Fachin e Moraes: por que suas indicações ao STF fizeram sentido

Recentemente, logo após o falecimento em um acidente aéreo de Teori Zavascki, uma cadeira no STF ficou vaga, e, pouco tempo após esta vacância, Michel Temer indica o nome de Alexandre de Moraes para o posto. Protestos de muitos: ele será partidário (afinal, desfiliou-se do PSDB muito recentemente, logo que indicado a esta vaga), é conservador na questão das drogas, disse anteriormente em um livro que este tipo de indicação não poderia ocorrer (há nesta obra a afirmação de que cargos comissionados não deveriam ir para o STF, e ele, como até então Ministro da Justiça, preenchia justamente um cargo deste tipo antes de sua indicação) – dentre outros apontamentos [1] que o colocariam em um quadro de indivíduo conservador e inclinado ao espectro político da direita. Todos estes apontamentos foram realizados pela ala política que se encontra atualmente na oposição, sendo combatidos pelos que estão na situação.

Não muito tempo atrás, em 2015, situação muito parecida ocorreu, mas com outro candidato – que também acabou aprovado – ao STF. Aos que não se lembram, este é Edson Fachin. Como que em uma sequência de coincidências, este é o atual relator da Lava Jato, tendo assumido esta posição após o acidente fatal de Teori Zavascki.

Neste momento é possível que alguns leitores fiquem indignados e apontem que a comparação é injusta para um ou para outro. Mas há sim motivos que justifiquem a comparação: assim como Moraes, Fachin também teve diversos pontos criticados pelos que estavam na oposição à época de sua indicação ao STF: teria ele sido advogado e procurador do estado do Paraná simultaneamente (para que há proibição atualmente, mas na época era válido), manifestado apoio ao movimento de reforma agrária, se declarado favorável à campanha de Dilma Rousseff em 2010 (o que, diziam, afetaria sua independência), dentre questões adicionais [2] que o colocariam em um perfil de indivíduo socialmente liberal e mais voltado ao lado da esquerda. Em outras palavras: as circunstâncias das duas indicações envolveram acusações de que estes não serviriam ao cargo, dentre outros motivos, por estarem alinhados com o governo de modo a não terem isenção em suas decisões – mas, no final das contas, após a sabatina do Senado, ambos acabaram sendo aceitos devido às outras características pertinentes ao cargo.

Apesar de ambos terem sofrido acusações diversas de parcialidade quando de suas indicações, tanto Fachin quanto Moraes preenchem adequadamente todos os requisitos para ocupar vagas no STF: tem entre 35 e 75 anos de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada – além disso, foram indicados pelo presidente da República, como indica a constituição (sob inspiração do meio de escolha de juízes da mais alta corte nos EUA) [3]. Especificamente quanto ao ponto de reputação ilibada, é notável que Alexandre de Moraes parece apresentar mais questões polêmicas que Edson Fachin [4], não se pode deixar este ponto de lado. Ainda assim, a sabatina do Senado acabou por aprovar sua inserção no STF.

No fim das contas, é preciso notar claramente que é impossível deixar de afirmar que o presidente do poder executivo deixe de lado qualquer pretensão política ao fazer uma indicação a ministro do STF – e, nestes dois casos aqui presentes, é notável que esta proximidade política ocorre. Entretanto, não podem ser deixados de lado os outros aspectos que levam a indicações deste tipo, sob o risco de, com o passar do tempo e a mudança dos direcionamentos políticos da situação, parecer que todo apontamento de “catástrofe que se aproxima” seja meramente uma declaração de discordância com a indicação de alguém pertencente a um grupo político diferente do seu. Como dizia uma camiseta utilizada por Collor à época de sua deposição: “o tempo é o senhor da razão”. Nada como o tempo para, enfim, poder observar com claridade as nuances de algo tão ao sabor dos ventos quanto a política brasileira: ainda é preciso ver o que ambos realizarão no STF, mas que suas indicações fizeram sentido para aqueles que os indicaram, não há dúvida.

 

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

 

Notas

[1]          https://jota.info/justica/sabatina-polemicas-de-alexandre-de-moraes-21022017

[2]          http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1630880-entenda-sete-polemicas-envolvendo-edson-fachin-indicado-ao-supremo.shtml

[3]          http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-02/saiba-como-e-feita-escolha-de-um-ministro-do-stf

[4]          Enquanto Alexandre de Moraes coleciona polêmicas (http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/a-colecao-de-polemicas-de-alexandre-de-moraes/), Edson Fachin é tido como incorruptível por seus pares (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/02/02/fachin-deu-aula-a-membros-da-lava-jato-na-ufpr-e-pares-o-veem-incorruptivel.htm)

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em fevereiro de 2017:

– Terraço Econômico (23/02/2017): http://terracoeconomico.com.br/fachin-e-moraes-por-que-suas-indicacoes-ao-stf-fizeram-sentido

– ADVFN Brasil (23/02/2017): http://terracoeconomico.com.br/fachin-e-moraes-por-que-suas-indicacoes-ao-stf-fizeram-sentido

Meritocracia pura não existe – ainda assim, o mundo não te deve nada

Um dos conceitos mais falados nos anos recentes é o da meritocracia, associando-a a um maior nível de eficiência. Enquanto para alguns isto signifique que “você recebe de volta o valor que adiciona aos processos produtivos que participa”, para outros é algo bem diferente e análogo a “uma mentira que tenta anestesiar as relações sociais”. Na realidade, as duas visões são quase extremos – uma vez que não é simplesmente uma questão de “ir e fazer acontecer”, dado que as condições iniciais não são iguais [1], mas também não se pode dizer que quem tenta se diferenciar irá sempre falhar.

O recente relatório da ONG britânica Oxfam [2] colocou este assunto na mesa de discussões: as conexões entre as pessoas mais ricas tendem a mantê-las mais ricas. Isso é algo real, mas não se resume a isso todo o processo de avanço de uma sociedade. Através desta pesquisa, coloca-se como líquido e certo que existe uma separação econômico-social entre classes que torna a ascensão de classe impossível, o que por si só seria capaz de ampliar a desigualdade, dado que aqueles que estão em melhor situação financeira estariam isolados dos pertencentes aos outros estratos sociais.

Embora muito criticado pela afirmação de que as oito pessoas mais ricas do mundo têm juntas mais recursos do que as 3,6 bilhões de pessoas mais pobres – e querendo sinalizar que isso, por si só, significaria que nunca estivemos tão mal como sociedade –, o ponto sobre as conexões levantado pelo relatório desta ONG realmente chama a atenção para um ponto: o maior perigo da desigualdade social é o de interromper futuros potencialmente brilhantes. Imagine quantas milhões de crianças pelo mundo, devido às condições em que vivem (sem acesso a alimentação adequada na primeira infância, sem acesso a educação suficiente e, no futuro, com menor chance de adentrar em melhores posições no mercado de trabalho), deixam de contribuir para o avanço de diversas áreas da ciência. Ou, mais diretamente, citando o astrofísico Neil deGrasse Tyson: “talvez o próximo Einstein esteja morrendo de fome na Etiópia” [3].

A desigualdade – de renda e de oportunidades – é realmente um problema, um ponto que poderia ser melhorado em nossa sociedade. Mas aí entra o contraponto: o meio como isso tem sido combatido não muda o problema, apenas sinaliza que ele existe. Explico: as atitudes levantadas por aqueles que afirmam serem os representantes de uma sociedade mais justa e igual geralmente englobam duas atitudes, que são a de afirmar que a culpa do sistema atual estar errado advém da própria existência destas elites dominantes e que a solução seria adicionar atuação governamental para que isso seja corrigido. Veja que um levantamento apenas mostra o problema e outro delega a terceiros a resolução do mesmo.

Outro acontecimento recente que chamou a atenção para este ponto do que é a meritocracia e qual sua aplicabilidade foi a aprovação de Bruna Sena – aluna de escola pública, que frequentou cursinho popular e é negra – em primeiro lugar em um dos cursos mais concorridos da USP, o de medicina em Ribeirão Preto. Concordo inteiramente com ela: meritocracia é mesmo uma falácia [4], pois as condições iniciais são realmente diferentes entre as pessoas – e, como ela mesma diz nesta entrevista, teve ajuda para alcançar o notável êxito. Entretanto, um ponto não levantado é que, mesmo diante das dificuldades, se ela não tivesse feito como fez, não teria conseguido ser aprovada no vestibular; se o interesse maior fosse o de mostrar as dificuldades e não superá-las, dificilmente ela teria conseguido esta realização.

Entra aqui justamente o ponto mais direto e triste para quem não quer aceitar: acusar a existência de um erro, por si só, não consegue fazer com que ele deixe de existir. O conjunto de atitudes deve ser diferente. Em primeiro lugar, a dura verdade: no fim das contas, você acaba sendo responsável por sua vida porque, independente do ambiente social em que esteja inserido, pode procurar outros meios caso acredite que possa mudar sua realidade. Em segundo lugar: ninguém vai lhe mostrar como essa mudança de caminho e rumo ocorre, o processo depende primeiramente de seu acesso a estas novas oportunidades, mas também do esforço que você coloca para alcança-las. Em terceiro lugar: essa história de que “alguém te deve algo” é uma justificativa estranha para justificar que mudanças devam ocorrer, uma vez que, bastando observar diversos exemplos de pessoas de sucesso – que inclusive quebraram barreiras sociais e “subiram na vida” –, é notável que elas moveram-se sozinhas (com a ajuda de outras pessoas, mas por si mesmas) para mudar sua própria realidade. Apenas para apresentar mais uma ilustração, pesquise sobre Flávio Augusto da Silva, o brasileiro que saiu de uma área pobre do RJ (portanto, com início não baseado em contatos ou conexões importantes) e hoje é um bilionário – fácil não foi, mas preenche diretamente os três requisitos levantados neste parágrafo [5].

É preciso deixar bem claro que não se trata aqui de contestar a obrigatoriedade constitucional existente do oferecimento de serviços públicos a população ou algo parecido, mas sim de apresentar que a realidade não é tão “você pode tudo o que quiser” e nem “você será sempre derrotado porque já começou atrás dos outros”. De modo mais direto: apontar que algo está errado é o começo, mas o meio e o fim pra muda-lo envolve agir. Ou, como diria uma bela e encorajadora canção dos Racionais MCs:

“O que você vai fazer pra mudar? Ficar sentado e reclamar? Ou você vai ser a revolução em pessoa?”

 

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

 

Notas

[1] http://www.hypeness.com.br/2015/05/quadrinho-resume-o-porque-de-a-historia-de-que-todo-mundo-tem-as-mesmas-chances-nao-e-tao-verdadeira-assim-2/

[2] Um resumo em português deste: https://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments/bp210-economy-one-percent-tax-havens-180116-summ-pt.pdf

[3] http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/30/ciencia/1467281442_280683.html

[4] https://saude-popular.org/2017/02/meritocracia-e-uma-falacia-diz-1o-lugar-em-medicina-da-usp-ribeirao-preto/

[5] http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/30/ciencia/1467281442_280683.html

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em fevereiro de 2017:

– Terraço Econômico (09/02/2017): http://terracoeconomico.com.br/meritocracia-pura-nao-existe-ainda-assim-o-mundo-nao-te-deve-nada