A situação na Venezuela é muito grave. Um país que, em números impressionantes, mostra como passa por um colapso: o PIB caiu quase 50%, a inflação que começou prevista para 2018 para 13.000% chegou a superar 1.000.000% antes do encerramento do ano passado, mais de dois milhões de venezuelanos já deixaram o país e, em pesquisa sobre o emagrecimento por falta de alimentação adequada, a declaração de mais de 60% dos perguntados é que perdeu mais de dez quilos.
As origens de todo este caos não estão em decisões recentes, mesmo que o avançar exponencial das más notícias esteja ocorrendo apenas dos últimos anos para cá. Uma conjunção de fatores permitiu que essa tempestade perfeita se formasse.
Desde o final da década de 1980, temos fatos relevantes que mostram o caminho tomado. Em linhas gerais, tudo ocorreu com base em medidas estatizantes da economia, no que Hugo Chávez, eleito no final dos anos 1990, chamava de “Socialismo do Século 21” e Nicolás Maduro, tido como “filho de Chávez” (pelo visto a tradição do paternalismo político é mania latino-americana), tratou de seguir com continuidade.
Essa “paz eleitoral” durou ao governo atual durante o período chavista inteiro, mas em 2015, já durante a vigência de Maduro, o congresso venezuelano foi, pela primeira vez desde o final dos anos 1990, tomado pela oposição. O questionamento a respeito de seu governo – que havia sido iniciado com margem apertada de votos e após quatro eleições de seu padrinho político – colocou as instituições do país em choque. O fogo amigo se refletiu, como observado, no retrocesso econômico-social que pôde ser observado logo em seguida.
Contribuiu para o aprofundamento dessa crise: a queda nos preços internacionais do petróleo, um dos principais produtos exportados pelo país, e, na prática, um dos que ele mais depende como origem de receita. Do patamar próximo a US$120 em meados de 2014, passou a valer um quarto disso em 2016 e, até hoje, não retomou sustentavelmente nem 70% dessa máxima.
Essa dependência é agravada pelo fato de que, por estar sobre uma das maiores reservas de petróleo no mundo, a Venezuela ter focado pouco na diversificação de suas atividades econômicas. A situação positiva na balança comercial permitia que, com os dólares que entravam, o que não era produzido fosse simplesmente importado – o que per se não é um problema, mas deixa a economia mais vulnerável a choques no que a faz sustentar. E o choque foi grande.
Combinando o choque institucional de efeitos econômico-sociais com a queda nos preços do petróleo e também o controle estatal de preços – que, como visto no Brasil dos anos 1980, além de não funcionar, deixa as prateleiras dos supermercados vazias por desincentivo a produção existente -, temos então a Venezuela de hoje que, em situação altamente dinâmica e negativa, já deve ter mudado novamente para pior enquanto você lia este artigo.
Independente de ideologia (e de quem recebe a culpa), é preciso reconhecer o sofrimento da população venezuelana diante de tudo isso. A situação é complexa o suficiente para não termos real ideia do caminho que pode tomar, mas, certamente, algo precisa ser alterado nesta trajetória rumo ao fundo do poço – porque, como observado, do abismo nosso país vizinho já caiu há pelo menos três anos.
Que sejam buscadas saídas diplomáticas adequadas e que, mesmo que seja sedutora, a armadilha do populismo político não recaia novamente sobre a Venezuela. Seu povo precisa urgentemente de um encaminhamento de soluções – e não de apontamento de culpa de quem trouxe a situação ao gravíssimo estágio em que se encontra.
Publicações deste artigo, que foi escrito em fevereiro de 2019:
– Blog da Guide Investimentos (25/02/2019): https://blog.guide.com.br/textos/venezuela-colapso-total/