INDICAÇÕES: O QUE LEMOS EM 2018

Nossa equipe se juntou para copilar indicações do que lemos em 2018. Veja abaixo:

THE SECRET OF OUR SUCESS – JOSEPH HENRICH

Victor Cândido

Nós, seres-humanos, somos uma espécie animal intrigante. Se fôssemos abandonados na natureza, muito provavelmente não iríamos conseguir superar até os desafios mais básicos, como obter comida, construir abrigos ou evitar predadores e morreríamos rapidamente. Sem falar que nossos “filhotes” possuem mobilidade quase nula e cabeças enormes que nem terminaram de se fechar quando nascem. E mesmo com todos esses fatores jogando contra, nós vencemos a natureza no jogo evolutivo e dominamos o mundo.

Como? A resposta óbvia que vem na cabeça de todos é: com a nossa inteligência singular no mundo animal. Mas não foi, nossa inteligência nem é tão singular assim, mas sim a nossa cultura, ela é a grande responsável pelo nosso sucesso estrondoso como espécie. Humanos são a única espécie com uma cultura exorbitante.

Nas mais de 460 páginas de The Secret of Our Success (Princeton University Press – R$89,90 ), o antropólogo formado em engenharia, Joseph Henrich, nos leva num divertido e cuidadoso ensaio, cheio de evidências empíricas que confirmam sua tese principal: Humanos não deram certo pela inteligência individual, e nem são a espécie mais inteligente, porém, foram capazes de criarem um super cérebro coletivo, denominado de cultura, que se perpetua de geração em geração. Se não fosse a cultura altamente desenvolvida dos humanos, nós não teríamos vencido os neandertais e produzido tecnologias engenhosas, linguagens sofisticadas e instituições complexas que nos permitiram e permite nos expandir com sucesso em uma ampla gama de ambientes diversos.

Apenas para ilustrar a questão da limitada inteligência individual dos humanos, o próximo experimento foi extraído do livro, mostra uma comparação interessante, onde macacos e humanos foram colocados para jogar um teste, que consegue medir alguns tipos de inteligência, como memória de curto prazo, memória de trabalho e a inteligência social (que mede a nossa capacidade de aprender com a experiência de nossos pares). O resultado é incrível, os chimpanzés e o orangotangos tiveram desempenho similar aos humanos em todos os testes, exceto em um, o de inteligência social, onde ganhamos de lavada.

Logo fica claro que o sucesso estrondoso dos humanos não é fruto de nossa cabeça gigante, mas sim de uma enorme cabeçona coletiva, que pensa sem parar a milhares de anos.

STRUCTURAL REFORM PRIORITIES FOR BRAZIL – IMF WORKING PAPER, NINA BILJANOVSKA E DAMIANO SANDRI

Rachel Borges

Sob o contexto de décadas de baixo crescimento econômico e produtividade estagnada, os pesquisadores do FMI conduzem um estudo empírico partindo da necessidade urgente de reformas estruturantes para acelerar a produtividade no Brasil. Desenvolvem então uma análise empírica para definir as reformas de maior prioridade a serem conduzidas pelo governo brasileiro de modo aumentar a produtividade e, portanto, retomar o crescimento econômico sustentável.

Para tanto, estimam primeiro o impacto de diferentes reformas na produtividade do país (incluindo à estrutura jurídico-legal, leis trabalhistas e abertura comercial) com base em dados históricos e de outras economias com estruturas semelhantes. Depois, usam dados empíricos sobre a opinião pública em relação a cada uma destas reformas – pois, afinal, políticos precisarão aderir a causa e defender no Congresso reformas muitas vezes com impactos em grupos de interesse específicos, pensando sempre em se manter no poder via seus eleitores, não é mesmo?

O estudo traz então uma interessante conclusão: reformar o setor bancário terá o maior impacto na produtividade total dos fatores na economia brasileira, além de levar consigo o maior apoio popular, além de não requererem grandes mudanças legislativas. Na linha de recentes esforços liderados pelo Banco Central e o Ministério da Fazenda, os pesquisadores apontam para reformas que visem a melhora da alocação de recursos via redução de crédito subsidiado, diminuição da participação do Estado e fomento à competição no setor financeiro (como Fintechs). Importantes primeiros passos foram dados nos últimos dois anos, esperemos que o novo governo valorize também essa ótima leitura.

PRINCÍPOS – RAY DALIO

Pedro Lula

“Princípios: Vida e Trabalho” é um daqueles livros marcantes. Ray Dalio, um dos maiores investidores do mundo, é fundador da Bridgewater Associates, a quinta empresa privada mais importante dos Estados Unidos e a mais eficaz gestora de hedge funds do mundo, teria então todos os motivos para viver no conforto de sua vida e ciclo social, com tudo, desde os anos 90 Ray vem nutrindo junto a seus investidores uma série de cartas e recomendações sobre investimentos e sobre a vida pessoal-profissional, que após longos anos decidiu transformá-las em um magnífico livro.

O autor tem o cuidado de transformar o livro numa espécie de conversa, uma bate-papo inicialmente sobre a sua jornada de vida, usando de exemplo as diversas situações que passou, quando quebrou sua primeira empresa, seu filho especial, quando errou sua tese de investimento e custou muito milhões, quando desenvolveu sua nova metodologia de investimentos, como tratou e selecionou seus funcionários, enfim, o que Dalio chama de jornada do aventureiro, para depois, na segunda parte do livro abrir para a sua série de Princípios.

Nesse sentido, o autor escreve uma espécie de guia, com uma série de situações hipotéticas e conselhos, para conseguir alcançar sucesso pessoal e profissional, de uma forma muito autêntica. Conceitos como mente aberta, radicalmente transparente, radicalmente sincero, evolução pessoal, não tolerar problemas, definição de objetivos, discordância construtiva, reputação e pessoas extraordinárias são vistos ao longo da diversas páginas de leitura.

O próprio Ray comenta que sua atual fase de vida é de transmitir conhecimento, promover um mundo melhor e apoiar as pessoas, com certeza a leitura desse livro é uma viagem a cabeça de uma pessoa genial, que deixa um legado de vida incrível.

100 DIAS ENTRE O CÉU E O MAR – AMYR KLINK

Eduardo Scovino

Essa eu dedico para todos que, assim como eu, são amantes do remo. Amyr Klink é um sujeito deveras ousado. Nesse relato, ele conta a vez que saiu do porto da cidade de Lüderitz, no sul da África, e remou até Salvador durante 100 dias.

Isso mesmo, amigos. Remando. A bordo do Paraty, Klink nos fala de sua intensa (bota intensa nisso) relação com o mar, da vida marinha que o acompanhou durante a travessia e também alguns dramas por estar completamente sozinho em alto mar.

O que me chamou muita atenção no livro foi que, antes de qualquer coisa, era um desafio de logística. Tudo havia sido muito bem calculado, levando em consideração o lugar da partida – preste bem atenção quando ele fala das correntes de Benguela – e da alimentação balanceada e do estoque de comida e água a bordo.

A cereja do bolo: Amyr Klink é economista de formação. Nunca pensei que economia e remo fossem dar uma mistura tão rica e intensa como “100 dias entre o Céu e o Mar”.

JOB MARKET SIGNALING – MICHAEL SPENCE (1973)

Arthur Lula

Você já parou para pensar que se as pessoas não tivessem diplomas ou certificados, e não tentassem construir um bom currículo, as empresas simplesmente não conseguiriam diferenciar os trabalhadores? Pois é, Spence ilustra nesse elegante paper, que é um resumo de sua tese de doutorado e foi publicado no The Quarterly Journal of Economics, como funcionam as sinalizações de mercado, sobretudo no mercado de trabalho. Claro, utilizando modelos teóricos. Essa dica de leitura vai para aqueles que desejam um pouco de abstração, mas lidando com um tema muito interessante e que aborda situações de informação imperfeita nos mercados.

O problema todo começa do fato de que os empregadores não conseguem apenas “no olhar” saber quão produtivo é um trabalhador, num clássico caso de assimetria de informação. Há um tempo de aprendizagem logo quando se contrata alguém, e esse tempo varia de trabalhador para trabalhador, logo escolher o trabalhador que minimize esse tempo é certamente uma decisão de investimento – uma decisão sob incerteza, quase uma loteria, para ser mais claro. Essa decisão pode ser baseada em probabilidades condicionais e experiência passadas.

Se existem o mesmo número de pessoas com alta produtividade e outras de baixa produtividade, você tem chances iguais de contratar cada tipo, caso não tenha informações sobre elas. Se você pretende remunerar o trabalho pela produtividade, mas não tem conhecimento desta, acaba oferecendo uma remuneração esperada (algo como a média dos dois grupos). Essa situação pode gerar um caso extremo em que não há incentivos para pessoas de alta produtividade participarem do mercado, pois estariam recebendo remuneração abaixo da sua produtividade, sobrando um mercado de apenas pessoas de baixo desempenho – o caso da seleção adversa (que não é tratada pelo paper, mas vale a pena ler sobre).

Resumindo de forma bem grosseira, o autor propõe alguns modelos, mas destaco o de sinalização via educação (ainda que custosa) como forma de aumentar a informação, diferenciação e identificar produtividade. Dado a estrutura de mercado e a avaliação dos empregadores de qual é a escolaridade média (por exemplo) que pretendem contratar, os indivíduos vão ajustar o seu próprio nível de escolaridade mediante ao custo de fazê-lo. Alguns podem achar muito custoso e não o fazer, por exemplo. Em algum equilíbrio desse mercado, o empregador poderá fazer previsões da produtividade esperada para qualquer indivíduo desse mercado teórico, observando seu nível educacional.

O problema é que esse equilíbrio teórico pode não indicar um aumento de bem-estar, dado o custo de adquirir escolaridade para sinalizar a produtividade. De certa forma, só será vantajoso adquirir mais educação se os custos de sinalização estiverem negativamente correlacionados com a produtividade.  Você já parou para pensar que educação pode ter retorno social negativo, mas um retorno privado positivo? É um caso particular e se ficou curioso, leia o paper.

Em suma, esse é um dos trabalhos iniciais bem interessantes que há no ramo da economia da informação, de cunho bem teórico, mas que pode aguçar sua vontade de estudar essa área.

A LOJA DE TUDO – JEFF BEZOS E A ERA DA AMAZON

Caio Augusto

Provavelmente você leitor já fez ou conhece quem fez alguma compra na Amazon. Deve saber também da revolução tecnológica e varejista que ela representa – e que faz dela, não surpreendentemente, uma das maiores e mais valiosas empresas do mundo atual.

O que você não sabe sobre a Amazon pode encontrar neste livro. Divido em três partes, apresenta um dos empreendimentos mais bem sucedidos da história juntamente a seu representante maior, Jeff Bezos.

Superdotado, versátil e sempre buscando pesquisar empreendedores de sucesso – tendo em Frank Meeks, franqueador da Domino’s Pizza de Virgínia que enriquecera -, Bezos foi um dos tantos que apostou na internet na virada do milênio (e um dos poucos que conseguiu provar que seu modelo de negócios era robusto o suficiente para seguir em frente).

Com nome inspirado no maior rio do mundo e logo que dá a entender que lá você encontrará tudo “de A a Z”, a atual loja de tudo começou com o objetivo de superar o serviço de livrarias virtuais existente à época, meados dos anos 1990. Desde o início o plano era de ser imenso – primeiro como “a maior livraria do mundo” e, com o passar do tempo, “a maior seleção da Terra”.

A ambição traduziu-se em prática a partir do foco maior sobre dois aspectos fundamentais: o atendimento ao cliente e a eliminação de inconformidades na cadeia de fornecedores objetivando oferecer produtos aos menores preços possíveis. Hoje, a percepção sobre a empresa é exatamente essa.

A obra apresenta, em suma, como a Amazon e seu criador estão umbilicalmente ligadas e, assim sendo, como o avanço da empresa tem conexão com o pensamento ambicioso de Bezos em oferecer de tudo a todas as pessoas.

SAPIENS: UMA BREVE HISTÓRIA DA HUMANIDADE – YUVAL HARARI

Arthur Solow

A história dos humanos no planeta Terra é bem mais interessante do que você imagina. Se antes os Sapiens – a espécie humana que prevaleceu e resiste até hoje – disputava comida e bens de sobrevivência com outros animais, em condição de igualdade, hoje subjuga completamente fauna e flora ao seu bel-prazer, em nome do desenvolvimento econômico.

Misturando história, biologia, filosofia e sociologia, Harari descreve momentos históricos da evolução humana em detalhes, como a Revolução Cognitiva, da Agricultura, a Industrial e finalmente a Revolução Científica. Essa última, inclusive, é aos olhos do autor uma das mais perigosas, pois não sabemos muito bem as implicações de seus estudos e experimentos. ‘Realidades Imaginadas’, nos termos do autor, foram determinantes para a evolução humana, como a formação dos impérios e posteriormente dos estados nacionais, adoção do sistema capitalista e a influência das religiões.

A evolução não foi nada linear, e muitas escolhas foram tomadas para chegar onde estamos atualmente. Destruímos florestas e extinguimos espécies inteiras de plantas e animais (e inclusive outras espécies de humanos) em nome do progresso.

Será que depois de tudo isso e com toda a tecnologia atual e a oferta abundante de bens de consumo, que até pouco tempo era inimaginável, nos tornou mais felizes que antigos caçadores-coletores de 15 mil anos atrás? Perguntas como essa rondam a cabeça do autor, e nos fazem refletir sobre o nosso próprio modo de vida.

DEVELOPMENT AS FREEDOM – AMARTYA SEN

Lucas Adriano

Quando o objetivo é analisar os efeitos da pobreza e a sua intensidade sobre diferentes grupos sociais, o livro “Development as Freedom”, do Nobel Amartya Sen, é simplesmente in-dis-pen-sá-vel.

Nessa obra, Sen analisa a pobreza de uma maneira pioneira, considerando a sua incidência em diferentes dimensões. É dado destaque para certos fatores, como: educação, saúde, regionalismo e empoderamento feminino. Tais fatores são considerados como responsáveis pelo agravamento de uma situação de pobreza.

“Development as Freedom” possui um quê de filosofia, algo devido ao próprio entendimento da pobreza, como algo que limita a liberdade dos indivíduos, mas também pela crítica profunda realizada ao libertarianismo. Mas esse “quê de filosofia” de modo algum torna a obra abstrata e distante da realidade, muito pelo contrário! A discussão filosófica apenas eleva o nível de entendimento acerca de exemplos econômicos reais, que são apresentados ao longo do texto.

A obra de Sen ultrapassa o estudo da pobreza e de suas causas, percorrendo um caminho mais abrangente, que é o de entender o real significado do que seria liberdade humana.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em dezembro de 2018:

– Blog da Guide Investimentos (26/12/2018): https://blog.guide.com.br/textos/indicacoes-o-que-lemos-em-2018/

O que a Equipe do Terraço leu em 2018?

Há certas coisas que, via de regra, fazem parte da tradição de todo fim de ano. Vão desde o especial do Roberto Carlos e a piada do pavê, até a ceia de Natal e os fogos de Reveillon. Mas claro, além disso, o que não pode faltar, são as indicações dos melhores livros/artigos lidos pela equipe do Terraço durante o ano que passou!

Para 2018, as leituras foram bem diversificadas, algo que junto com a tradição de final de ano, também não é nenhuma novidade. Dado que mesmo sendo um espaço de discussão predominantemente econômica – o que por si só já oferece um leque quase inesgotável para ser explorado – o Terraço vai MUITO além disso, abrangendo temas mais entrelaçados a política, a história do Brasil e as relações internacionais.

Sendo assim, sem mais delongas vamos para as indicações.

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Observação: as recomendações foram escritas pelos próprios membros e, deste modo, expressam as opiniões dos mesmos.

Eduardo Scovino

Gene: uma história íntima – Siddhartha Mukherjee

Vamos começar com o início de tudo: os genes!

Vencedor do badalado Prêmio Pulitzer de não-ficção de 2011, este livro consegue conectar a evolução dos estudos a respeito do Gene, com marcos da história da humanidade – coisas que a  princípio – não possuem muita ligação. Mukherjee consegue explicar, com extrema clareza e didática, os primeiros passos de cada teoria, as frustrações dos cientistas de cada época, as descobertas acidentais e, claro, sobre o que provavelmente nos aguarda em poucos anos.

É incrível a ligação entre o avanço dos estudos sobre mutação genética e os sucessos de bilheteria de Hollywood. É impressionante as ligações que Mukherjee faz com histórias aclamadas, como Quarteto Fantástico, Homem Aranha, Hulk e tantos outros.

Também é surpreendente quando Mukherjee explica acontecimentos notórios do século XX como o Nazismo e a União Soviética sob a ótica dos genes. Depois que passei por esse capítulo, passei a entender que as aulas de Nazismo e Segunda Guerra devessem ser dadas com um professor de História e um de Biologia na mesma sala.

Recomendo a todos que gostam de ciência e procuram entender um pouco sobre como o estudo de estruturas tão pequenas podem saltar à nossa realidade com tanta frequência.

Victor Candido

A Man on the Moon – Andrew Chaikin

Da descoberta dos genes e todas as suas implicações, vamos diretamente para o espaço.

É bem provável que você saiba, que o primeiro homem a pousar na lua disse, assim que pisou em solo lunar: “Este é um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade”. Mas provavelmente não deve ser do seu conhecimento, que o terceiro homem a pisar na lua, na missão Apollo 12, disse: “whoooopie” ao pular do último degrau do módulo lunar em direção ao solo lunar. Ou que na missão Apollo 15, levaram um carro para lua.

Todos fatos incríveis que fizeram parte do maior esforço científico da história: a viagem do homem da Terra até à Lua. O verdadeiro surrealismo que se tornou realidade. Pouco se conhece das demais missões lunares e da epopéia que foi o esforço de se dominar a tecnologia para ir e voltar em segurança ao nosso astro vizinho. Nos limitamos a saber que nós (humanidade) já fomos até lá.

O livro A Man on The Moon, de Andrew Chaikin. E para quem não curte livros, o seriado da HBO, de 1998, From the Earth to the Moon, que é baseado no livro e produzido por Tom Hanks, que viveu o protagonista Jim Lovell no filme Apollo 13. Essas obras se conectam e contam a história de como a humanidade, com seu espírito explorador, pode fazer coisas incríveis.

Ao contrário de Neil Armstrong, que virou símbolo do programa espacial americano, existiram 400.000 pessoas envolvidas no esforço de colocar um homem até o final da década de 60 na lua. Em 1962, em um discurso na Universidade de Rice, o então Presidente John Kennedy, disse: we choose to go to the moon, e colocou a meta de fazerem isso antes do final da década, ou seja, a NASA tinha 8 anos para alcançar a ambiciosa meta. Naquele momento a NASA tinha 15 minutos de voo espacial tripulado. Para ir à Lua precisaria de centenas da horas a mais, de tecnologia e materiais que ainda nem existiam e que teriam que ser inventados.

Entre 1967 e 1969, missões tão importantes quanto o próprio pouso lunar aconteceram: como o voo incrível da Apollo 8 que foi até a órbita lunar e circulou algumas vezes a lua, mostrando que era possível ir até lá e voltar com segurança, no natal de 1968 a Apollo 8 transmitiu ao vivo da Lua, para o mundo todo, via televisão. Com a figura cinza da lua no centro da imagem, os três astronautas: Frank Borman, Jim Lovell e William Anders leram o livro gênesis da bíblia. A missão foi um sucesso retumbante, o próximo passo era pousar na lua.

O livro de Chaikin é uma janela para uma história surreal, um surrealismo real. E nos faz lembrar que a humanidade pode sim fazer o que quiser, basta ter um objetivo claro e mobilização para tal.

Arthur Solow

Um homem, um rabino – Henry Sobel

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A partir da mobilização de vários indivíduos com um objetivo bem definido, é possível fazer coisas incríveis. Mas alguns homens em especial, conseguem obter grande destaque de maneira individual, mesmo aqueles que possuem uma trajetória marcada por imperfeições e que estejam longe da unanimidade.

Em relação a esses homens, sempre há uma história oculta, mas que gostamos de julgar antes mesmo de conhecê-la com detalhes. É o caso do Rabino Henry Sobel, por muitas vezes lembrado apenas pelo fatídico episódio do furto das gravatas em Miami, ocorrido em março/2007. Mas sua história pela democracia e pelo povo judeu no Brasil se sobrepõe com sobras sobre o episódio das gravatas e se misturam com a própria história política brasileira.

Sobel é reconhecido pelo seu sotaque forte, pelas frases curtas e pelo seu trabalho de décadas à frente da Congregação Israelita Paulista (CIP), sediada no Bairro da Bela Cintra, São Paulo. Mas uma história chama a atenção: após a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, Sobel duvidou publicamente da versão dos militares, que argumentavam que Herzog havia tirado a própria vida. Com isso, determinou o enterro do jornalista em região comum do cemitério, e não em localidade afastada, devido às leis específicas do judaísmo. Além disso, desafiou o regime ao celebrar um culto ecumênico na Praça da Sé dias depois, juntamente com o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns.

Mas sua dedicação ao judaísmo e a CIP trouxe marcas duradouras em sua vida privada: a própria família (esposa e filha) reclamavam constantemente de sua ausência em casa. Henry Sobel sequer é unanimidade – longe disso – dentro da comunidade judaica, por suas posições tidas como reformistas, mas sua história é importante para lembrarmos que nossos erros e decisões moldam quem nós somos e que nossa atuação ativa pode mudar a vida de muitas pessoas e do país que vivemos.

Caio Augusto

Ah, como era boa a ditadura… A história dos últimos anos da ditadura militar nas charges da Folha de São Paulo – Luiz Gê

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Se a história de pessoas guarda diversos pontos conflitantes, com a história de eventos políticos e sociais, não é diferente. Como teria dito o economista Pedro Malan, “no Brasil até o passado é incerto”.

Um dos momentos que mais marcaram a história brasileira – e ainda marcam – foi o período militar. Após os movimentos de rua de 2013 e todas as repercussões políticas deles advindos, pudemos observar alguns grupos conclamando a volta dos militares do poder, tal qual ocorria na ditadura.

Assustado e inconformado com esse tipo de manifestação pela volta da ditadura militar, Luiz Gê, chargista que observou e externou em seus trabalhos os anos finais do regime, decidiu reunir em um livro muito do que produziu entre 1981 e 1984.

Diferentemente de muitas obras que focam em aspectos como a supressão de liberdades políticas e de discurso, essa obra se direciona essencialmente ao que acontecia nos campos da economia e da política naquela época. Inflação em níveis altíssimos, desabastecimento, o início de uma série de planos econômicos mal-sucedidos e angústias relacionadas com os últimos anos do período militar estão todas presentes.

Talvez as impressões mais marcantes da obra sejam duas: primeiramente, para quem viveu e acompanhou a economia nos anos finais da ditadura brasileira, a impressão era de que diuturnamente o país iria acabar; em segundo lugar, para quem não teve essa vivência, mesmo a atual situação complexa do Brasil (com uma situação fiscal grave a ser encaminhada) parece absolutamente tranquila e de fácil lida perto do que pudemos observar naquela época.

Lucas Adriano

The “São Paulo Mystery”: The role of the criminal organization PCC in reducing the homicide in 2000s – Marcelo Justus, Daniel Ricardo de Castro Cerqueira, Tulio Kahn e Gustavo Carvalho Moreira


Bem incerto são determinados efeitos acarretados em toda sociedade, supostamente atribuídos a certos grupos.

Assim, o artigo aborda o aparente “mistério” que permeia o sucesso na redução da taxa de homicídios no estado de São Paulo, a partir dos anos 2000. Como possível fator determinante para essa redução, foi analisada a atuação do PCC, organização criminosa que se fortaleceu justamente nesse período, de diminuição no número de homicídios em São Paulo.

Será que o crescimento do PCC, teria de alguma forma monopolizado o crime, impondo um maior regramento nas ações criminosas? Ou terá havido algum acordo implícito entre a organização e as forças de segurança do estado? Questões como essas são levantadas no artigo, que faz relações acerca da possibilidade de um grupo à margem da lei, ter a abrangência e a organização suficientes para poder impactar o estado mais rico do Brasil.

Mesmo com todo o poder e sofisticação operacional do PCC, este não teria sido responsável direto pela redução dos homicídios em São Paulo. Apesar de ter sido constatado pelo trabalho, que a atuação da organização teria ligação dentre outras coisas, com a diminuição de certos crimes, como o de abuso sexual, dentro das penitenciárias paulistas.

O artigo é extremamente interessante, seja devido a robustez dos métodos econométricos que são empregados, como pela seriedade e pelo extremo conhecimento técnico de seus autores, acerca do tema criminalidade. Fora que, a proxy utilizada, a atuação de uma organização criminosa como fator relacionado com a redução da taxa de homicídios, raramente é discutida, de maneira séria e embasada pelo menos.

Rachel de Sá

O Inverno do Mundo, Kenn Follett

Em relação a incertezas, poder se dedicar ao estudo de um grande livro, também é uma delas.

Mas promessa é dívida, e nesse caso felizmente. Como prometido ao final de 2017, dediquei grande parte de meu 2018 imersa nas 910 páginas do segundo livro da trilogia do filósofo e escritor Britânico, Kenn Follett.

Seguindo a segunda geração de famílias distintas, mas entrelaçadas pelo emaranhado histórico europeu de meados do século XX, o livro se inicia na Segunda Guerra Mundial e avança às negociações da Liga das Nações e novelas diplomáticas daquilo que será a base da economia e política globais que antecedem o longo período da Guerra Fria. A riqueza de detalhes históricos continua a impressionar o leitor, construindo personagens que vão de jovens alemães frustrados com as mentiras de uma Guerra que já perdeu o sentido, à cabos do exército norte-americano em Pearl Harbor e marinheiros da histórica batalha de Midway, e ingênuos pesquisadores russos na construção do que viria a ser a bomba atômica.

Ao terminar o livro, a única dúvida que fica é: a Guerra Fria será tão interessante assim para meu 2019?

Arthur Lula Mota

Autoregressive Neural Network Processes – Sebastian Dietz (2010)

Diferente dos meus colegas do Terraço, vou optar por indicar uma leitura técnica: uma tese de doutorado. Esse trabalho é bastante interessante por apresentar novas metodologias para trabalhar com séries de tempo e fazer projeções. Sebastian, ao longo das 194 paginas nos introduz ao mundo das redes neurais e como estabelecer relações com os modelos clássicos autorregressivos, colapsando nos modelos conhecidos como AR-NN (Autoregressive Neural Newtork).

Esses modelos podem apresentam performance melhor do que os tradicionais ARIMA por trabalhar com maior desempenho em situações de processos não lineares, saindo daquele mundo bem-comportado que estudantes de econometria (por exemplo) são inseridos no início de sua formação. Outro ponto positivo dessa tese é nos acostumar ainda mais com aplicações de redes neurais e suas funções chamadas de neurônios, um ferramental que tem crescido nos últimos anos, acompanhando o potencial computacional e a facilidade de aprendizagem.

A elegante apresentação de modelos univariados e multivariados nos abre novos caminhos para estudar fenômenos interessantes, sobretudo na economia, com modelos que envolvem cointegração (os NN-VEC), combinando relações lineares de longo prazo e ajuste não lineares. Por fim, encerra com aplicação dessas metodologias para a predição de algumas variáveis que envolvem a indústria automobilística alemã e sua relação com a demanda no mercado americano, e a taxa de câmbio USD/EUR – sobretudo avaliando o período da crise mundial.

Em suma, é um livro técnico para aqueles que desejam trabalhar com projeções, por exemplo, e gostam de conhecer novas metodologias.

Pedro Lula Mota

Os Mercadores da Noite – Ivan Sant’anna

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O céu vai anoitecendo, e já vamos rumo a última indicação de livro.

Ivan Sant’anna é uma daquelas figuras únicas do mercado financeiro brasileiro. Formado em mercado de capitais pela New York University, foi operador de mercado durante 40 longo anos, tanto na Bolsa do Rio, Nova Iorque como Chicago, além sócio de um banco. Foram anos de navegação nos revoltosos mares dos mercado, enfrentados os mais variados tipos de situações: como crises, especulações, quebra de países, mudança de regimes, mercado em alta, ganhando e perdendo muito dinheiro, isso em uma época onde a tecnologia e digitalização ainda eram muito incipientes.

Pois bem, Ivan decide então mudar de carreira e se dedicar a um antigo sonho, o de ser escritor.  Se tornou autor de diversos livros desde os anos 90, sendo o Os Mercadores da Noite um de seus maiores clássicos. O livro é um ficção, uma novela do mercado financeiro em forma de thriller eletrizante, ao melhor estilo frenético das mesas de operações. A história versa sobre os mercadores da noite, operadores que estudavam os mercados na calada da noite de domingo, planejando suas megaoperações, analisando variáveis econômicas como moedas, grãos, juros, ações e etc.

O livro conta a história de dois grandes especuladores dos mercados globais, Julius Clarence, megaespeculador de Wall Street, e seu rival, Clive Maugh, administrador de grandes fortunas do Banco Centro Europeu de Lausanne, o temível Sindicato. O conflito entre esses gigantes dá origem a um colapso do mercado financeiro mundial.

Dicas de Livros da anos anteriores:

O QUE A EQUIPE DO TERRAÇO LEU DE BOM EM 2017?

https://www.terracoeconomico.com.br/o-que-equipe-do-terraco-leu-de-bom-em-2017/embed/#?secret=yn82W4Uhu3

O QUE A EQUIPE DO TERRAÇO LEU DE BOM EM 2016?

PREVIDÊNCIA: BolsoGuedes não vão mudar esse projeto aí! Terraço em Quinze Minutos #62

Nesta edição, Lucas Goldstein acompanha Caio Augusto e Renata Kotscho Velloso com os seguintes temas:

Reforma da previdência: BolsoGuedes vão apresentar o projeto de Temer no Congresso
Bolsas estrangeiras em queda: pior dezembro nos EUA desde 1929
Paulo Guedes quer reduzir repasses ao Sistema S em 50%
Novela Brexit continua
Diplomação de deputados de SP acaba em quebra-pau
CNJ aprova novo auxílio moradia em tempo recorde

BANCO CENTRAL E A SELIC: CAUTELA JUSTIFICADA

A definição da taxa básica de juros pelo Banco Central se dá de maneira independente tacitamente – ainda não por meios legais, embora exista uma discussão sobre isso. O principal dano que pode ser evitado com essa independência é a ingerência política sobre as decisões, tal qual vimos no primeiro mandato de Dilma Rousseff, em que a Selic se reduziu de maneira forçada e precisou praticamente dobrar de patamar (saindo de 7,25% e chegando a 14,25%) para reverter o início de descontrole nos preços.

Porém, para além das pressões políticas, temos também as pressões do mercado. Tais pressões não podem ser descartadas, mesmo que sejam diferentes das ingerências políticas.

Entre agosto e setembro deste ano, duas economias emergentes decidiram recorrer a um choque de juros para conter o derretimento de suas moedas: a Argentina elevou seus juros a 60% (em abril o patamar era de 32,5%) e a Turquia elevou a 24% (saindo de 17,75%). Nessa mesma época, observou-se atentamente o BC buscando descobrir qual seria a reação em termos de juros – esperando que um choque viesse a ocorrer.

A resposta do Banco Central foi categórica: juros são usados para controle de preços (inflação), mecanismos de swap cambial e reservas são usados para o câmbio. Tal reação colocou maior firmeza de ação da autoridade monetária frente às pressões que o mercado exercia naquele momento. Mas, é de se pensar: se fosse executar um choque de juros, deveria sair dos atuais 6,5% para quanto? 8%? 10%?

Após a mais recente reunião do COPOM, que manteve a Selic em 6,5%, algumas instituições do mercado reajustaram suas taxas para baixo também para os próximos períodos. Hoje, acredita-se ser possível o encerramento até de 2019 com este mesmo patamar de juros.

Essa cautela da autoridade monetária brasileira se deve a uma série de fatores, dentre eles o ancoramento das expectativas inflacionárias nas proximidades do centro da meta e o levar em consideração que reformas que aliviem o lado fiscal devam ser aprovadas a partir de 2019.

Nosso Banco Central dá hoje uma lição de objetividade e foco de maior prazo, ao não sucumbir à política e nem às pressões mercadológicas. O objetivo é, como já afirmado, a estabilidade dos preços do país, não agradar o governo vigente ou os interesses curto-prazistas de quem quer que seja.

Importante ressaltar que essa cautela não significa falta de reação, basicamente porque aquilo que o COPOM observa para definir o rumo do custo do dinheiro está ancorado.

Pode ser que o cenário mude por completo e hoje as previsões que vemos no Boletim Focus tornem-se uma miragem. Mas ter uma autoridade monetária que olhe para o depois de amanhã em vez de focar no minuto em que se vive é positivo ao país como um todo. Grande parte da boa política econômica do pós-Dilma advém disso, é salutar que assim continue com Bolsonaro – melhor ainda se for com base legal.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em dezembro de 2018:

– Blog da Guide Investimentos (19/12/2018): https://blog.guide.com.br/textos/banco-central-e-a-selic-cautela-justificada/

Bolsonaro: entre o liberalismo de Paulo Guedes e o corporativismo do Congresso

Após um período eleitoral bastante diferente do que estamos acostumados – com direito a atentado, campanha tocada por redes sociais e ausência de debates no segundo turno -, Jair Bolsonaro sagrou-se como o trigésimo oitavo presidente brasileiro, vencendo Fernando Haddad, cuja plataforma representava um virtual retorno às políticas desastrosas do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Seu mandato se inicia em primeiro de janeiro de 2019, mas as articulações a respeito das decisões que serão tomadas já começam agora.

O desafio a ser enfrentado pelo novo governo é enorme e tal dificuldade é notória. Apesar da relativa calmaria promovida por Michel Temer com algumas reformas que permitiram uma queda considerável nos juros e um certo controle na oscilação do dólar, a trajetória dos gastos públicos preocupa e mostra que, caso nada seja feito a respeito, toda essa suposta calmaria se tornará caos em um curto espaço de tempo – alguns anos, no máximo.

A plataforma eleita pelo povo brasileiro parece ser o sonho impossível de reduzir o tamanho do Estado de modo a permitir que as atividades de quem produz possam ocorrer mais tranquilamente do que hoje, ao menos no tocante a exigências e cobranças deste ente que gera tantos reclames. Porém, como sempre, nem tudo são flores em Terra Brasilis. Algumas coisas estão iguais ao que eram antes.

Paulo Guedes capitaneará a equipe econômica de Bolsonaro. Liberal, vindo da famosa escola de Chicago, um dos fundadores do Banco Pactual e tendo fundado e dirigido empresas e fundos de investimentos, sem dúvidas é um perfil que agrada bastante a quem crê na possibilidade real de reduzir o Estado – dentre outros motivos, por ser alguém que conhece bem o lado das exigêrncias deste.

Se o perfil de Guedes ajuda a fazer acreditar em uma mudança nunca antes vista, dois fatores servem para manter a pulga atrás da orelha que nos faz brasileiros.

Primeiramente, o futuro superministro da Economia nunca ocupou cargo público e, portanto, não tem conhecimento de como opera a máquina pública. Isso em si pode não fazer diferença alguma, mas pode servir de redutor de motivação tanto a ele quanto aos que creem fielmente nos superlativos números anunciados por ele – tais como “um trilhão de reais com venda de empresas”, sendo que, se considerarmos o valor integral de todas as empresas estatais listadas na Bovespa, temos no máximo metade disso (lembrando que o governo não detém 100% desse valor).

Em segundo lugar, o bom o velho corporativismo se fará presente. Observamos uma renovação no legislativo, é verdade, mas tal troca de representantes também engrandeceu bancadas corporativistas, ou seja, que defendem grupos de interesse. Isso também pode não representar problemas, mas é difícil imaginar um cenário em que representantes de um setor sejam partidários de reduzir seus próprios benefícios em prol do país – e essa resistência poderá fazer diferença no final, por exemplo, em reformas como a da previdência.

Jair Bolsonaro terá de demonstrar, ainda em 2019 (preferencialmente dentro dos primeiros três trimestres), que está do lado liberal. Caso contrário, a frustração de expectativas com sua atuação por parte dos mesmos que hoje comemoram sua eleição será imensa. A pergunta de um bilhão de dólares sobre a economia do Brasil em 2019 será: nesse novo governo vence o liberalismo ou o corporativismo?

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em novembro de 2019:

– Revista da Associação Comercial e Industrial de Franca (ACIF Franca), Edição 267, Página 44: http://www.acifranca.com.br/SITE/edicao/acif-em-revista-edicao267.html

MUNICÍPIOS SEM LIMITE DE GASTOS: A TRAGÉDIA FEDERAL E ESTADUAL

Muito antes da existência da Lei do Teto de Gastos, virou realidade na virada do milênio a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal. Dentre outros direcionamentos, essa lei coloca limites para os entes públicos – federal, estaduais e municipais – no tocante a categorias de desembolsos públicos. Esses limites estabelecem mínimos para áreas como educação e saúde e máximos para despesas com pessoal.

Deixando de lado a questão deste mecanismo de parametrização do orçamento público ser positivo ou não em todo seu escopo (por exemplo quando engessa desembolsos não necessários apenas pelo fator “está na lei e esse dinheiro terá de ser gasto assim”), temos que sua recomendação de limite de gastos com pessoal leva em consideração a capacidade dos entes de continuarem pagando suas contas em dia.

Não é novidade nem para o maior dos leigos que o Brasil vive uma imensa crise fiscal. Em 2018 fecharemos com metade da década com contas públicas no vermelho e, estados como o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul e Minas Gerais nos ajudam a entender que parte desse problema advém da irresponsabilidade no campo das contratações de servidores públicos. Mais diretamente: nesses estados, essas despesas cresceram mais rapidamente do que as possibilidades de pagamento – e não é difícil encontrar quem receba salário parcelado há mais de um ano.

Há um velho ditado que diz que para todo problema complexo há uma solução simples, rápida, direta e absolutamente ineficiente. Diante de dificuldades com o pagamento de seus servidores, municípios agora conseguiram a permissão de estourar o limite de gastos com pessoal, em casos de redução de receita (maiores que 10%) recebidas pelo Estado. Trata-se de um capítulo novo de soluções mirabolantes que logo se transformarão na pergunta “onde foi que erramos? ”.

A questão não é a de se querer que ocorram atrasos de salários ou que funcionários públicos deixem de receber. Porém, desembolsos com pessoal são recorrentes, ocorrerão todos os meses e têm proteção legal para seguirem ocorrendo – dada a estabilidade no serviço público, dentre outros fatores.

Abrir espaço para esse limite de gastos com pessoal ser estourado é permitir que políticas populistas de contratação (ou seja, contratar muito mais do que o necessário ou do que se é possível pagar), com objetivo de curto prazo e geralmente eleitoral, acabem ocorrendo com maior frequência. A ideia da Lei de Responsabilidade Fiscal é justamente de evitar que ideias não-sustentáveis em termos fiscais saiam do papel.

É importante lembrar que a grave questão fiscal brasileira é algo que, parafraseando citação atribuída a Nelson Rodrigues a respeito do subdesenvolvimento, não se improvisa. Vimos ocorrer na esfera federal e nos estados, vamos mesmo ter de observar a corda dar sinais explícitos de que arrebentará também nos municípios?

Abrir o limite de gastos com pessoal a nível municipal alivia sim o curto prazo, mas esconde a questão séria e nunca debatida a respeito do que a população deseja do Estado. Essa discussão é mais complexa, mas cobra sua conta (e uma conta bastante salgada).

Uma coisa é rediscutir tais limites trazendo-os para as atuais demandas sociais, outra é fingir que eles não existem e, “surpreendentemente”, recursos para outras áreas começarem a faltar. E, pode acreditar, muitos surpresos com essa escassez (que sempre existiu, dado que nenhum recurso é infinito) vão se manifestar com muita raiva quando a conta não fechar, por mais insano que isso pareça.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em dezembro de 2018:

– Blog da Guide Investimentos (12/12/2018): https://blog.guide.com.br/textos/municipios-sem-limite-de-gastos-a-tragedia-federal-e-estadual-ira-se-repetir/

Lula segue preso, EUA em xeque e Brexit bagunçado no Terraço em Quinze Minutos #60

Nesta edição, Lucas Goldstein, Rachel de Sá, Renata Kotscho Velloso e Caio Augusto abordam os seguintes temas:

Médico chinês que assumiu modificar DNA de gêmeas SUMIU
G20: Trump e Xi Jinping acertam “cessar-fogo comercial”
Gilmar Mendes pede vistas de habeas corpus e Lula passará o Natal em cana
Em alerta: Juros dos títulos da dívida americana invertem e EUA podem estar rumo a uma nova crise
Brexit: mais enrolado que novela mexicana

TOMBINI, POWELL E A INFLUÊNCIA DO GOVERNO NO BANCO CENTRAL

A execução da política econômica por parte do Estado pode ser dividida em dois grandes grupos: o fiscal (o orçamento, desembolsos e afins sob decisão do governo) e o monetário (a definição do custo do dinheiro, das taxas de juros e de mecanismos a elas associados, com encaminhamentos feitos pelo Banco Central). Essas duas atuações são realizadas por duas instituições diferentes e, portanto, são atuações independentes – em alguns casos legalmente, como nos EUA, em outros, apenas tacitamente, como no Brasil -, mas não livres de pressão ou ingerência política.

Durante os primeiros meses de seu primeiro mandato, Dilma Rousseff surfava na onda de popularidade de seu antecessor e padrinho político. Neste cenário, aparentemente sem obstáculos e com céu de brigadeiro para seguir com políticas expansionistas, a economia que vinha em desaceleração (cresceu 7,5% em 2010 e sinalizava não alcançar 3% em 2011, o que à época se chamava “pibinho”) acabou recebendo mais estímulos, vindos da esfera monetária. Ou, em termos práticos: buscando aquecer uma economia já em alta temperatura, optou-se por seguir o afrouxamento monetário, baixando as taxas de juros. Assim, chegamos à mais baixa taxa nominal para a Selic até então: 7,25% ao ano (taxa que vigorou entre outubro de 2012 e abril de 2013).

Aqui não se entrará no mérito da questão, se a atitude foi correta ou não, mas em um detalhe importante. À época, a pressão do governo se fazia presente e colocava em dúvida a independência do Banco Central em suas ações. Na prática, tal pressão acaba por se fazerem confundir as atuações do governo (em alocar seus gastos, o lado fiscal) e do Banco Central (a política monetária), sugerindo que o ente de política monetária estaria subjugado aos objetivos do governo. Sendo duas áreas distintas e com focos também diferentes, ter a subordinação do BC ao governo em sua atuação pode ser perigoso por, dentre outros motivos, ter um foco de curto-prazo irresponsável, orientado mais à duração do mandato político do governante do que a objetivos mais amplos de estabilidade econômica.

No Brasil de Dilma, pressionando Tombini, tivemos a menor taxa de juros nominal até então (com aplausos do setor produtivo). Mas, com as subidas sequenciais e consideráveis (que levaram os juros a 14,25%, quase o dobro da mínima alcançada) necessárias para ancorar as expectativas inflacionárias buscadas pelo BC, a mensagem passada é a de que alguma atitude incorreta (ou, de novo, de curto-prazo) havia sido tomada.

Estamos em 2018 e a maior economia do mundo tem em seu Banco Central Jerome Powell, com a complexa missão de realizar o aumento gradual das taxas de juros do FED. A dificuldade está sobre o fato do equilíbrio entre aumentar a taxa de juros e não interromper o crescimento econômico ser delicado, especialmente nos EUA, que passaram praticamente dez anos com juros virtualmente iguais a zero para estimular a economia.

A dificuldade adicional a Powell chama-se Donald Trump. O presidente declara-se insatisfeito com a atuação do banqueiro central a respeito da alta das taxas de juros. Novamente, setores produtivos visualizam tal pressão com bons olhos – e quem diferencia as atuações entre governo e Banco Central faz ressalvas sensíveis a tal prática. Segundo Trump, enquanto ele tenta fazer a ‘America Great Again’, Powell estaria apenas cortando as asas deste sonho. Porém, tal qual o Brasil dos primeiros anos de Dilma Rousseff, os EUA estão já aquecidos – e, como já vimos em muitos lugares por estudos e presencialmente em nosso país nessa última década, aquecer o que já está em alta temperatura pode mesmo é desandar o caldo.

Comparar institucionalmente Brasil e Estados Unidos parece distante e até mesmo impensável, principalmente quando falamos de política econômica, já que, historicamente, na terra do Tio Sam a responsabilidade com o futuro da economia é mais buscada do que por aqui. Mas não se pode deixar de notar que esse tipo de pressão pode causar danos imensos advindos de uma confusão de itens bastante diferentes.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em dezembro de 2018:

– Blog da Guide Investimentos (05/12/2018): https://blog.guide.com.br/textos/tombini-powell-e-a-influencia-do-governo-no-banco-central/