VENEZUELA: COLAPSO TOTAL

A situação na Venezuela é muito grave. Um país que, em números impressionantes, mostra como passa por um colapso: o PIB caiu quase 50%, a inflação que começou prevista para 2018 para 13.000% chegou a superar 1.000.000% antes do encerramento do ano passado, mais de dois milhões de venezuelanos já deixaram o país e, em pesquisa sobre o emagrecimento por falta de alimentação adequada, a declaração de mais de 60% dos perguntados é que perdeu mais de dez quilos.

As origens de todo este caos não estão em decisões recentes, mesmo que o avançar exponencial das más notícias esteja ocorrendo apenas dos últimos anos para cá. Uma conjunção de fatores permitiu que essa tempestade perfeita se formasse.

Desde o final da década de 1980, temos fatos relevantes que mostram o caminho tomado. Em linhas gerais, tudo ocorreu com base em medidas estatizantes da economia, no que Hugo Chávez, eleito no final dos anos 1990, chamava de “Socialismo do Século 21” e Nicolás Maduro, tido como “filho de Chávez” (pelo visto a tradição do paternalismo político é mania latino-americana), tratou de seguir com continuidade.

Essa “paz eleitoral” durou ao governo atual durante o período chavista inteiro, mas em 2015, já durante a vigência de Maduro, o congresso venezuelano foi, pela primeira vez desde o final dos anos 1990, tomado pela oposição. O questionamento a respeito de seu governo – que havia sido iniciado com margem apertada de votos e após quatro eleições de seu padrinho político – colocou as instituições do país em choque. O fogo amigo se refletiu, como observado, no retrocesso econômico-social que pôde ser observado logo em seguida.

Contribuiu para o aprofundamento dessa crise: a queda nos preços internacionais do petróleo, um dos principais produtos exportados pelo país, e, na prática, um dos que ele mais depende como origem de receita. Do patamar próximo a US$120 em meados de 2014, passou a valer um quarto disso em 2016 e, até hoje, não retomou sustentavelmente nem 70% dessa máxima.

Essa dependência é agravada pelo fato de que, por estar sobre uma das maiores reservas de petróleo no mundo, a Venezuela ter focado pouco na diversificação de suas atividades econômicas. A situação positiva na balança comercial permitia que, com os dólares que entravam, o que não era produzido fosse simplesmente importado – o que per se não é um problema, mas deixa a economia mais vulnerável a choques no que a faz sustentar. E o choque foi grande.

Combinando o choque institucional de efeitos econômico-sociais com a queda nos preços do petróleo e também o controle estatal de preços – que, como visto no Brasil dos anos 1980, além de não funcionar, deixa as prateleiras dos supermercados vazias por desincentivo a produção existente -, temos então a Venezuela de hoje que, em situação altamente dinâmica e negativa, já deve ter mudado novamente para pior enquanto você lia este artigo.

Independente de ideologia (e de quem recebe a culpa), é preciso reconhecer o sofrimento da população venezuelana diante de tudo isso. A situação é complexa o suficiente para não termos real ideia do caminho que pode tomar, mas, certamente, algo precisa ser alterado nesta trajetória rumo ao fundo do poço – porque, como observado, do abismo nosso país vizinho já caiu há pelo menos três anos.

Que sejam buscadas saídas diplomáticas adequadas e que, mesmo que seja sedutora, a armadilha do populismo político não recaia novamente sobre a Venezuela. Seu povo precisa urgentemente de um encaminhamento de soluções – e não de apontamento de culpa de quem trouxe a situação ao gravíssimo estágio em que se encontra.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em fevereiro de 2019:

– Blog da Guide Investimentos (25/02/2019): https://blog.guide.com.br/textos/venezuela-colapso-total/

Reforma da Previdência: corrigindo distorções e o desafio da aprovação

Foi anunciado de forma oficial o projeto de reforma previdenciária do governo Bolsonaro em 20/02/2019. Aumento de alíquota de contribuição para o setor público, aumento de tempo de contribuição, maior equilíbrio no dispêndio (quem ganha menos pagará menos) e algumas outras injustiças do sistema serão enfrentadas.

Evitando distorções e comentários imaginativos, sugiro que você confira a íntegra da proposta para verificar se notícias que estão sendo ventiladas tem relação real com o que está sendo proposto, como supostos “direitos que serão tirados dos mais pobres” ou qualquer outra coisa que você tenha recebido pelo WhatsApp cuja origem do conteúdo tem altas chances de ser ligado a alguma das associações dos que realmente irão perder com a reforma  – aqueles do alto funcionalismo público que se aposentam com a inexplicavelmente bondosa integralidade.

Independente do regime em que se encontre, os números são negativos hoje e, se não o são, caminham para isso pela óbvia razão de que, por funcionar em regime de repartição (os que estão trabalhando transferem recursos aos que estão aposentados), há a dependência lógica e matemática de que existam mais pessoas contribuindo do que recebendo – e essa relação tem se invertido cada vez mais. Segundo o IBGE: em 1980 eram 9,2 indivíduos trabalhando para cada aposentado, hoje há proximidade com 5 e em poucas décadas serão menos de dois. Há que se alterar urgentemente o rumo disso – e, nisso, a proposta acerta em cheio.

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Injustiças entre o setor público e o setor privado também sinalizam ser corrigidas. A alíquota de contribuição do setor público deve subir para os salários maiores (chegando a 22% caso seja superior a R$39.000,00) e diminuir para os menores salários da iniciativa privada (caindo de 8% para 7,5% em faixas inferiores). Outro ponto positivo, já que proporcionalmente o setor público é o que apresenta maior déficit – porque recebe em integralidade (e não em média de salários), enquanto contribui apenas com o máximo proporcional atual, de 11%.

A capitalização aparece também na reforma, como sugestão futura. Explica-se: com ela, cada indivíduo em vez de contribuir para a aposentadoria de quem já se aposentou acumularia recursos em uma conta própria e exclusiva. Uma excelente ideia, mas que precisa ser estudada com calma em termos de transição – já que, a cada novo aderente a um regime de capitalização, temos uma pessoa a menos auxiliando no sistema atual de transferências. Uma transição deste porte deve levar um bom tempo, mas é muito positivo que se comece o mais rápido possível (novamente dada a inversão da pirâmide etária que está em curso).

Um ponto que com reforma ou sem ainda é preocupação é a informalidade. Este sistema atende a quem preenche o requisito básico do sistema, que é ter contribuição formal através de carteira de trabalho ou contribuição autônoma. Por mais que seja cheio de problemas – e pelo menos uma vez você já leu aqui que é melhor pensar em alternativas a ele desde já -, ainda tem a utilidade de fazer uma cobertura razoável no envelhecer dos brasileiros.

É preciso que se pense, juntamente a essa reforma, em dois passos importantes: a ampliação da agenda iniciada pelo Banco Central que busca deixar mais claros aspectos de educação financeira (para que a população possa se preparar melhor com essas alternativas) e a flexibilização dos termos que permitam a inclusão nesse sistema, para reduzir a informalidade e poder fornecer tal benefício a mais brasileiros. Deste modo, a reforma terá efeitos muito mais positivos em termos práticos.

Outras dois fatores devem ser ponderados: o efeito positivo da reforma, caso aprovada do modo em que está sendo enviada (e sabemos que as casas legislativas buscarão suavizar a proposta com emendas, o que faz parte do processo), se dá pelos próximos dez anos. É um prazo bom, mas nem de longe passa a mensagem de que após essa reforma tudo estará resolvido. Ela é um passo importante, necessário, mas não único.

Esforços adicionais serão necessários para revertermos a situação e gerarmos real e sustentável crescimento e melhoria das condições do país. O segundo: aqui é o Brasil, equipe boa com ideias boas não basta, é preciso que ocorram as ações – ou alguém duvidava das capacidades técnicas da equipe de Joaquim Levy ou mesmo de Henrique Meirelles?

Em suma: reforma boa, ampla, que abarca praticamente tudo que seria necessário (ainda que deixe os militares para um segundo momento), mas que não pode ser “colocada no preço” porque ainda enfrentará enormes batalhas e, no cenário aguardado por tantos em que acaba por ser aprovada, ainda assim não representará a solução de todos os problemas brasileiros.

Nem só de expectativas positivas se fazem os avanços econômicos e a correção de injustiças que o Brasil precisa. Um dos autores deste artigo sabe muito bem disso.

Boa sorte ao governo em suas batalhas – e, principalmente, na essencial e não realizada por Temer, que é a de informar a real necessidade dessa grande mudança (indo muito além do distante “para melhorar a economia” e de encontro ao indispensável “o governo pode ficar incapaz de realizar qualquer atividade em pouco tempo caso ela não seja realizada”). O rito de aprovação começa agora, e a jornada será longa.

Caio Augusto  – Editor do Terraço Econômico

Arthur Solow – Editor do Terraço Econômico

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em fevereiro de 2019:

– Terraço Econômico (22/02/2019): https://www.terracoeconomico.com.br/reforma-da-previdencia-corrigindo-distorcoes-e-o-desafio-da-aprovacao/

– Investing.com Brasil (22/02/2019): https://br.investing.com/analysis/reforma-da-previdencia-corrigindo-distorcoes-e-o-desafio-da-aprovacao-200225106?preview_fp_admin_1234=this_is_1234

O que é ser rico pra você?

A pergunta que dá título a este artigo é bastante capciosa. Ser rico é ganhar milhões na loteria? É poder comprar iates? Nunca mais ter de trabalhar? Pois é, talvez seja algo muito mais próximo do que você imagina.

Primeiramente, pare para pensar no quanto você ganha por mês – isso incluindo seu salário e todas as rendas extras. Em seguida, pense no que você consome deste valor com os gastos e investimentos do dia a dia. Após essa conta, o que você encontra de saldo? Um valor positivo ou negativo?

Aqui no Terraço já tratamos dessa conversa entre arrecadação e gastos para o caso do governo. A condição de financiamento dele é diferente, uma vez que, ao menos teoricamente, ele é o ente com maior poder garantidor de devolução corrigida de valores emprestados. Justamente por ter uma possibilidade de crédito muito mais limitada que o governo que vale a pena colocar na ponta do lápis essa conta de que saldo você encontra no fim do mês.

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Se você faz parte do grupo de quase 65 milhões de pessoas com inadimplência, sabemos que infelizmente a resposta para a pergunta é “encontro um saldo negativo ao final do mês”. Todos temos imprevistos, mudanças bruscas e necessidades novas, é algo a qual todos estamos sujeitos. Mas, tirando as situações não previstas, é muito interessante que você esteja preparado para não cair nessa estatística.

A segunda possibilidade é que você se encontre no imenso grupo de pessoas que não possuem reserva financeira – segundo dados mais recentes, essa é a situação de 65% dos brasileiros (importante notar que deve haver sobreposição entre os dados de quem não tem reserva financeira e quem está no grupo de inadimplentes descrito acima). A crise econômica pela qual ainda estamos passando fez com que o apertar de cintos fosse grande o suficiente para que todos – sim, todos – tivessem de mudar hábitos e consumir reservas disponíveis.

É possível ainda que você esteja num terceiro grupo e, se você estiver, está em situação privilegiada. Este é o grupo dos brasileiros que consegue guardar dinheiro – segundo dados recentes, 22% da população está aqui.

Você deve estar lendo tudo isso e pensando: tudo bem, mas o que isso tem a ver com a pergunta que dá título a este artigo?

Seguindo a definição do IBGE a respeito das classes econômicas por via da renda, que utiliza a relação de salários mínimos por família, você está na classe E se a renda familiar for de até dois salários mínimos, na classe D se essa renda for entre dois e quatro salários mínimos, classe C se estiver entre quatro e dez, B se estiver entre dez e vinte e A se a renda familiar for superior a vinte salários mínimos.

Porém, esta definição leva em consideração o quanto as famílias recebem de renda, não o saldo no final do mês – que colocaria então as famílias no grupo “inadimplência”, “empatando o jogo” ou “com reservas”.

Chegamos então ao ponto de encarar a pergunta do título, finalmente. Já parou para pensar que “ser rico” depende muito mais do que você consegue fazer com sua renda do que especificamente com o que você demonstra ter com ela? No final das contas, vai importar mais o quanto sobra do que o quanto você ganha, independente do quanto você ganhar.

Peguemos dois exemplos extremos para demonstrar como “o que importa é o que sobra depois dos gastos” é uma verdade.

Em termos de fazer dinheiro, o que você me diria do Michael Jackson? Devia faturar alto, ganhar um bom dinheiro, correto? Sim, correto. Ainda assim, após seu falecimento, dívidas de alta monta – superando a faixa dos US$500 milhões – ficaram para trás. As causas podem ser diversas, mas envolvem diretamente a má gestão do dinheiro recebido (ou seja, o não controlar desse saldo entre o que entra e o que sai).

Já do lado de uma entrada menor de dinheiro por mês: e se eu te disser que um taxista que comprou seu primeiro sapato aos 15 anos tem hoje imóveis, carros e até conseguiu dar um apartamento para sua filha? Independente da área que o taxista tenha trabalhado – pode ser a área mais nobre e cara do país -, ele não ganhava mais dinheiro que o Michael Jackson. Ainda assim, em termos de nossa discussão do saldo no fim do mês, encontra situação mais favorável do que o Rei do Pop.

Provavelmente esse é o momento em que você diz que são situações extremas. Mas, se um quinto da população consegue guardar dinheiro para o futuro, como é que será que ela faz?

Pense na frase de Warren Buffet – que, mesmo sendo uma das pessoas mais ricas do mundo, valoriza bastante seu dinheiro, por exemplo morando na mesma casa que comprou em 1958 – e busque encontrar uma resposta:

“Não guarde o que resta depois de gastar, gaste o que sobrou depois de guardar.”

E se você colocasse seu “eu de amanhã” em seu próprio orçamento? Não precisa ser muito. Dez, vinte, cinquenta, cem reais por mês, todos os meses, ao longo de anos, farão seu futuro ser mais suave e seu presente mais tranquilo.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em fevereiro de 2019:

– Terraço Econômico (17/02/2019): https://www.terracoeconomico.com.br/o-que-e-ser-rico-pra-voce/

– Instituto Millenium (18/02/2019): https://www.institutomillenium.org.br/artigos/o-que-e-ser-rico-pra-voce/

– Investing.com Brasil (19/02/2019): https://br.investing.com/analysis/o-que-e-ser-rico-pra-voce-200225038

Valeu, Boechat! Terraço em Quinze Minutos #69

Nesta edição, Lucas Goldstein acompanha Arthur Solow, Caio Augusto e Renata Kotscho Velloso nos seguintes temas:

Definidas as comissões no Senado
Texto-base da previdência está pronto, afirma secretário
Entrevista de Paulo Guedes ao Financial Times
Insatisfeito, Trump não consegue verba total para o muro
A morte repentina de Ricardo Boechat

Contas públicas no azul em 2019 e 2020? Possível, mas improvável

A equipe econômica de Jair Bolsonaro é bastante capaz, trata-se de um time de primeira linha que pode mesmo promover mudanças bastante interessantes e necessárias ao país, daquelas que mudam nossa trajetória ao redor dos anos para encontrarmos um futuro muito mais próspero.

Porém, mesmo uma miríade de possibilidades positivas não muda aspectos que já estão dados para a realidade. Um fato atual é que a trajetória de gastos deixa as contas públicas negativas para os próximos anos.

Paulo Guedes, que capitaneia a equipe econômica do próximo presidente, afirmou ser factível zerar o déficit fiscal em 2019 e convertê-lo em superávit já no ano seguinte. Sua argumentação se baseia em três pontos: aprovação de uma reforma previdenciária, despesa de juros (amortizar a dívida pública com dinheiro de privatizações e assim reduzir esse custo) e reforma do Estado para reduzir ineficiências.

Vamos aos números: a previsão de déficit para 2018 é de mais de R$150 bilhões; para 2019, o Projeto de Lei Orçamentária considera a cifra negativa de R$139 bilhões. Segundo a Instituição Fiscal Independente – criada pelo Senado Federal para analisar a trajetória das contas públicas e analisar cenários destas -, a não ser que haja uma grande revisão dos gastos públicos, o atual déficit fiscal volta a ser superávit apenas em 2022.

Seriam os pontos apontados por Paulo Guedes capazes de fazer essa grande revisão de gastos públicos virar realidade?

A aprovação da reforma previdenciária depende, dentre outros aspectos, da decisão entre se votar a reforma que já está no plenário ou colocar em pauta uma nova. A proposta atualmente colocada e discutida é a da equipe econômica de Henrique Meirelles, com potencial inicial de economizar R$800 bilhões mas que, após diversos ajustes, chega a pouco mais da metade disso. Uma proposta nova seria a de Armínio Fraga e Paulo Tafner, ainda não discutida no congresso, mas com potencial de economizar R$1,27 trilhão ao longo dos próximos anos. Se a nova reforma parece fiscalmente sedutora, o tempo para colocá-la em pauta no mesmo status da atual pode significar a não aprovação de reforma nenhuma no fim das contas. E, aprovando-se a que está lá atualmente, muito em breve teremos de rediscutir a questão – terá sido mais uma reforma meia-sola.

Privatizações são temas sensíveis ao país. Apesar de termos mais de uma centena de estatais, há um trâmite considerável para que cada uma possa ser vendida ou mesmo extinta (deixando de gerar gastos). Com a venda de todas elas, segundo o Tesouro Nacional, podemos amealhar R$802 bilhões. Porém, o que parece um número milagroso não esconde o fato de que seriam receitas não recorrentes – ou seja, a trajetória de gastos seguiria em ascensão. Ajuda muito, mas não resolve o problema.

Por último, o que seria essa readequação ainda não mensurável do tamanho do Estado? Apesar de não sabermos seu potencial de redução de gastos, não precisa ser muito inteligente para compreender que envolve mexer com interesses corporativistas muito bem estabelecidos – o que significa que podemos sim readequar tudo, mas não é tão fácil quanto parece.

Em suma: é sim possível que tenhamos as contas públicas saneadas e rumando a números positivos já em 2019, mas é improvável que todo este céu de brigadeiro torne-se realidade. Este que vos escreve, sem ironia, adorará estar errado ao final de 2019, mas os dados atuais mostram que esta previsão muito provavelmente não será revertida.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em janeiro de 2019:

– Revista da Associação Comercial e Industrial de Franca (ACIF Franca), Edição 268, Página 40: http://www.acifranca.com.br/SITE/edicao/acif-em-revista-edicao268.html

SEGUIMOS AGUARDANDO A PROPOSTA DE REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Bolsonaro elegeu-se, dentre outros motivos, por sua plataforma liberalizante na economia. Como prioridade, atacar a grave situação fiscal na qual nos encontramos – nesta década, em mais da metade dos anos fecharemos as contas no vermelho. Dentro da situação fiscal, o item mais relevante é a previdência, cujos resultados atuais já mostram déficits superiores a R$200 bilhões anualmente. A equipe do novo presidente, já na transição, mostrava muitos sinais de que além de saber disso tudo, já se preparava para começar 2019 mostrando novos caminhos.

Desencontros a parte – como desautorizações públicas e “desconversas” a respeito de temas apresentados -, estamos caminhando para o final da primeira quinzena de fevereiro. Casas legislativas já estão em operação e a dita prioridade segue sendo uma espécie de mistério. Novamente, como no período eleitoral e após ele, a ideia parece ser de soltar possibilidades e aguardar o retorno para então confirmar ou desmentir a ideia.

Especificamente no que tange a proposta de reforma previdenciária, tivemos na semana passada um exemplo prático disso. Em um dia, uma minuta contendo uma proposta saiu: idade mínima de 65 anos para todos. No dia seguinte: Ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, na CBN, afirma categoricamente que a minuta não contém a proposta final e que ideias ainda seriam apresentadas ao presidente Bolsonaro.

Sim, o tema é bastante delicado em relação a algo estruturalmente posicionado no Brasil – a aposentadoria sonhada por todo aquele que entra no mercado de trabalho. E sim, também, o governo está apenas em seu início e há muito o que acontecer. Porém, a questão é urgente há um bom tempo, a expectativa criada em torno de finalmente encaminhar um projeto amplo de mudanças para esta área é imensa e, historicamente, temos que a força para aprovar grandes mudanças se dá exatamente neste início de cada novo mandato. O timing é excelente, não pode ser perdido.

Um fator complicador de toda esta situação é que o presidente encontra em recuperação de uma cirurgia realizada nas últimas semanas e, enquanto não puder retornar às suas atividades, não poderá avaliar as propostas disponíveis. Logo ele deve retornar, mas ainda irá ponderar sobre as ideias que estão sendo propostas para após isso termos um projeto a ser apresentado amplamente.

O presidente já declarou, anteriormente, que achava a proposta de reforma previdenciária do governo Michel Temer agressiva demais. Paulo Guedes, atual comandante da pasta econômica, afirma que a economia deve ser de pelo menos R$1 trilhão para evitar que nos próximos dez anos não precisemos mais pensar na questão previdenciária por aqui – e uma proposta nesta monta precisa necessariamente ser mais agressiva que a de Temer.

Será que o “posto Ipiranga” conseguirá convencer o capitão-presidente da necessidade de se fazer uma reforma “muito agressiva”? O mercado, as contas públicas e as próximas gerações aguardam com ansiedade a resposta dessa pergunta, que significará o início prático da batalha mais importante deste governo recém-iniciado.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em fevereiro de 2019:

– Blog da Guide Investimentos (11/02/2019): https://blog.guide.com.br/textos/seguimos-aguardando-a-proposta-de-reforma-da-previdencia/

PACOTE ANTICRIME DE MORO: PRA “MUDAR ISSO DAÍ”

Sergio Moro, Ministro da Justiça e Segurança Pública, anunciou um pacote de alterações de leis na esfera criminal brasileira. O chamado Pacote Anticrime visa, conforme seu autor, reduzir substancialmente os níveis de criminalidade no país.

Para além de análises a respeito da efetividade ou não das medidas, elas apresentam medidas sob as quais já existe jurisprudência em decisões das maiores instâncias ou correm na direção contrária de leis existentes – o que significa, na prática, o anseio de alterar essas normas.

Algumas das ideias são: tipificação de caixa dois como sendo crime (o que atualmente não é), a instituição da prisão após a ocorrência de condenação em segunda instância (seguindo a jurisprudência atual, mas indo contra o que diz a constituição), confisco de bens de condenados seguindo a diferença conseguida ilicitamente, restrição da disponibilidade de recursos possíveis, uso de bens apreendidos em operações (tornando formal uma prática já realizada em alguns locais), excludente de ilicitude (apresentando condições que justifiquem redução ou exclusão de pena em caso de legítima defesa (o que aumenta a discricionariedade da justiça, o que de certo modo é uma perigosa permissão possível de ser concedida, principalmente por ter foco em ações policiais) e o chamado plea bargain, que possibilita acordo entre acusados de confissão de culpa sem necessidade de julgamento.

Como apresentado no título deste artigo, as mudanças vêm para inserir novidades ou alterar regras existentes, o que embora sob alguns olhares possa representar um descumprimento do que diz a constituição, outros sinalizam que, se não reduzir os níveis de criminalidade, ao menos permitirá uma velocidade maior nos processos – e, por consequência, uma redução do sentimento de impunidade.

De acordo com o rito comum para estes casos, a proposta será analisada e votada no Congresso. Também seguindo a tradição, muito provavelmente veremos a “proposta ideal” se transformar em uma “proposta aceitável pelo legislativo” antes de entrar em votação.

Essa reforma vai em direção ao que foi anunciado por Bolsonaro em campanha. Em termos principais, revelou-se ao eleitorado que mudanças na justiça (tornando-a mais dura para reduzir a ideia de impunidade) e na economia (tornando-a mais conservadora e responsável fiscalmente) ocorreriam. De fato, essas medidas estão sendo anunciadas, o que mostra que o “mudar isso daí”, ao menos em intenções, é real.

A complicação talvez se dê pelo timing: o cacife político do governo Bolsonaro seria capaz de fazer serem aprovadas duas medidas de alto calibre ao mesmo tempo? Ou a prioridade deveria ser a previdência para depois pensar em mais cenários de mudança?

Por ora, o ainda iniciante período de Jair Bolsonaro tem mesmo apresentado ideias de mudança. É preciso que os atuantes líderes dessas reformas calibrem os pesos e decidam com inteligência sobre o que deve ser prioritário – para não correrem o risco de, ao final, verem nenhuma das duas propostas aprovada.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em fevereiro de 2019:

– Blog da Guide Investimentos (06/02/2019): https://blog.guide.com.br/textos/pacote-anticrime-de-moro-pra-mudar-isso-dai/

MISSÃO IMPOSSÍVEL 2019: DÉFICIT FISCAL ZERO

Nas edições multibilionárias do filme Missão Impossível, Tom Cruise tem tarefas muito difíceis de serem solucionadas (entrar sem ser visto, impedir a explosão de algum local, etc.), mas no final acaba conseguindo lograr êxito na sua missão. Apesar do nome ‘impossível’ da franquia, as tarefas são resolvidas de um jeito ou de outro, talvez não com o planejamento e ferramentas inicialmente planejadas, mas com algumas adaptações no caminho.

Esse parece ser o caminho para a difícil promessa de campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro e sua equipe econômica, encabeçada pelo Ministro da Economia Paulo Guedes, na árdua missão de reduzir o déficit fiscal primário a zero. Isso mesmo. Ainda na campanha e mesmo depois de eleito, o governo (por meio de Guedes) tem sinalizado sua intenção de zerar o déficit primário fiscal – sem incluir a conta de juros da dívida – já no primeiro ano de mandato. Como se vê no gráfico abaixo, a missão é [quase] impossível.

De 2008 até 2014, houve superávit primário, que foi uma herança positiva do governo Lula, mas que começou a mostrar reversão já no governo Dilma I. De 2014 até hoje, o déficit acumulado passa de R$600 bi e a projeção para 2019 (conforme LOA) considera um déficit de R$ 139 bi. Importante ressaltar que sondagens mais recentes do mercado – Prisma Fiscal -, tem projetado um déficit menor do que a LOA, de R$ 102,4 bi; mesmo assim, prosseguimos muito longe do sonhado déficit fiscal zero.

O ministro Paulo Cruis… Guedes declarou em entrevista metade dos recursos para zerar o déficit orçamentário viria da reforma da Previdência. A outra metade viria das concessões de petróleo, principalmente da camada pré-sal, e de privatizações de estatais, como é o caso da Eletrobras.

Em termos fiscais, o principal desafio é a reforma da previdência. Seu déficit anual, sozinho, é de quase o dobro do número negativo observado – e isso demonstra como encaminhar uma solução para este departamento é crucial para que todo o caminho fiscal a médio e longo prazo torne-se mais sustentável. Um assunto delicado, estabelecido há muitas décadas e que deve dar trabalho – mas é indispensável para a missão anunciada de zerar o déficit primário.

Quanto a outra ponta anunciada, de privatizações, talvez tenhamos um cenário um pouco mais tranquilo em termos de operacionalização, mas ainda assim a questão é complexa. Durante o período eleitoral, Paulo Guedes chegou a afirmar que todas as estatais somariam um trilhão de reais, número que depois virou um quinto disso – e, para 2019, tem como meta R$ 20 bilhões. O compromisso em privatizar amplamente pode ser visível com a criação da Secretaria Geral de Desestatização, mas isso não reduz as dificuldades do processo.

Como já afirmado acima, mesmo um déficit esperado de R$102,4 bilhões ainda representa uma distância considerável do zero que se busca. A intenção é nobre, mas o caminho parece muito mais tortuoso do que se tem sinalizado. Uma coisa é apontar os objetivos, outra é passar a mensagem de que o jogo está ganho antes mesmo do time entrar em campo.

Com tudo isso que foi exposto, se o ministro Tom …Paulo Guedes conseguir essa façanha, é para se aplaudir de pé. As sessões legislativas se iniciam neste começo de fevereiro de 2019. A Missão Impossível do Ministro da Economia (e do governo Bolsonaro) começa agora.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em fevereiro de 2019:

– Blog da Guide Investimentos (04/02/2019): https://blog.guide.com.br/textos/missao-impossivel-2019-deficit-fiscal-zero/