CFA está certo: criptomoedas estão aí pra ficar

Recentemente, uma reportagem da Bloomberg informou que, no notável teste CFA, específica certificação para profissionais da área de finanças e investimentos, agora constarão como assuntos para discussão tópicos de blockchain e de criptomoedas. Segundo a própria instituição certificadora, “essa não é uma moda passageira”.


Agora o Terraço tem Whatsapp! Adicione o número +5511976890552 na agenda do seu celular e mande uma mensagem pra gente te achar.


A mensagem do CFA pode até ter sido interpretada por alguns como surpreendente ou até mesmo cômica, mas, na verdade, não é irreal. Não necessariamente pela imensa alta do Bitcoin (que valia virtualmente nada em 2010, encostou em 20 mil dólares no ano passado e hoje está acima de sete mil), mas sim pela presença cada vez maior deste tipo de disruptiva tecnológica.

Em uma pesquisa com os dados listados na Investing Brasil, temos que a quantidade de criptomoedas é imensa. Com dados coletados na tarde do dia 24/07/2018, temos o seguinte cenário:

  • São 1937 criptomoedas listadas

  • Desse total, 1530 criptomoedas contam com captação

  • 958 criptomoedas têm captação superior a US$1 milhão de dólares

  • 95 criptomoedas têm captação superior a US$100 milhões de dólares

  • 19 criptomoedas têm captação superior a US$1 bilhão de dólares

A tecnologia que dá base a cada uma dessas criptomoedas varia, mas todas elas têm como algum ponto a tecnologia do blockchain. Esta tecnologia é responsável por aumentar a segurança das transações realizadas e, por este motivo, o próprio setor bancário já se organiza para começar a utilizar suas benesses.

Unindo a melhoria na segurança das transações com a capilaridade possível das criptomoedas, temos que há real possibilidade de que elas tenham mesmo vindo para ficar.

Em relação a ativos como esses, pouco sabemos sobre os seus reais pilares de precificação – e por isso discussões sobre serem ou não bolhas ganham eternos capítulos. O que se sabe até então, é que oferecem múltiplas possibilidades até o momento, não existentes para a movimentação do dinheiro pelo mundo. Apesar de pouco sabermos, é inegável que sua presença tem potencial de transformar o meio como imaginamos hoje os pagamentos.

Em outras palavras: para o bem ou para o mal, bolha ou não, com estabilidade ou oscilações imensas, CFA está correto quando afirma que as criptomoedas vieram para ficar.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em julho de 2018:

– Terraço Econômico (24/07/2018): http://terracoeconomico.com.br/cfa-esta-certo-criptomoedas-estao-ai-pra-ficar

 

Os meses de maio no Brasil [Parte III]: Não deu pra correr dessa vez, Bino

“Farinha pouca, meu pirão primeiro”

Pois é. A música cessou, a maré baixou, a fonte secou, o crédito barato passou e a farra acabou. Enfim, a conta – ao menos uma delas – chegou.

Quem encarou filas quilométricas em postos de gasolina e presenciou o preço do quilo de hortaliças flertando com o de ações “blue chips” viu bem que, quando a conta chega, chega com violência.

Cenário

É muito difícil entender o cenário olhando para um horizonte de três anos. Vamos iniciar citando três fatos importantíssimos para começarmos a compreender como que uma greve de caminhoneiros foi capaz de fazer tanto estrago em alguns dias.

  • Planejamento desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek que priorizou o modal rodoviário como meio logístico no país; mais barato de se implantar, mas com imensos custos de manutenção frente às suas alternativas (fluvial, ferroviário) ao longo do tempo.
  • Política de subsídios de crédito à compra de caminhões, muito acentuado no Governo Dilma: de repente ficou muito mais fácil comprar um caminhão e, não surpreendentemente, a oferta de fretes subiu consideravelmente.
  • Mudança na política de preços do diesel da Petrobrás como forma de pagar a dívida astronômica causada, em grande parte, pelo controle de preços praticado pelos governos petistas (além das perdas com a corrupção, também imensa).

Iremos repetir: a conta – uma delas – chegou.

O que aconteceu?

Acompanhe conosco a sequência cronológica:

18 de maio: os caminhoneiros, no final do dia, anunciaram greve por tempo indeterminado, tendo o elevado preço do diesel como causa principal. A greve começaria no dia 21, segunda-feira.

19 de maio: a Petrobrás elevou o preço do diesel e da gasolina na refinaria, sendo este ajuste o quinto consecutivo.

20 de maio: a Justiça Federal decidiu proibir o bloqueio de rodovias federais. A multa a ser aplicada foi prevista em R$ 100 mil para cada hora de bloqueio da via.

21 de maio: ocorreram os primeiros bloqueios totais ou parciais das vias por todo o país.


Já conhece o Curso de Microeconomia do Terraço? Clique aqui!


A partir daí, a situação evoluiu com uma velocidade impressionante e de forma dramática. A crise que, inicialmente, era a “dos caminhoneiros” passou a ser chamada de “dos combustíveis” e, já em um outro estágio, de “do desabastecimento”. Foram registrados aeroportos com ameaça de ficarem sem combustível para decolagem de aeronaves, escolas e universidades com aulas suspensas, hortaliças com preços de artigos de luxo (quando eram encontradas), postos sem combustíveis, fábricas paralisadas e várias outras desventuras.

Por que aconteceu?

Talvez seja o tópico mais extenso de toda a sequência.

Pontos a serem abordados:

  • Nova política de preços da Petrobras: como toda empresa de petróleo, o olhar se dá não apenas sobre a demanda como também em relação aos custos. Esses custos tiveram dois choques: a elevação do preço internacional do petróleo (dentre outros motivos, pela crise venezuelana e por sanções dos EUA ao Irã, dois fatores que reduzem a oferta do produto mundo afora) e a alta do dólar (com a recuperação da economia norte-americana, mais capital se direciona para lá, saindo de países mais vulneráveis como os emergentes, que é o caso do Brasil). Adotada primeiramente com janelas maiores de reajustes em 2016 e de modo praticamente diário a partir do segundo semestre de 2017, a nova política de preços da Petrobras por um lado trouxe realismo aos preços (e o fim da necessidade dos pesados subsídios), mas por outro complicou a previsibilidade de quem tem em seus custos forte presença do preço dos combustíveis (os caminhoneiros são um exemplo notável disso). Independente de tal política ser ou não sadia para a empresa (e foi, dado que fez a empresa multiplicar em cinco seu valor de mercado e reduziu sua dívida em 30% desde a entrada de Parente com tal política), ela se sentia no bolso de todo brasileiro.
  • Bolha de caminhões financiada pelo BNDES: no mundo de experimentalismos econômicos que foi o primeiro governo de Dilma Rousseff, tivemos uma particular “inovação” típica das “grandes ideias brasileiras”, que foi a ampliação do crédito barato para a compra de caminhões. Pelo bem de um suposto aumento de produtividade, ficou mais fácil ter caminhão no Brasil. E, adivinha só? Muita gente comprou. Excelente notícia: agora as indústrias de caminhões cresciam mais, contratavam mais, as revendedoras vendiam mais. O problema é que não só de oferta se faz a economia e, no fim das contas, oferta demais para uma mesma demanda resulta em nada mais nada menos que redução de preços. Ou, trazendo pro caso dos caminhoneiros: existindo uma mesma quantidade de fretes a fazer e uma quantidade cada vez maior de caminhoneiros disponíveis para isso, vencerá o que fizer mais barato (porque o que decidir que fará por um preço mais alto perderá a vez para outro que aparecer e topar um preço menor).
  • Prejuízo causado por medidas populistas de controle de preço nos governos Lula e Dilma: outra prova de que os anos 1980 estavam longe o suficiente para termos esquecido de suas mazelas foi a volta do controle de preços. No caso, dessa vez não foram todos, como costumava ser antigamente, mas os controlados: energia e combustíveis sofreram um virtual congelamento que, a despeito de aumentos reais de custos setoriais, deram a impressão de que tudo estava indo bem. O problema é que todo congelamento de custos altera a estrutura de diversos setores demandando que, certa hora, ou os custos sejam liberados ou a oferta simplesmente começará a inexistir por não haver incentivo. No caso da energia, a queda de investimentos pela quebra de contratos de longo prazo (na sanha populista de reduzir o preço na canetada) fez o preço explodir; no caso dos combustíveis, o subsídio que se pagava por ter de comprar combustível mais caro e vender mais barato “pelo bem do povo” virou, justamente, um aumento a este mesmo público cativo.
  • Alta dependência da logística brasileira na malha rodoviária: segundo a Confederação Nacional do Transporte, 60% do transporte de cargas no país se dá pelo meio rodoviário. Algumas estatísticas apontam que seria mais, outras que seria menos que isso. Mas, qualquer que seja o número que você apoie ou concorde, é inegável que uma imensa parte do nosso modal logístico é rodoviário. Inicialmente, os custos baixos de implantação (abrir estradas e vender caminhões) atraem mais do que os altos custos de implantação de meios alternativos; porém, ao longo do tempo o problema na diluição de custos (imagine quão diluídos podem ser os custos no transporte ferroviário em que pode-se levar com uma composição de trem o mesmo que cem carretas), dentre outras dificuldades, faz cobrar a conta de quem se utiliza do transporte. Qualquer decisão de mudança nesse aspecto deve necessariamente levar em conta que mudar isso leva muito tempo. E que, é claro, foi de decisão de curto prazo em decisão de curto prazo que chegamos até aqui.

E agora?

Um dos autores deste artigo, em um outro texto, refletiu bem sobre a dificuldade desse tópico. O brasileiro, historicamente, insiste em acreditar – com relação às políticas públicas – em soluções rápidas e fáceis. Pena que, quase sempre, elas são ineficientes. Não surpreendentemente, uma das soluções sugeridas para “resolver a questão dos nobres caminhoneiros” é, vejam só, tabelar o frete. Novamente a fixação de preços mínimos rondando o hall de ideias. E tem gente que jura de pé junto que dessa vez vai dar certo…


Agora o Terraço tem Whatsapp! Adicione o número +5511976890552 na agenda do seu celular e mande uma mensagem pra gente te achar.


Nossa esperança era que o brasileiro percebesse o quão danosa pode ser a intervenção estatal em demandas (crédito barato para compra de caminhões) e em controle de preços (no caso, dos combustíveis). O que nos entristeceu foi ver que, por outro lado, se sucederam reações como o desejo de uma intervenção militar e de, justamente, controle de preços, saindo como vilã da história a política de preços que ajudou a Petrobras a sair de uma situação bastante complicada (e que, caso virasse falência, estatal que é cobraria a conta de todos nós brasileiros) e passando despercebida a sorrateira ação dos estados e da União de aumentar sensivelmente os impostos que incidem sobre os combustíveis. Em realidade, acreditamos que isso abre um caminho muito perigoso. Ao ceder a todas as pautas dos caminhoneiros, o governo se expõe a futuras cobranças por benesses e afrouxamentos fiscais por outros grupos da iniciativa privada do Brasil.

Fica no ar o questionamento: o que é que o(a) próximo(a) presidente do Brasil fará se ocorrer um novo maio de 2018 nos próximos anos?

Conclusão

O objetivo dessa série de três artigos foi de encontrar a insana relação entre turbulências severas no cenário político-econômico brasileiro nos últimos três anos e um mês específico do ano. Parece aberração. Porém, sabiamente já dizia o saudoso Tom Jobim: este país não é para amadores.

Focamos nesta trilogia nos anos de 2016, 2017 e 2018. Porém, se você quer saber, em alguns aspectos é nessa década inteira que temos tenebrosos resultados justamente no mês de maio. Abaixo deixamos um quadro com as variações mensais do Ibovespa cedido pelo amigo Luis Gustavo Medina. Preste muita atenção nos resultados dos meses de maio.

E então, leitor? Ainda considera loucura? Deixaremos essa pergunta para a imaginação dos senhores.

Na dúvida, fique com a seguinte dica: cuidado com os maios brasileiros…

Caio Augusto
Editor do Terraço Econômico

Eduardo Scovino
Editor do Terraço Econômico

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em julho de 2018:

– Terraço Econômico (19/07/2018): http://terracoeconomico.com.br/os-meses-de-maio-no-brasil-parte-iii-nao-deu-pra-correr-dessa-vez-bino

2018 e as fortes emoções que ainda estão por vir

Há quem diga que o ano de 2018 já tenha se encerrado em alguns aspectos. Na política, por exemplo, não é difícil pensar que o ano já tenha se encerrado. Com a maior impopularidade desde a redemocratização para Michel Temer (mais de 80% de ruim/péssimo) e um Congresso altamente preocupado com sua própria reeleição, é difícil imaginar que pautas tão relevantes quanto a reforma da previdência possam ser aprovadas até 31 de dezembro. Porém, engana-se quem imagina que isso significa que as emoções se encerraram.

Internacionalmente, a bola da vez é ficar de olho no movimento da taxa de juros dos Estados Unidos. Após a crise internacional de 2008, os detentores da dívida pública mais segura do mundo colocaram seu rendimento em virtuais 0%, buscando estimular a economia local através de maior liquidez de empréstimos. Dez anos depois, observando que os efeitos começam a ser sentidos em termos de inflação, os EUA começam aos poucos a subir seus juros. Por que isso importa tanto? Porque sua dívida pública passa a ficar mais rentável e, consequentemente, atrair capital do mundo todo. Os mercados emergentes – Argentina, Turquia, Brasil e outros – já estão sentindo o peso disso através da desvalorização de suas moedas.

Confira o artigo na íntegra na Revista da Associação do Comércio e Indústria de Franca (página 42, edição número 264).

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em julho de 2018:

– Revista da ACIF Franca (18/07/2018): http://www.acifranca.com.br/SITE/edicao/acif-em-revista-edicao264-julho-agosto.html

– Terraço Econômico (23/07/2018): http://terracoeconomico.com.br/2018-e-as-fortes-emocoes-que-ainda-estao-por-vir

 

Os meses de maio no Brasil [parte II] : o delator falastrão

“Tem que manter isso, viu?”

Pronto. Se o leitor deu aquela risadinha de canto de boca ao ler a frase acima, é porque já sabe exatamente do que iremos abordar no doído maio de 2017. Quem tinha dinheiro aplicado em ações como PETR4, JBSS3 ou mesmo qualquer participação no mercado acionário brasileiro naquele mês, até hoje se lembra com detalhes, incluindo os dois escritores dessa sequência de artigos.

Cenário:

“… meu governo viveu nesta semana seu melhor e seu pior momento. Os indicadores de queda da inflação, os números de retorno ao crescimento da economia e os dados de geração de empregos criaram esperança de dias melhores. O otimismo retornava e as reformas avançavam no Congresso Nacional. Ontem, contudo, a revelação de conversa gravada, clandestinamente, trouxe de volta o fantasma de crise política de proporção ainda não dimensionada.”

Esse trecho da declaração de Temer, proferida no dia seguinte do vazamento do áudio, é uma excelente forma para começarmos a compreender o cenário da época.

Vamos aos números. Separamos alguns dados para que o leitor possa entender um pouco mais sobre o que estava acontecendo com a economia naquele período.

Figura 1 – IPCA de maio/2017 acumulado dos últimos 12 meses (Fonte: Relatório Focus)

Figura 2 – Variação do PIB com ajuste sazonal (Plotados pelos autores com dados do Valor Econômico)

Figura 3 – Taxa de desocupação em 2017 (Fonte: Matéria do Nexo Jornal)
Pelas três figuras acima, percebemos que a fala do presidente realmente procedia. A inflação estava em níveis bem mais baixos, o PIB havia cessado um violento período de recessão e a taxa de desocupação estava no início de um período de queda após o pico em março de 2017.

Mas havia um Joesley Batista vestido de cisne negro no meio do caminho.

O que aconteceu?

Na noite do dia 17 de maio, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, lançou uma nota que acertou em cheio a “estabilidade” no Planalto. A nota, que logo virou um plantão ao vivo na Globo e em demais emissoras de TV, relatou a delação escandalosa feita pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da holding J&F, controladora da maior produtora de proteína animal do mundo, a JBS. Segundo a delação, Joesley havia se encontrado com Temer em março daquele ano, e disse ao presidente que estaria pagando pelo silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha.

Numa conversa entre Temer e Joesley, o empresário fala sobre sua relação com Cunha. Então o presidente diz a frase comprometedora e que se tornaria um jargão: “Tem que manter isso, viu?”. A conversa foi gravada sem o consentimento de Temer, que mais tarde viria a chamá-la de clandestina e adulterada, além de negar seu conteúdo e alegar que a fala teria sido tirada de contexto. Na continuação da conversa, Joesley diz que tinha uma pendência da J&F para resolver com o governo e o presidente manda-o procurar Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), um de seus homens de confiança. Rocha Loures, por sua vez, em outra ocasião, fora filmado pela Polícia Federal saindo de uma reunião com Ricardo Saud, diretor da JBS, em um restaurante na cidade de São Paulo, correndo (em uma cena tragicômica) com uma mala de R$ 500 mil que, segundo indícios, seria para Michel Temer.

Em sua íntegra, era a delação – ou uma das – que tinha todos os componentes de uma bomba atômica, sendo o Planalto seu alvo.

Já conhece o Curso de Microeconomia do Terraço? Clique aqui!

Era a estreia de uma “ação controlada” na Lava Jato. Resumidamente, seria uma forma de obter provas em flagrante, mas com a ação da Polícia Federal em um momento posterior. Ou seja, além dos diálogos, as entregas de malas também foram filmadas pela PF, como forma de montar uma situação que comprovasse os ilícitos que o delator estivesse apresentando.

Como surrealismo pouco é bobagem quando o assunto é o nosso país, ainda haveria uma nova dose de escárnio: com o efeito bombástico sobre o dólar (que disparou) e o mercado acionário (que desabou), os irmãos Batista foram acusados também de insider trading – ou seja: sabendo de uma informação privilegiada (o momento em que essa delação premiada sairia e explodiria com a estabilidade até então observada), executaram compras de dólares e operações de venda das ações de sua própria empresa. No fim das contas, o resultado com isso foi inusitado: os empresários também foram acusados do crime de insider trading, sendo que , que viria a acontecer no segundo semestre, foi a primeira no Brasil por esse crime.

Bem resumidamente, a Lei 6.385/1976,[1] com a redação dada pela Lei 10.303/2001,[2] previu o artigo 27-D, que tipifica a conduta de “Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários”. Aplicando ao caso em questão, a Polícia Federal constatou que houve venda de ações da JBS pelos irmãos Batista – eles estavam cientes da enorme volatilidade a qual o papel estaria exposto – antes da divulgação do conteúdo da delação os livrou de um prejuízo da ordem de R$ 138 bilhões. Para completar, no dia anterior da delação vir à tona, a JBS negociou US$ 474 milhões com a moeda a R$/US$ 3,11. Em suma, essa movimentação gerou um lucro para os irmãos de mais de U$ 100 milhões, sendo que o crime está exatamente na utilização de vantagem indevida. E quanto aos acionistas que mantiveram sua exposição ao papel, ou seja, todos os outros… Bem, a esses restou amargar um prejuízo grande o suficiente para batizar o dia 17 de maio daquele ano de “Joesley Day”.

Por que aconteceu?

Houve muita especulação sobre isso até hoje, e nunca foi nossa intenção ser os detentores da verdade. As teorias principais circularam em torno do fato de que, já tendo o conhecimento sobre os pesados efeitos negativos esperados após uma divulgação bombástica como essas, os irmãos Batista já teriam passado o controle das operações da JBS para os EUA. Isso de fato ocorreu e, no capitalismo, a mudança de base central de controle de empresas está sujeita a alterações conforme decisões da própria empresa. Porém, o lado curioso foi isso ocorrer logo antes desta delação tornar-se disponível (assim como o também estranho comprar de dólares e vender de ações). É coincidência demais – e, quando a esmola é grande demais, o santo desconfia.

O que veio depois?

O dia seguinte foi de imensa tensão, em diversos aspectos. No mercado, o dólar disparou e as ações derreteram. Pela primeira vez, desde 2008, o circuit breaker – uma pausa de 30 minutos para acalmar os ânimos, algo que só ocorre quando mais de 10% de queda no índice é observado em um mesmo dia – do Ibovespa foi acionado.

O final do dia se aproximava e a tensão ficava ao redor de Temer. Que decisão o presidente iria tomar diante de algo que parecia ser tão categórico? Foi então que ele veio a público e, em um pronunciamento que também acabou ficando marcado, mandou um sonoro “não renunciarei! Repito: não renunciarei!”.

Não apenas por força de vontade e de fala, mas também por um apoio considerável do congresso apesar do desgaste imenso após o episódio, Temer conseguiu posteriormente barrar a inserção de duas denúncias de investigação sobre o assunto. Caso alguma delas tivesse sido aprovada, haveria um afastamento do presidente e o cenário ficaria ainda mais instável.

Apesar do aparente retorno a um patamar de estabilidade, a sequência que tem sido observada pelo governo Temer sinaliza que, embora não tenha saído, é como se seu mandato já tivesse se encerrado. Seu índice de aprovação popular está em um dígito há meses e reformas importantes que tinham certo potencial até de aprovação (como a da previdência) acabaram ficando em segundo plano diante das tentativas de sobreviver a incursões de novas denúncias.

No fim das contas, Joesley Batista, o homem da delação-bomba, acabou sendo preso em setembro de 2017.

Vamos analisar três gráficos para visualizar um pouco melhor como o mercado reagiu a maio de 2017.

Primeiro, o gráfico de JBSS3 no período de 2 anos.

Figura 4 – Gráfico de JBSS3 (Fonte: https://br.advfn.com/bolsa-de-valores/bovespa/jbs-JBSS3/grafico)
O gráfico fala por si só. O período em destaque mostra o reflexo que a divulgação do conteúdo da delação teve no valor de mercado do papel. Devastador.

O próximo gráfico mostra a influência que o evento teve no Índice Ibovespa.

Figura 5 – Gráfico do Índice Ibovespa (Fonte: https://br.advfn.com/bolsa-de-valores/bovespa/ibovespa-IBOV/grafico)
Pela figura 5, percebemos que o “Joesley Day” não apenas acertou o papel JBSS3 em cheio como também reverberou no desempenho do Índice Bovespa, que chegou a cair 8,8% no dia 18 de maio de 2017, sendo essa a maior baixa diária dos últimos 9 até aquele dia. Em outras palavras, a Bovespa chegou a perder em um só dia o equivalente a R$ 219 bilhões em valor de mercado.

Por último, temos aqui o gráfico do dólar no mês de maio de 2017.

Figura 6 – Gráfico da cotação do dólar até meados de maio (Fonte: https://g1.globo.com/economia/mercados/noticia/dolar-fecha-em-forte-alta-em-dia-de-nervosismo-pelo-cenario-politico-bc-interfere.ghtml)

Claramente percebemos a relação do salto de 8,15% dado pelo dólar com o dia em que essa subida se sucedeu. É interessante também relacionar esse gráfico com o crime de insider trading dos irmãos Batista para uma melhor compreensão do esquema elaborado pelos empresários.

Ao final desse mês, ficou claro o seguinte: é impressionante o poder que grandes empresários brasileiros exercem na política. Magnatas como Joesley Batista, Marcelo Odebrecht e Eike Batista deram claras demonstrações que, se quiserem, possuem influência suficiente para abalar seriamente as estruturas da República. A relação promíscua entre empresários e governo é interessante para ambos. Por parte do poder público, ganha-se apoio, mesmo que ilícito. O empresariado, por sua vez, ganha fácil acesso a crédito barato, proteção ao seu market share através da manutenção e aumento de diversas barreiras a entrada e enorme vantagem competitiva em função disso tudo. Eis o famoso “capitalismo entre amigos”, aquele que fere cruelmente os interesses republicanos.

É assustador também perceber que, mesmo preso, Eduardo Cunha ainda conseguia exercer enorme influência nos acontecimentos.

Como Tom Jobim bem dizia, nosso país não é para amadores. Se, por um lado, temos grandes conglomerados econômicos em um verdadeiro capitalismo de laços com o governo, setores pulverizados e de organização bastante difusa como os caminhoneiros conseguiram deixar de joelhos o governo já fragilizado de Temer. Mas, sem spoilers, aguarde a terceira e última parte desta sequência de artigos: 2018 e a greve dos caminhoneiros.

 

Eduardo Scovino – Editor do Terraço Econômico

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em julho de 2018:

– Terraço Econômico (12/07/2018): http://terracoeconomico.com.br/os-meses-de-maio-no-brasil-parte-ii-o-delator-falastrao

 

AMAZON E OS REMÉDIOS: A BUY’N’LARGE DA VIDA REAL

Quem assistiu ao filme de animação da Pixar, Wall-E, pode não ter notado, mas há nele uma reflexão econômica implícita. O filme se passa em uma realidade do planeta Terra totalmente lotado de sucata e, para sobreviver, a espécie humana teve de se abrigar em uma imensa espaçonave. Aí entra a curiosidade: a espaçonave, que representa o destino da humanidade e tudo que pode ser provido a ela, tem visível a marca fictícia Buy’N’Large. Em outras palavras, temos uma empresa que provém tudo que o ser humano precisa, até mesmo refúgio do planeta sucateado. E isso tem muito a ver com a Amazon.

Inicialmente, um marketplace e hoje uma empresa inserida em diversos setores diferentes e que, através dessa verticalização, intencionalmente vai se tornando aquela empresa que tudo proverá.

Há aproximadamente um ano, a empresa comprou a Whole Foods, uma gigante dos produtos naturais, entrando assim no mercado de alimentos. Mais recentemente decidiu também entrar no mercado de farmácias, através da aquisição da PillPack.

A COMPRA

Essa aquisição significa algo muito importante: novas incursões da Amazon, que é a maior varejista online do mundo, mostram que a cada novo mercado em que ela entra a concorrência toda fica em alerta.

O motivo de alarde é simples. Pensemos no seguinte: você precisa de um produto e, por já utilizar a Amazon, irá procurar na lista do que ela oferece se este produto está disponível. Caso não esteja, ainda com a necessidade presente, você então busca por outros meios. Porém, se estiver, dado que você já consome diversos outros produtos pela mesma plataforma, sabe que nunca mais deve precisar procurar em outros meios. É um efeito de rede, você usa a Amazon porque muitos vendem nela e muitos vendem nela porque muitos (como você) a usam para comprar coisas.

A simples chegada da Amazon em um novo setor oferece de maneira direta um impacto sobre a concorrência nos setores. O mais interessante disso é que isso independe do tamanho do player por ela adquirido: no caso da PillPack, por exemplo, embora seja esta empresa bastante pequena, apresenta uma notável sinergia com o modo como a Amazon funciona, que é o varejo online.

Do momento da aquisição em diante, as pessoas não estão comprando mais remédios da PillPack, mas sim, da Amazon. Se essa diferença não lhe parece fundamental, pense qual a diferença entre dizer “eu assisto vídeos por um site da internet” e “eu vejo esses vídeos pelo YouTube” (do Google, da holding Alphabet). Essa diferença, na prática, é fundamental para entender o efeito que essa aquisição acabará tendo.

Movimentos como esse ampliam a participação de empresas já enormes em diferentes mercados, concentrando-os por meio da praticidade que oferecem. Se a Amazon será a Buy’N’Large, que vimos na animação, ainda está longe de saber; mas, certamente, na corrida do trilhão, juntamente da Alphabet e todo seu conglomerado da informação, é fortíssima candidata a vencer a corrida nos próximos anos.

Terraco Econômico

Parceiro Guide

Hoje o maior blog independente de economia do Brasil, foi criado por 4 amigos em 2014, o motivo? Fornecer análises claras e independentes sobre economia e finanças, sempre com a missão de informar o leitor.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em julho de 2018:

– Blog da Guide Investimentos (05/07/2018): https://blog.guideinvestimentos.com.br/textos/amazon-e-os-remedios-nova-incursao-da-buynlarge-da-vida-real/

Brasil avança nas oitavas… e a inflação, também! Terraço em Quinze Minutos #36

Nesse episódio, Victor Candido, Caio Augusto, Rachel de Sá e Renata Kotscho Velloso debatem sobre os seguintes temas:

1) Impactos da greve: indústria em queda e inflação dispara
2) “Lula mexicano” é eleito presidente
3) Angela Merkel por um fio na Alemanha
4) Suprema corte americana perde ministro há mais tempo no cargo