivocada-do-reajuste-dos-precos-dos-combustiveis/

http://extra.globo.com/noticias/economia/ometto-critica-politica-de-precos-de-combustiveis-12513403.html

http://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/gasolina-preco-congelado-cria-distorcoes-na-economia-374409.html

http://carros.uol.com.br/colunas/alta-roda/2012/08/28/petrobras-errou-ao-congelar-preco-da-gasolina-e-producao-do-etanol.htm

[3] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/03/1425955-subsidio-a-gasolina-prejudica-etanol-e-petrobras-diz-especialista.shtml

[4] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,necessidade-de-fazer-caixa-impede-petrobras-de-importar-deflacao,1753158

Fontes dos gráficos

Histórico do Brent e da Gasolina nos EUA, ambos em dólares (e gráfico comparado de variações)http://www.indexmundi.com/pt/pre%E7os-de-mercado/?mercadoria=petr%C3%B3leo-bruto-brent&meses=180&mercadoria=gasolina

Histórico gasolina comum brasileira: ANP http://www.anp.gov.br/?pg=70969&m=pre%E7o%20

Cotação do dólar: Banco Central do Brasil http://www.bcb.gov.br/pt-br/#!/n/txcambio

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em outubro de 2016:

– Terraço Econômico (17/10/2016): http://terracoeconomico.com.br/onde-poderia-estar-o-preco-da-gasolina-se-nao-tivesse-havido-congelamento

– InfoMoney (18/10/2016): http://www.infomoney.com.br/blogs/terraco-economico/noticia/5647862/qual-poderia-ser-preco-gasolina-nao-houvesse-congelamento?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=Lara+Rizerio

Expectativas econômicas importam – principalmente quando positivas como agora

A pergunta que os economistas mais têm ouvido nos últimos tempos é direta: “se ainda estamos caindo, por que agora com esse governo é melhor do que era no governo anterior?”. Excluindo toda questão que envolve partidarismos, a resposta é relativamente simples: ao menos as expectativas mudaram.

Expectativa – na economia, assim como na vida – é o sentimento de antecipação de algum acontecimento futuro (que acaba por se traduzir em ação no tempo presente). Aguardando uma situação, desde já se supõe que os agentes econômicos (as pessoas) tomarão certas atitudes para aproveitar melhor as oportunidades e/ou mitigar da melhor maneira possível os danos a enfrentar.

No campo da economia existem basicamente duas teorias sobre as expectativas: a das expectativas racionais [1] (cuja hipótese é a de que os agentes utilizam todos os dados atuais e previsões futuras para tomar decisões) e a das expectativas adaptativas [2] (centrada na ideia de que o que ocorrerá no futuro baseia-se no que já ocorreu no passado). Sem entrar no mérito qualitativo de cada uma das duas, é importante ressaltar que ambas já influenciaram o desenvolvimento de diagnósticos econômicos em nosso país: enquanto a primeira tem sido reforçada pelo governo atual e sua equipe econômica (Meirelles afirma, sempre que possível, que os investimentos irão retornar devido as mudanças que estão sendo feitas hoje), a segunda foi utilizada pelas equipes econômicas nos anos 1980 para explicar a chamada “inflação inercial” (ideia de que a inflação atual resulta da anterior somada às expectativas futuras para o índice).

Por meio das expectativas – medidas, por exemplo, pela FGV [3] – podemos observar mudanças em toda a economia. Recentemente, o grande fator capaz de gerar mudanças nas expectativas que tivemos foi o impeachment de Dilma Rousseff e a entrada de Michel Temer. Novamente reforço: afastando-se todo e qualquer partidarismo que esta questão envolveu, observamos uma considerável mudança nas expectativas.

Para demonstrar o que isso significa, vamos voltar um pouco no tempo, observando desde o segundo trimestre de 2014: naquele ano tinha-se o diagnóstico de que o crescimento diminuía e uma recessão se aproximava – mas, talvez dadas as manobras da chamada “contabilidade criativa”, a situação não parecia tão caótica como acabou sendo; em outubro, reelege-se Dilma Rousseff e isso sinaliza o pensamento de que, independente do cenário a ser encontrado no ano seguinte, dificilmente ele terá o tratamento adequado.

Dilma escolhe Joaquim Levy – vindo do Bradesco (uma posição respeitada no mercado financeiro), também havia sido secretário do Tesouro Nacional no governo Lula – como Ministro da Fazenda. O impacto inicial é positivo, mas, não tendo ele conseguido as mudanças pretendidas, tornou-se a ocorrer desgaste, mesmo considerando que era apelidado de “Joaquim Mãos de Tesoura” dada sua orientação em favor da austeridade fiscal. Sai Levy, entra Nelson Barbosa (membro da equipe econômica no período de Guido Mantega, conhecido por apoiar as políticas da chamada “contabilidade criativa”): as expectativas seguem derretendo. O afastamento de Dilma Rousseff e entrada de Michel Temer em maio, após votação na câmara dos deputados, faz com que as expectativas comecem a sinalizar que pararam de piorar; efetivação do impeachment e confirmação de Michel Temer como presidente do Brasil: melhoria nas expectativas; situação atual: esperança de mudanças já está movimentando positivamente os índices.

O que a mudança nos índices de confiança revela? A melhora ou piora nas condições econômicas do país, basicamente. Junto a estes índices de confiança interna, podemos analisar também outros fatores que influenciam bastante o dia-a-dia do brasileiro mesmo sendo de natureza externa, como a cotação do dólar (muitos produtos utilizados na produção de bens de consumo são importados, como o trigo do pão de todo dia) e o Risco Brasil (a diferença entre a taxa de retorno dos títulos de países emergentes e a remuneração do título do tesouro dos EUA, que sinaliza como o mundo enxerga o país e acaba por influenciar na decisão entre investir produtivamente e especular nestes países):

cotacao-dolar

Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.

risco-brasil

Fonte: IPEA Data. Elaboração própria.

indices-de-confianca-1

Fonte: Sondagens e Índices de Confiança da FGV. Elaboração própria.

É possível observar claramente nos dados acima que com o aumento da definição de questões políticas – e o aumento da possibilidade do encaminhamento de resoluções para a crise econômica advinda disso – a partir do segundo trimestre de 2016 tivemos uma melhoria em todos os índices (redução da cotação do dólar e do risco Brasil e aumento dos índices de expectativas de todos os setores). Neste ponto ainda podemos levantar o questionamento sobre a continuidade de tais expectativas positivas (ou seja, se as reformas que as ancoram realmente irão adiante). Porém, os impactos sobre a geração de empregos, a diminuição da inflação e queda dos juros vem a reboque dessa melhoria de expectativas: a inflação já começa a dar sinais de arrefecimento e os juros sinalizam uma trajetória de queda – apenas o desemprego continua em defasagem (este devido também ao rígido sistema trabalhista em que temos um custoso processo de contratação e também de demissão, o que faz com que efeitos positivos demorem mais para serem sentidos), mas deve começar a se reverter nos próximos trimestres.

Além dos dados – demonstração quantitativa da estabilização e melhoria moderada da economia –, temos também a palavra de economistas e dos próprios investidores em levantamentos realizados tanto quando do afastamento de Dilma Rousseff (em maio) quanto da posse de Michel Temer como Presidente da República (no último dia de agosto). Nas proximidades do afastamento temporário, tínhamos opiniões como a de Samuel Pessôa de que era preciso ser cauteloso com o Brasil dadas suas dificuldades políticas e econômicas, e não seria fácil sairmos desta situação mesmo considerando a troca de governo [4]. Quando do afastamento temporário, a opinião era de que a resposta ao fato foi moderada – o que talvez tenha sido justificado pelos ajustes que já vinham ocorrendo desde o final do primeiro trimestre, quando se aproximavam as especulações de que o impeachment ocorreria [5]. Na proximidade da votação final no Senado Federal, o otimismo era mais declarado: análise da Câmara de Comércio Americana (AmCham) apontou que 48% dos diretores financeiros no CFO Fórum (em 23 de agosto) esperavam a questão se resolver para aumentar os investimentos [6], enquanto uma entrevista na IstoÉ Dinheiro revelou a opinião preponderante de diversos empresários de grandes empresas brasileiras de aguardar esta resolução para investir [7].

Atualmente, a maneira mais direta e acessível para acompanhar variáveis econômicas e suas mudanças em expectativas é o Boletim Focus divulgado pelo Banco Central [8], que sumariza as expectativas do mercado para os próximos 12 meses – e um acompanhamento da divulgação semanal deste material mostra que a situação está melhorando (atualmente mais em virtude da melhora de humor do mercado do que por mudanças realizadas, mas tendo como cenário base de que elas ocorrerão).

Em suma, o que podemos compreender com toda esta apresentação sobre a influência das expectativas na economia de um país – em especial, no caso do Brasil – é que a diferença entre olhar um dado ocorrido de queda de PIB de 3,8% (o de 2015) e uma previsão de nova queda de 3,2% (o que indicam as mais recentes previsões, sobre ao ano de 2016) vai muito além dos 0,6% que o separam: devem ser mais bem observados os dados de expectativas, pois estes sinalizam as tendências do que deve ocorrer e ajudam a compreender os fenômenos econômicos de maneira concatenada com a realidade – justamente para permitir, de fato, que a resposta para “se ainda estamos caindo, por que agora seria melhor?” seja simplesmente “porque as expectativas sinalizam isso”.

Caio Augusto – Editor Terraço Econômico

Notas

[1] http://www.fep.up.pt/docentes/pcosme/S-E-1/se1_trab_0910/se1.pdf

[2] Um breve modelo testável dessa teoria pode ser encontrado neste link:http://www.digitaleconomist.org/aex_4020.html

[3] http://portalibre.fgv.br/main.jsp?lumChannelId=402880811D8E34B9011D92BA032B198D

[4] Veja o artigo de Samuel Pessôa, na Revista Conjuntura Econômicahttp://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rce/article/view/62306/60428

[5] http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/05/1770829-investidor-reage-com-otimismo-moderado-ao-governo-temer.shtml

[6] http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/48-das-empresas-esperam-o-fim-do-impeachment-para-investir

[7] http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/economia/20160819/espera-impeachment/405321

[8] https://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/readout.asp

 

Fontes dos gráficos

Cotação do dólar – http://www4.bcb.gov.br/pec/taxas/port/ptaxnpesq.asp?id=txcotacao

Risco Brasil – http://www.ipeadata.gov.br/ExibeSerie.aspx?serid=40940&module=M

Sondagem e Índices de Confiança FGV – http://portalibre.fgv.br/main.jsp?lumChannelId=402880811D8E34B9011D92BA032B198D

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em outubro de 2016:

– Terraço Econômico (11/10/2016): http://terracoeconomico.com.br/expectativas-economicas-importam-principalmente-quando-positivas-como-agora

– Investing.com Brasil (13/10/2016): http://br.investing.com/analysis/expectativas-econ%C3%B4micas-importam-%E2%80%93-principalmente-quando-positivas-como-200158508

Eleições – Tirar o financiamento empresarial não mudou o problema

Economia em Pílula – uma dose rápida de economia no seu dia | por Caio Augusto

Recentemente, tivemos uma alteração nas regras de doação eleitoral: até então, era possível que pessoas físicas e empresas realizassem doações a seus partidos e candidatos de predileção; após esta mudança, apenas pessoas físicas podem fazer isso – além do mais, foi implementado um teto para o custo de campanhas eleitorais [1]. A ideia dessa reforma eleitoral é a de limitar o poder que as empresas teriam sobre as campanhas – que poderiam, como a Lava Jato mostrou, refletir-se em direcionamentos escusos após o processo eleitoral.

Então, agora somente pessoas podem fazer doações para campanhas eleitorais. A pergunta que não quer calar é simples: funcionou? Bem, não é o que mostram diversas reportagens que se referem a dados colhidos pelo TSE, todas do mês de setembro:

report1

[2]

report2

[3]

report3

[4]

Quais os prováveis motivos dessas ocorrências?

  • A política está altamente desacreditada no país – e não é de se imaginar que as pessoas decidam contribuir com campanhas políticas neste momento;
  • Os custos dessas campanhas, mesmo agora tendo limites, seguem existindo;
  • O interesse por parte de quem quer chegar ao – ou continuar no – poder segue existindo, independente do distanciamento da população deste tema.

A combinação destes três fatores sinaliza para um incentivo econômico enorme de se realizarem doações de maneiras supostamente legais – mas que envolvem meios escandalosos, como o uso de CPF de pessoas falecidas e a doação de valores e prestação de serviços na casa das dezenas de milhares de reais por pessoas inscritas no Bolsa Família (que, pela definição do programa, são pessoas próximas da linha da pobreza).

A intenção era a de reduzir as doações irregulares e a participação de empresas nos processos eleitorais. O resultado foi uma continuidade das doações – agora de maneira no mínimo exótica. Reformas eleitorais costumam ter intenções bastante nobres e geralmente ocorrem em momentos de forte apoio popular e político – com operações como a Lava Jato em ação, seria considerado louco o político que discordasse da tese alarmada de que as empresas subvertem seus interesses via contribuição de campanha –, mas pecam por desejarem (e não alcançarem, como estamos vendo agora) resolver todos os problemas com medidas simples e diretas que não tem este poder.

Trata-se de um tema delicado que, como muitas coisas em nosso país, infelizmente teve um tratamento rápido, indolor e ineficaz. Gilmar Mendes acertou quando cravou que esta mudança formaria um “laranjal de doações” [5].

 

Notas:

[1]          https://www.eleicoes2016.com.br/quais-sao-as-regras-da-doacao-para-campanha-eleitoral/

[2]          http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/09/09/tse-encontra-indicios-de-irregularidade-em-doacoes-que-totalizam-r-266-milhoes.htm

[3]          http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2016/09/tse-detecta-40-mil-doacoes-com-indicios-de-irregularidades.html

[4]          http://www1.folha.uol.com.br/poder/eleicoes-2016/2016/09/1817869-justica-eleitoral-identifica-93-mil-que-doaram-sem-possuir-renda-compativel.shtml

[5]          http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1813931-mendes-afirma-que-laranjal-em-doacoes-eleitorais-esta-se-confirmando.shtml

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em setembro de 2016:

– Terraço Econômico (01/10/2016): http://terracoeconomico.com.br/eleicoes-tirar-o-financiamento-empresarial-nao-mudou-o-problema