RESSACA ACACHAPANTE no Terraço Em Quinze Minutos #154

Nesta edição, Caio Augusto acompanha Renata Velloso e Arthur Solow com os seguintes temas: Coronavírus e o derretimento dos mercados mundo a fora, mundo desenvolvido desacelerando (dados do PIB da Alemanha vieram abaixo das expectativas), reforma administrativa no Brasil (parece que finalmente chegou a “semana que vem” que era falada desde novembro de 2019) e atualização sobre as prévias do Partido Democrata nos EUA. Não deixe de acessar todos os conteúdos do Terraço Econômico em terracoeconomico.com.br

 

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ZEMA ABRIU A PORTA DO PRÉDIO EM CHAMAS

Um dos maiores resultados de uma política de ampliação do tamanho do Estado focalizada entre o fim dos anos 2000 e início dos anos 2010 tem sido, como observamos nos últimos anos, um esgotamento da sustentabilidade das contas públicas em todos os níveis. Prefeituras, Estados e até a própria União mostram que não têm mais tanta capacidade assim de suprir as promessas feitas de um futuro glorioso e guiado pelo gasto público descontrolado. Quanto a isso, sem muitas novidades. Você, leitor que acompanha o noticiário econômico, já sabe disso.

Porém, uma figura tão presente em nosso país quanto o corporativismo está sempre em busca de manter o seu quinhão. Isso também não é novidade. Grupos de interesse associados ao Estado buscam, desde que o Estado brasileiro existe, ter sempre suas glebas bem separadas daqueles que o sustentam.

A grande novidade agora é que, diante de uma situação absolutamente nova para a realidade brasileira, as prioridades ficaram ainda mais escancaradas diante de discursos cada vez mais vazios de conteúdo.

O discurso é o da responsabilidade fiscal, de levar em consideração o fato de que os recursos não tiveram o melhor direcionamento possível nos anos anteriores e, diante da obviedade de que não podemos mudar o passado, é preciso acertar a partir de agora as contas, basicamente impedindo que os maiores desembolsos sigam aumentando como antes e revendo as prioridades para que as contas fechem. Diagnóstico bastante adequado, realista e importante.

A realidade nunca antes vista no país é o fato de que, pela primeira vez, não há saída fácil. Nos anos 1980 podíamos congelar os preços. Nos anos 1990, segurar o câmbio colocando os juros em patamares estratosféricos. Nos anos 2000, graças ao boom de commodities que a China nos proporcionou, pudemos descansar a cabeça das políticas que realmente importavam – afinal de contas, entrava dinheiro por todas as vias possíveis e nosso futuro glorioso parecia ter chegado. Agora, o que vemos: o orçamento público não tem espaço fiscal, o dinheiro não é tão encaminhado pra cá quanto antes (também porque nossas contas públicas bagunçadas demonstram nossa irresponsabilidade e isso não atrai confiança, tanto que perdemos nosso grau de investimento alguns anos atrás) e o que resta é, pura e exclusivamente, sentar com o orçamento e ver o que terá e o que não terá direcionamento.

Diante do discurso adequadamente posicionado com a realidade, diríamos que a mesa está posta, a receita está aí. Não é simplesmente cortar, mas racionalizar o orçamento público diante das diversas escolhas sociais possíveis e, em um diálogo social sério e comprometido, assumir que não há dinheiro para tudo.

MAS E ZEMA COM ISSO?

Romeu Zema é o primeiro governador eleito pelo Partido Novo. Em seu primeiro ano realmente posicionou o discurso em prol da responsabilidade fiscal e fez alguns cortes. Para os quatro anos de mandato, entre cortes simbólicos que envolvem a não utilização de instalações públicas, como moradia, e nem o uso de transporte pago pelo Estado de Minas Gerais para ir trabalhar e outros mais diretos como a redução de quadros administrativos, espera-se uma economia de aproximados R$900 milhões.

Porém, é chegado o início de 2020. Sob pressão da Polícia Militar de Minas Gerais, Romeu Zema decidiu reajustar o salário dos policiais em mais de 40%. É isso mesmo que você está lendo. Alguém que tem a ideia do tamanho do buraco financeiro em que o estado se encontra, que verifica diariamente que salários são pagos com atraso e que o déficit encontrado coloca a unidade federativa ainda rumo ao caos apesar dos esforços de redução de despesas acaba por… Deixar em situação ainda mais delicada essas mesmas despesas.

Este aumento concedido em nome da segurança pública tem um efeito adverso bastante perigoso e fácil de compreender. Se um estado quebrado como Minas Gerais consegue conceder um aumento nesta magnitude às suas forças de segurança, como seria possível que qualquer um dos outros estados, em situação “mais tranquila”, não consiga fazer a mesma coisa?

Essa pergunta está circulando por corporações policiais em todo o país. Muito provavelmente não só pelas policiais, mas também pela de professores, bombeiros e afins. Por mais duro que seja ouvir isso, é exatamente esse tipo de “se a farinha for pouca, quero no meu pirão primeiro” que nos fez chegar até aqui. No Brasil somos especialistas em verificar os problemas e péssimos em aceitar que fazemos parte deles. O problema é sempre o gasto do Estado com o outro, mas “não mexa aqui no meu de jeito nenhum que eu entro em greve”.

O que impedirá grandes movimentações corporativistas no Brasil diante dessa decisão do governo de Zema? Sinceramente, não se sabe. Provavelmente nada.

Sendo este governo mineiro focado em apresentar uma nova forma de governar, a má notícia é que ainda há cooptação de interesses como na velha política tão criticada. E a péssima notícia é que, de novo: se um estado rumo ao Regime de Recuperação Fiscal consegue “beneficiar seus bravos servidores”, qual o motivo de outros não conseguirem?

Não sabemos se você leitor já teve algum curso sobre como lidar com algum incêndio. Mas, a primeira regra, de abrir lentamente a porta para que o oxigênio do lado de fora não sirva de combustível e possa alimentar uma explosão, foi descumprida exemplarmente por Zema. A porta foi arrancada com estes 40%. Resta saber quando virá a explosão.

 

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 26/02/2020

NO CARNAVAL O RISCO BRASIL DESCE A LADEIRA no Terraço em Quinze Minutos #153

Nesta edição, Caio Augusto acompanha Rachel de Sá e Arthur Solow com os seguintes temas: Coronavírus (PIB do Japão e resultados da Apple mostram que a “gripezinha” vai causar estrago maior do que o esperado), Risco Brasil no mesmo nível da época que tínhamos Grau de Investimento (aliás, quando será que ele volta e por que ainda não voltou?) e BC querendo que um mesmo ativo sirva de garantia para vários empréstimos (vem bolha do subprime à brasileira por aÍ?). Não deixe de acessar todos os conteúdos do Terraço Econômico em terracoeconomico.com.br

 

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PERMITIR MÚLTIPLOS EMPRÉSTIMOS COM GARANTIA EM ATIVOS GERARÁ UMA BOLHA?

Não é novidade para ninguém que o custo de se investir no Brasil sendo pessoa física é alto. Apesar da Selic em mínima histórica, por qual motivo ainda temos esse custo em patamares tão elevados?

Para além da concentração bancária, o Banco Central verificou que isso também ocorre pela dificuldade que se tem em oferecer garantias. Hoje, já é possível utilizar imóvel como garantia de empréstimo, mas em situações específicas. A equipe econômica estuda ampliar as possibilidades de se fazer esse tipo de transação e, para além disso, permitir que mais empréstimos possam ser feitos para um mesmo bem de garantia.

Sobre este aspecto alguns levantaram desconfianças. Seria essa a versão brasileira do subprime que quebrou a economia dos EUA em 2008? Se você não for familiarizado com o que lá ocorreu (e qual seria a conexão com a ideia do Banco Central daqui), recomendo assistir o filme A Grande Aposta, que apresenta de maneira bastante didática tudo que ocorreu. Em resumo: ampliação imensa de garantias permitiu com que muitos empréstimos que não pudessem ser honrados (majoritariamente no setor imobiliário) fossem concedidos, o que deu uma impressão de forte avanço durante alguns anos mas, quando se verificou a real capacidade de pagamento, resultou em uma ressaca mundial de crédito.

A permissão de ampliar os usos de garantia para empréstimos é interessante porque realmente é capaz de reduzir o custo desse financiamento. Afinal de contas, para além de qualquer comprovação de que a pessoa está no grupo de bons pagadores, caso ela tenha um meio mais sólido de honrar com o pagamento no caso de vir a faltar com os pagamentos combinados, não fará tanto sentido que pague o mesmo juro de quem não tem essa comprovação. Até o saldo de PGBL poderá ser utilizado como garantia, pelo que defende o Banco Central.

E POR QUE A DESCONFIANÇA?

Possivelmente você leitor está pensando: e qual então é a desconfiança de alguns em relação a essa ideia tão boa? Eis a desconfiança: com a ampliação da possibilidade de uso de ativos diferentes para empréstimos diferentes (uma mesma casa podendo servir de garantia para mais de um financiamento, por exemplo), surge o receio de que, tal qual vimos na crise do subprime, a capacidade de pagamento seja esticada de modo irreal.

O que faz o projeto do Banco Central ser diferente do que permitiu tamanha catástrofe creditícia nos EUA é o fato de que, por aqui, a regulamentação que permitirá que isso ocorra fará verificação da capacidade real de pagamento diante de uma garantia de maneira centralizada, através de uma central de garantias privada a ser montada pelo mercado. O papel dessa entidade seria basicamente de verificar qual o volume de empréstimos em termos gerais (não só considerando uma instituição, mas todo o mercado) um indivíduo seria capaz de pegar.

Levando em consideração que essa central de garantias seja devidamente estabelecida por meios regulatórios, temos que o efeito direto em um curto período de tempo (poucos anos) será o de verificarmos uma real e sustentável queda no custo de financiamento para pessoas físicas no Brasil. Porém, é importante ressaltar que essa verificação é condição sine qua non para que a ideia dê certo. O motivo é simples: caso não exista tal controle, assim como nos EUA, durante um certo período de anos a ideia será de que o custo de financiamento praticamente zerou e que não há limites para pegar empréstimo – porém, ao menor sinal de insustentabilidade, o sistema todo irá ruir.

A atenção a como essa central de garantias será estabelecida é primordial para que um projeto tão interessante seja confirmado como boa ideia ou se transforme no aguardo de um enorme caos no setor de crédito brasileiro em alguns anos.

 

Publicado no Blog da Guide Investimentos em 19/02/2020

O contrário de guerra comercial é a paz na economia

Em um movimento observado desde a chegada à Casa Branca, Donald Trump deixou claro que um dos meios de cumprir sua agenda de Fazer a América Grande Novamente era justamente re-negociar a posição dos EUA perante o mundo, especialmente no tocante a mercados internacionais. É sabido que as duas maiores economias do mundo são justamente os Estados Unidos e a China – então, nada mais natural que fosse essa potência asiática o alvo maior dessa nova política.

Entre idas e vindas, tributações sobre centenas de bilhões de dólares em produtos e um balançar de expectativas que deixou o mundo todo à deriva, a fase inicial do acordo assinado entre as partes ocorreu em janeiro de 2020.

Nessa primeira fase nem todos os problemas entre as duas economias foram equalizados – até por isso que existirão fases futuras -, mas o que se destaca por agora é que a China se comprometeu a comprar US$200 bilhões em produtos e serviços americanos nos próximos dois anos, em contrapartida a uma redução de 15% para 7,5% em tarifas sobre o equivalente a US$120 bilhões em produtos chineses.

Caminhando contra a corrente de fechamento de mercados ou renegociações diversas de foco mais nacionalista do que global, tivemos a aprovação de um acordo que se discutia há 20 anos no segundo semestre de 2019, entre o Mercosul e a União Europeia. Por um lado, comemorações em relação ao enorme mercado que isso abre para as duas partes. Por outro, reclamações diretas de quem entende ser prejudicado por tal abertura – pois não teria condições de competir adequadamente.

Os dois casos acima apresentados parecem muito diferentes entre si, mas tratam de uma questão muito importante para a economia: faz diferença que os mercados internacionais funcionem, pois o mundo fica mais barato, a competição estimula melhorias que ainda não haviam sido vistas e, para além disso, demonstra os meios reais pelos quais as regras do jogo precisam ser definidas.

Se é possível elencar um elemento notável na atitude de Trump com sua saga comercial contra a China é o fato de que a propriedade intelectual precisa ser respeitada e não estava sendo, o que impacta mesmo negativamente em relação aos mercados. Mas é notável que só se observa esse tipo de cópia quando o mercado é aberto o suficiente para receber os produtos originais.

Para quem resiste na ideia de que a proteção ao nacional deve mesmo ser mais forte do que o acesso a melhores bens, serviços e práticas que podem vir do exterior, apenas um lembrete já deve ser bastante esclarecedor: as políticas de proteção à informática nacional nos anos 1980 nos deixaram defasados em relação ao mundo.

Aberturas devem sim serem responsáveis e acompanharem a capacidade dos mercados internos de resistirem a elas. Mas é ilusório pensar que elas simplesmente não devem acontecer. Na dúvida, basta olhar tantos setores brasileiros protegidos há décadas e se perguntar: “por qual motivo não temos acesso a produtos e serviços melhores do que esses?”.

 

Artigo publicado na Revista da Associação Comercial e Industrial de Franca (ACIF-Franca)

Ceteris Paribus e as análises (erradamente) certeiras

Com a reforma da previdência aprovada, o dólar irá para R$3,60.

Com Jair Bolsonaro eleito, teremos dólar abaixo de R$3,50.

As duas situações acima aconteceram e não vimos o dólar cair. Na verdade, ele tem superado recordes de alta e seu novo normal é estar (bem) acima dos R$4,00, a marca temida ainda que em termos nominais. Todos os economistas estão errados? As previsões não passavam de mero wishful thinking?

Nem um, nem outro. A culpa real é de colocar o Ceteris Paribus na frente de tudo.

Ceteris Paribus é um termo na economia que significa “tudo mais constante”. Na prática, é utilizado para estudar o efeito da mudança em outro, levando em consideração que todos os outros permaneçam iguais. É quase como a desconsideração do vácuo ou do atrito em exercícios de física para entender.

Discutimos aqui anteriormente que é preciso abandonar os dogmas e o desejo de que algo aconteça do que a realidade, os fatos e tendências realmente estão querendo dizer. Agora este que aqui escreve faz um novo apelo: tenha sempre muito cuidado com previsões certeiras sobre o que não se consegue realmente prever (ou estude em quais condições aquela previsão foi feita). Em um mundo em que se busca a todo momento atrair cliques, uma manchete com previsão bombástica nem sempre contém um artigo ou reportagem que trate sobre a realidade.

A crítica aqui em relação ao Ceteris Paribus não se dá pelo fato de que ele seja simplista demais. No fundo, realmente é muito mais complexo (e menos apresentável) analisar cenários levando em consideração todos os aspectos em conjunto que mudam com frequência dentro da economia e, sim, é muito mais simples considerar o efeito da mudança de um indicador em outro. Porém, é preciso verificar o que existe entre um fator e outro para realmente confirmar que se tem causalidade entre suas variações.

Para não parecer que falei grego no parágrafo anterior, vamos pegar novamente o exemplo do dólar. Em termos mais amplos, o que faz a cotação do dólar aumentar ou diminuir é a direção dos fluxos financeiros de entrada e saída em relação ao que se tem da moeda por aqui. Reformas estruturais tocadas por aqui ajudam a atrair fluxo de capitais?

Sim. Mas não é o único grande fator a influenciar esse fluxo. Nossa política monetária atual, que nos trouxe a menor Selic da série histórica também influencia, mas no sentido oposto: o dinheiro que vinha de fora apenas ganhar nos juros reais por aqui (também conhecido como carry) está indo embora agora que temos juros reais abaixo de 1% ao ano. Previsões que só considerem um lado ou outro acabam por fugir da realidade – e mesmo as que consideram tudo ainda assim não acertam “na mosca”.

Em termos de apresentação de resultados a quem os aguarda ansiosamente – convenhamos, todos nós estamos nesse grupo -, é muito interessante quando conseguimos colocar relações diretas e sem muitas explicações razoáveis para fatores que as pessoas podem verificar no dia a dia (como a cotação do dólar). Porém, sempre se questione quando verificar uma previsão direta como essas não meramente se “trata-se de bom economista ou não”, mas sim sobre quais bases ele trabalha para afirmar que aquilo seria possível mesmo de ocorrer.

Iniciou-se o artigo tratando de questões diretas que supostamente, sozinhas, impactariam fortemente a cotação do dólar. Mas neste campo de previsões das quais se deve sempre questionar a origem também estão “a reforma trabalhista gerará seis milhões de empregos”, “a MP da liberdade econômica irá gerar 3,7 milhões de empregos” e “após a reforma previdenciária dezenas de bilhões de reais em investimentos externos ocorrerão”. Nada contra as previsões serem feitas e terem inclusive uma mensuração (o que parece ser mais crível do que meramente dizer que “a situação vai melhorar bastante”), mas não esqueça sempre de questionar ou pesquisar qual a origem desse tipo de previsão.

Para além de qualquer previsão “positiva porque agrada e pode estimular” prefiro realmente acreditar que isso tudo ocorre porque prefere-se crer em efeitos diretos entre fatores que não tem necessariamente isso. Peca-se, a meu ver, mais por ingenuidade e falta de conhecimento do que por real maldade.

Ainda assim, lembre-se sempre de procurar o que originou um dado tão direto quando “a cotação do dólar após aprovação de tal reforma”. Em primeiro lugar porque ninguém sabe com certeza pra onde o dólar vai e, em segundo, porque o mundo não é tão preto no branco quanto esse tipo de previsão costuma levar em consideração. Agora que você sabe o que significa Ceteris Paribus, lembre o quanto ele pode fazer diferença sobre alguma previsão (erradamente) certeira.

Caio Augusto, editor do Terraço Econômico, assina este artigo

 

Publicado no Terraço Econômico em 19/02/2020

O “LEVANTADOR” GUEDES

Fora o esforço – imperfeito, é verdade – de aprovar reformas econômicas de suma importância, outra característica consensual acerca do governo Bolsonaro é a presença dos “levantadores”. Levantador, que no vôlei é uma posição de jogo, no jargão popular do mundo da política pode ser o indivíduo que propicia um “bom ataque” ao adversário.

Desde o início, o que não faltou no governo Bolsonaro foram bons levantadores – no sentido político do termo – que, com frases mal colocadas, “fora de contexto” e estapafúrdias tentaram de todas as formas municiar argumentações de crítica ao governo, vindas de adversários políticos e a até mesmo de “bolsonaristas raiz”. Para citar alguns exemplos, basta recorrer a algumas falas da Ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, do Ministro da Educação, Abraham Weintraub, e claro, também do próprio Presidente Jair Bolsonaro. Mas no dia 12/02/2020 um levantador diferente entrou em ação: o Ministro da Economia Paulo Guedes.

Em um evento, Guedes disparou que “o dólar mais alto é bom para todo mundo e que, com a moeda americana mais baixa, “todo mundo” estava indo para a Disney, inclusive empregada doméstica”. O dólar acabou valorizando, batendo R$4,35, resultado positivo – ao menos segundo a ótica do ministro. É que com a moeda brasileira mais desvalorizada em relação à moeda americana, alguns produtos brasileiros, em tese, acabariam ganhando em competitividade. A indústria brasileira também, em teoria, muito contraditória por sinal, também se beneficiaria. Por outro lado, quem perde são os consumidores brasileiros, uma perda que é geral, não ficando restrita aos que costumam ir a Disney. Perde com essa desvalorização quem consome qualquer tipo de importado. O trigo do pão de cada dia, por exemplo, é majoritariamente importado.

Mas muito além da questão técnica que envolva os potenciais benefícios e/ou malefícios de uma valorização do dólar, o grande erro de Guedes foi o de taxar uma determinada classe trabalhadora como não merecedora de algo, que nesse caso é a viagem para a Disney. Mesmo que o ministro não tenha tido essa intenção, o seu discurso foi elitista e retrógrado, carregado com o velho preconceito de quem “é pobre deve reconhecer o seu lugar”. Esse tipo de fala levanta a bola não apenas para a oposição, mas para qualquer cidadão brasileiro, bolsonarista ou não.

Essa política baseada em frases de “levantadores” geralmente é contraposta com uma opinião: “pelo menos a economia está indo bem”. Não entrando no mérito do que significa a economia ir bem (apenas lembrando que a recuperação segue bastante aquém do que muitos empolgados previram), é preciso lembrar que não precisaria haver necessariamente uma troca entre termos uma boa economia e um corpo de Ministros de Estado que saiba ter filtro no que fala publicamente. Ou, mais diretamente: onde foi que o Brasil escolheu que teria ou uma economia no rumo certo ou representantes máximos do Executivo que não falassem tanta bobagem?

Diferentemente do caso de Roberto Alvim, em que o absurdo foi tão alarmante que causou a sumária demissão em menos de 12 horas, as chances de que algo nessa direção ocorram com Paulo Guedes tendem a zero. Talvez porque “foi só uma fala” e “ao menos os planos da economia estão indo no caminho certo”. Mas fica o questionamento: até quando vai ser suficiente utilizar o caminho da economia como subterfúgio para tantas frases que não precisavam ter sido ditas?

Não sabemos se o Presidente da República pensa sobre isso e, cá pra nós, é possível que isso tudo seja estratégia. Ainda assim trata-se de estratégia perigosa, porque se nem o fio de confiança sustentar – leia-se: se a economia seguir em lenta recuperação e não alçar os voos mais agressivos que Guedes tanto fala e a baleia harpoada seguir quase imóvel -, é difícil imaginar o que sustentaria este governo.

Segue um encarecido pedido ao Ministro da Economia: foque nos planos das reformas (a administrativa já é “na semana que vem” desde pelo menos novembro do ano passado) e deixe a comunicação, institucionalmente falando, a quem o faz com o que importa para a população de verdade. Ou então apenas siga municiando a oposição ao governo com tais “levantamentos”. A escolha é do senhor.

 

Publicado no blog da Guide Investimentos em 14/02/2020

SELIC PEGA NO COMPASSO no Terraço em Quinze Minutos #152

Nesta edição, Caio Augusto acompanha Rachel de Sá e Renata Velloso com os seguintes temas: Ata do COPOM (sobe? desce? pega no compasso?), primárias Democratas e orçamento dos EUA e Coronavírus (já mensuramos certo os efeitos do Covid-19?). Não deixe de acessar todos os conteúdos do Terraço Econômico em terracoeconomico.com.br

 

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Separe sempre o desejo da realidade

A eleição de Bolsonaro abriu nas mentes das (algumas) pessoas uma questão interessante. Como tentar entender melhor, dentro do campo de previsões de todo tipo, o que realmente é encaminhamento de algo real ou mero ruído? Apresento aqui como ruído aquela informação que não muda nenhuma tomada de decisão prática.

Política a parte, cito que a as eleições de 2018 foram um marco porque, pela primeira vez em um considerável período de tempo, a dicotomia entre o que se espera e o que de fato acontece foi escancarada. Mesmo com a “máquina de moer do stablishment” ligada a todo vapor ainda assim tivemos a eleição de um dito azarão. Talvez porque não tenhamos olhado o que acontece pois ficamos agarrados às nossas próprias expectativas.

Esse tipo de reflexão serve para quase tudo que envolva previsão. Pra onde vai o dólar? E a Selic? O preço da energia elétrica? E da carne? Tendemos naturalmente a colocar como expectativas futuras aquilo que gostaríamos que ocorresse mais do que aquilo que a realidade nos indica que ocorrerá.

Uma grande questão dos tempos recentes, por exemplo, é o do caminho que os juros brasileiros têm seguido. Nesta última quarta-feira, 05/02/2020, o COPOM decidiu reduzir a Selic de 4,5% para 4,25%, o que é a menor taxa nominal de juros da história do país. Na prática, isso sinaliza que todos os nossos problemas estão acabados? Seria o ideal pensar assim, mas não se pode esquecer que esse nível de juros ocorre enquanto caminhamos para o sétimo ano seguido em déficit primário, o que demonstra como nosso lado fiscal, apesar da reforma da previdência aprovada, ainda segue bastante prejudicado.

No fim das contas, um dos aspectos que mais deve ser observado acerca de qualquer tipo de informação ou dado apresentado é o impacto que ele tem em seu contexto local e em um contexto mais amplo. Praticamente nada no mundo é “totalmente positivo” ou “totalmente negativo”, pode ser mais positivo/negativo para um determinado grupo e ter sinal inverso para os demais. Três exemplos que se seguem explicam melhor o que quero dizer.

O mercado de energia elétrica utiliza como medida de precificação de curto prazo o chamado Preço de Liquidação das Diferenças, que é divulgado semanalmente no site da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. De acordo com reportagem recente do Valor Econômico, o nível elevado e chuvas recentes e uma mudança que permite escoamento de energia de Belo Monte para o Sudeste permitirá que o preço do MW/h, que já vem caindo recentemente (da faixa de R$300 para R$200), possa cair ainda mais nos próximos meses (para a faixa de R$100).

Nesse momento, uma pergunta: notícia positiva ou negativa? Depende do contexto em que se está observando. Para a população como um todo e para a indústria que se utiliza de energia elétrica, boa notícia porque indica que esse custo poderá diminuir. Mas, observando a parte da indústria que produz energia em suas diferentes maneiras, trata-se de uma desincentivo essa redução esperada de preços.

O mercado da carne se aqueceu após alguns encontros do governo brasileiro com a China. Por aqui, isso fez com que o alimento tivesse uma alta que inclusive ajudou a deixar o IPCA em patamares acima do que se esperava (ainda que pontualmente). Péssima notícia para o brasileiro, que consome carne, mas grande notícia para quem é do setor.

Imagine alguma entidade que defenda algum setor específico – no Brasil é fácil pensar nisso, são tantas! – que recebe algum dado de abertura comercial ou alguma permissão análoga a entrada de produtos estrangeiros que possam concorrer com aquele que o setor produz. Para o setor, isso quer dizer que o país todo vai sair prejudicado. Ao consumidor, ter mais opções (possivelmente melhores) será benéfico.

Percebe como é possível ter uma mesma notícia com impactos diferentes quando se observam contextos diferentes?

É claro que não dá pra ser altruísta o tempo todo (“ah, é bom para o Brasil, então tudo bem eu quebrar”), mas é importante ter cuidado com fontes setoriais que falam de seus impactos locais como se fossem globais – e analisar qual o “saldo” entre as benesses e perdas que qualquer previsão ou dado apontam. Ou então você acabará se influenciando por algum ruído e tomando decisões equivocadas.

Muito válido reforçar que, sim, a verdade está nos dados. Verifique sempre como são obtidos, como são formados e o que querem dizer em contextos mais próximos e mais distantes a você. Não é porque algo te prejudica que está prejudicando o todo, nem porque algo te beneficia que estaria beneficiando ao todo. É o saldo que faz a diferença.

Dessa forma, deixo aqui duas dicas que julgo como interessantes: o livro Como mentir com estatística, que é um clássico que mostra como os dados (com a informação verdadeira) podem ser apresentados a você de modo que te enganem meramente pelo jeito que são apresentados; e o pensamento para reflitir sempre sobre como sua visão pode estar sendo alterada pela bolha em que você está inserido.

Em uma era de especialistas de tudo e descrença em pesquisas de previsão de basicamente qualquer coisa, procure os dados e saiba como são formados antes de qualquer coisa. Vale mais saber usar uma informação que tenha impacto do que simplesmente bradar ao mundo uma opinião que não leva a nada.

Refletir sobre isso bate no nosso próprio ego e dói um bocado. Mas é necessário para não ser enganado por suas próprias percepções.

Caio Augusto, editor do Terraço Econômico, assina este artigo.

 

Publicado no Terraço Econômico em 10/02/2020