2021 e o fiscal: o que temos na mesa?

Se em 2020 estamos passando por um período em que as regras fiscais estão em suspensão em decorrência da pandemia e do estado de calamidade, pelo que tudo indica o próximo ano não terá a mesma possibilidade e, em virtude disso, a urgente questão fiscal brasileira volta para o foco das discussões.

Na semana anterior tivemos uma novidade em relação a essa discussão: enfim soubemos do que tratará a PEC Emergencial, aquela que coloca dispositivos legais (que podem ser chamados de gatilhos) que direcionam como o orçamento público deve ser gasto diante do da escassez de recursos. Bem, no fim das contas vamos descobrir mesmo o que acontecerá em 2021, já que após certos atritos o governo optou por apresentar a relatoria do projeto apenas em fevereiro do próximo ano, mas já é possível discutir alguns pontos apresentados.

Alguns dos pontos apresentados

Proposta apresentada pelo relator, o Senador Márcio Bittar (MDB-AC), fazia basicamente a união de duas PECs diferentes: a dos Fundos e a Emergencial.

Primeiramente, a PEC emergencial, como já mencionado, tem como ideia a criação de gatilhos no orçamento público para a redução de despesas obrigatórias quando os gastos chegassem a determinados limites. Na Emenda Constitucional do Teto de Gastos tivemos a apresentação de que “os orçamentos não podem superar o teto” e que algumas medidas seriam tomadas quando da aproximação desses limites, mas nenhuma dessas medidas ficaram ali explicitadas.

Nesta medida Emergencial, os principais pontos seriam a possibilidade de redução de horas e salários de servidores públicos e o adiar de concursos, isso levando em conta que a despesa com pessoal é uma das mais relevantes. A questão é que, de mais relevante apresentado até então, a nível da União ela aponta o não aumento de salários até o final de 2021 (o que já havia sido inserido no auxílio aos estados) e a criação de um programa de redução de incentivos fiscais que faça com que essa participação seja reduzida dos atuais 4% do PIB para 2% do PIB nos próximos dez anos (mas que não atingem programas como o Simples, a Cesta Básica e a Zona Franca de Manaus, estes que são bastante relevantes).

Já em relação à PEC dos Fundos, a ideia seria a de criar a desvinculação de diversos fundos públicos que existem e permitir que estes deixem os recursos presentes disponíveis para abatermos a dívida pública. Há, por exemplo, até um fundo específico para a expansão da rede de orelhões no país. Aparentemente existem muitos recursos hoje parados em fundos que não têm utilização. Porém, aqui a questão não é tão trivial em termos jurídicos: a desvinculação de um fundo não significa que o dinheiro ficará “livre para qualquer utilização”, mas sim que entrará em alguma outra pauta de prioridades, talvez de algum outro fundo.

A apresentação da PEC Emergencial levará em conta uma amálgama dessas duas questões e, como em todo debate democrático, verá o adicionar de alguns pontos e reduzir de outros quando passar a tramitar pelas casas legislativas. Mas, importante frisar: do modo como está, não apresenta grandes efeitos reais de diminuição de gastos.

O risco fiscal continua

Pedimos desculpas se a frase que vier a seguir soar repetitiva com o que você leitor já pode conferir nesta coluna em artigos anteriores, mas: o maior risco para a economia brasileira em 2021 é o aspecto fiscal (levando em conta todas as informações que temos até agora e a não ocorrência de um outro Cisne Negro tal qual a pandemia atual). Essa situação, se já era delicada antes mesmo do atual ano, agora é como caminhar sobre um lago congelado enquanto não se sabe quanto tempo o peso será suportado.

A situação atual em que visualizamos uma taxa básica de juros em níveis bastante baixos (o que permite um inédito escoar de capital para diversas atividades e pode desenvolver muitos setores) e inflação controlada depende basicamente dos fatores de recuperação da própria economia brasileira e também do custo de financiamento da dívida pública.

Em relação ao primeiro aspecto, 2021 tende a ser um ano de recuperação do que enfrentamos no ano atual, mas toda cautela é necessária sobre essa análise, sobretudo levando em conta que, diferentemente do ano em que vivemos, o próximo não contará com uma estrutura tão ampla assim de desembolsos de sustentação de crise – tais quais o auxílio emergencial e os programas de manutenção de empregos através de financiamento de folha de pagamentos e redução de horas e salários.

Dentre outros motivos, cabe também apontar que não estaremos mais vivendo um período extraordinário (e, assim sendo, as atuais medidas também extraordinárias perderiam a necessidade de existir) e também porque não há capacidade fiscal para isso.

Já sobre a dívida pública, é importante que tenhamos em mente um fato: não há mais espaço para esperar que ajustes sejam feitos. A cada ano em que passamos no vermelho, mais evidente fica a necessidade de lidarmos com a questão fiscal que nos assola. Isso passa por um ajuste delicado de interesses e uma comunicação direta a respeito de quem sairá perdendo com isso.

No próximo ano o governo terá duas opções: dar as más notícias sobre quem vai perder ou esperar que as más notícias cheguem para estragar o oásis de juros e inflação baixos que nos encontramos atualmente. O que certamente não deve acontecer é um milagre em que nenhuma decisão relevante é tomada em relação ao lado fiscal e ainda assim nada acontece de ruim.

Olhos atentos ao próximo ano. Nele veremos com atenção, ainda mais do que em 2019, se o “mudar isso daí” eleito em 2018 faz mesmo algum sentido ou era apenas fogo de palha.

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 14/12/2020

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