A parte didática da atual crise brasileira

Em 2014 tudo parecia caminhar bem e quem direcionava que as coisas iriam mal estava sendo demasiadamente pessimista. 2015 mostrou que o maior dos pessimistas não fazia ideia de quão ruim a situação poderia ficar. No ano que se encerrou, a continuidade do abismo deixou ainda mais claro que a situação era grave. Talvez 2017 nos reserve uma mudança de paradigma em que o país possa voltar a crescer, mesmo que minimamente.

Por mais complicado que pareça, realmente Henrique Meirelles está correto quando afirma que a atual crise tem um fator didático [1]. O contexto utilizado foi o da defesa da necessidade de reformas para equilibrar o gasto público ao longo do tempo no estado do Rio de Janeiro – mas pode facilmente se expandir territorialmente e em sentido.

Para além de conceitos de mais amplo sentido – como o das frases “toda crise é uma oportunidade” ou “tire o ‘s’ da crise e crie” –, na prática a atual crise econômica brasileira pode ensinar basicamente duas lições a todos nós brasileiros: pensar com prioridades é importante e pedir uma maior presença do Estado não necessariamente resulta em ter um melhor bem-estar social.

A primeira é algo que todo brasileiro que teve seu rendimento familiar diminuído pelo desemprego ou redução salarial nos últimos anos já sabe, mas que o governo parece ter descoberto apenas agora com a aprovação recente da PEC do teto de gastos: quando se aloca uma quantia de esforço e/ou recursos em uma atividade, outra terá menor acesso – e por isso é importante definir qual é a intenção desse gasto e ter uma noção mínima de qual seu resultado prático. Em termos mais diretos: toda vez que o governo decide aumentar o gasto em algum projeto ruim, ele pode estar tirando recursos de outro que tinha bons resultados (porém, sem avaliar, em uma eventual queda de arrecadação, os dois projetos tem a mesma possibilidade de perder recursos).

A segunda ainda demora a surtir efeitos, mas alguns grupos sociais já têm ficado mais atentos: o Estado não é capaz de realizar todas as transações e, na prática, pedindo por uma presença maior deste, está sendo pedida simultaneamente uma conta maior a pagar. Novamente, em termos mais diretos: sugerir que a economia não tem se movimentado por ausência do Estado além de ser facilmente desmentido com dados – uma vez que os gastos públicos aumentaram sensivelmente após 2008 e, mesmo em ritmo menor, segue aumentando até os dias atuais [2], o que não evitou o cenário atual – é uma inconsistência, uma vez que, como os agentes econômicos tem visto seus recursos se reduzirem, imaginar que a ampliação desta redução (através de uma maior carga tributária, maior endividamento e maior inflação) seria de boa serventia é quase que somente defender os interesses de quem já está estabelecido no setor público e gostaria de sempre ter mais recursos.

A união destes dois fatores gera questionamentos sobre itens até muito recentemente intocáveis: será que o FGTS protege mesmo o trabalhador, sendo um dinheiro que é retirado deste diretamente em seu salário, repassado ao governo e apenas permitido para seu uso em casos específicos? Será que ter o Estado como provedor de alguns produtos e serviços – Petrobras, Correios, Eletrobras… – faz mesmo com que tenhamos um maior bem-estar social [3]? Será que vale a pena exigir a presença do poder público para chancelar todas as relações econômico-sociais? Esses e tantos outros questionamentos tem sido levantados pela atual geração.

Em suma: a parte didática da atual crise é o ensinamento prático – muitas vezes doloroso, inclusive – de que a ausência de prioridades é muito perigosa ao longo do tempo e, como o governo tem muita dificuldade (para não dizer “pouquíssimo interesse”) em analisar as prioridades de seu gasto, talvez a melhor ideia seja a de repensar a presença do Estado quando este demandar mais recursos, de modo a exigir um maior nível de contrapartida dos já volumosos recursos (superamos a cifra dos R$2 trilhões em 2015 e 2016 [4]) ou mesmo questionar sua presença buscando compreender a real necessidade de tal inserção.

Pode ser que isso demore ainda alguns anos, dada a tradição brasileira de amar o poder público mesmo tendo desprezo por seus componentes [5], mas é notável que a geração recém-encaminhada ao mercado de trabalho poderá ser o início desta mudança de mentalidade no país.

 

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

 

Notas

[1]          http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/11/1830388-crise-no-rio-e-didatica-afirma-meirelles-ao-defender-reformas.shtml

[2]          http://www.valor.com.br/brasil/4580585/brasil-enfrenta-problema-de-aumento-do-gasto-publico-diz-meirelles

[3]          http://terracoeconomico.com.br/estatais-sao-orgulho-nacional-petrobras-eletrobras-e-correios-dizem-o-contrario  

[4]          http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/brasileiros-ja-pagaram-r-2-trilhoes-em-impostos-em-2016.ghtml

[5]          http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2104

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em janeiro de 2017:

– Terraço Econômico (30/01/2017): http://terracoeconomico.com.br/8922-2 

– Investing.com Brasil (31/01/2017): https://br.investing.com/analysis/a-parte-did%C3%A1tica-da-atual-crise-brasileira-200174118

O que não se vê na pesquisa da Oxfam

Nos últimos dias recebeu bastante atenção da mídia em geral um relatório de pesquisa da ONG britânica Oxfam [1] que declarou categoricamente: as oito pessoas mais ricas do planeta têm, juntas, mais dinheiro que 3,6 bilhões de pessoas. Levantou-se novamente a importante discussão sobre a desigualdade, esta que expande um enorme leque de pontos relevantes – porém, com tudo sendo direcionado a este ponto principal de acumulação de riquezas.

O relatório é extenso e toca em diversos pontos, tais quais a remuneração crescente de quem já está nas faixas mais privilegiadas de renda (como os CEOs) ser sensivelmente maior que a do trabalhador comum, o aumento da produtividade que não é acompanhado pelo aumento dos salários – o que não é realidade em todo o mundo, por exemplo não o parece ser no Brasil, país em que a política de aumento do salário mínimo acabou beneficiando proporcionalmente muito mais os menos qualificados [2] – e a influência das elites financeiras sobre os regimes de taxação por todo o mundo. Todos aspectos de ampla discussão e difícil conclusão.

Porém, é relativo ao ponto focado em “oito pessoas serem mais ricas que 3,6 bilhões de pessoas” que fica a análise vazia. A impressão que fica é que o mundo não esteve tão ruim, com a renda tão concentrada e com condições tão terríveis para os mais necessitados. Dois dados – um teórico e o outro quantitativo – discordam dessa visão:

  1. Há uma diferença entre fluxo e estoque de renda que não é comentada. Renda em fluxo (ou fluxo nominal de renda) é aquela que está circulando pelos mercados, passando de um agente para outro; estoque de renda é a parcela que os agentes decidem não gastar e acumulam para si. Segundo a metodologia utilizada pela Oxfam – da renda líquida, que é a renda menos todas as dívidas –, importa apenas o estoque, não leva-se em consideração a melhoria na qualidade de vida advinda do fluxo circular da renda [3];
  2. Diversos índices – o de pessoas em situação de extrema pobreza, o de países sob regimes democráticos, o de acesso a educação básica e o mortalidade infantil, apenas para citar quatro – mostram que, ao contrário do que o resultado da pesquisa pretende apontar, estamos muito melhores como humanidade nos dias atuais do que fomos outrora. Confira nos gráficos abaixo e também na pesquisa que dá base a eles:

De modo direto, é possível observar que as condições da humanidade têm melhorado com o passar das gerações. É claro que ainda há muito o que se desenvolver pelo mundo a fora e também domesticamente – pense, por exemplo, que em nosso país ainda temos um longo caminho de melhorias, dentre outros aspectos, no saneamento básico (estamos entre os 100 piores países neste quesito [5] mesmo estando entre as dez maiores economias do mundo) e na educação (menos de 10% dos brasileiros têm plena condição de se compreender e se expressar [6]) –, mas utilizar como justificativa que “pessoas com conexões fazem mal ao planeta” e “a culpa é dos paraísos fiscais” (quando não agarrando-se somente ao ponto de que oito pessoas são mais ricas que a metade da população, como se distribuir igualitariamente a renda delas fosse a solução fácil e direta dos problemas) para apontar que estamos pior como humanidade nos dias atuais é, ao menos, altamente discutível.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

Notas

[1] Eis o relatório, completo, em inglês: https://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/file_attachments/bp210-economy-one-percent-tax-havens-180116-en_0.pdf

[2]          https://www.insper.edu.br/conhecimento/politicas-publicas/produtividade-e-salarios/

[3]          http://analiseeconomica.com.br/site/entendendo-como-as-coisas-funcionam-o-fluxo-circular-da-renda/

[4]          https://ourworldindata.org/a-history-of-global-living-conditions-in-5-charts/

[5] http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2014-03/brasil-ocupa-112a-posicao-no-ranking-internacional-de-saneamento

[6]          https://educacao.uol.com.br/noticias/2016/02/29/no-brasil-apenas-8-escapam-do-analfabetismo-funcional.htm

O autor agradece ao professor da FEA-RP /USP, Cláudio Lucinda, pelo auxílio neste artigo.

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em março de 2017:

– Terraço Econômico (17/01/2017): http://terracoeconomico.com.br/o-que-nao-se-ve-na-pesquisa-da-oxfam

– Money Times (18/01/2017): https://www.moneytimes.com.br/o-que-nao-se-ve-na-pesquisa-da-oxfam

 

Novas regras para o FGTS: o último a sair apague a luz

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o famoso FGTS, faz parte do famigerado grupo de ditos direitos inalienáveis do trabalhador. Em teoria, seu objetivo principal é o de fornecer uma salvaguarda ao trabalhador em tempos difíceis (como na ocasião de demissão), de auxílio para a realização de um sonho (como o de comprar a casa própria) ou, então, para a aposentadoria. Na prática, o FGTS é uma poupança realizada compulsória e mensalmente direto do salário de todo trabalhador registrado sob o regime da CLT (no montante de 8% de seu salário), com a premissa de que ele seria menos capaz de poupar de maneira livre e autônoma do que sob a obrigatoriedade do Estado.

Como toda forma de contribuição ou imposto no Brasil, há grupos que apoiam de maneira ferrenha a sua existência e outros que o encaram como apenas mais um fardo no chamado “custo Brasil”. Enquanto os primeiros defendem o fundo por sua contribuição a investimentos em habitação (via linhas de financiamento da Caixa Econômica Federal), saneamento básico e infraestrutura, os críticos do FGTS argumentam ser escolha do trabalhador o que fazer com seu salário, além de destacarem o pífio rendimento do fundo e a falsa concepção de que esses recursos são facilmente utilizáveis por famílias de baixa renda que desejam realizar um financiamento para alcançar o sonho da casa própria, dado que as condições são bastante específicas.

[Confira a versão completa diretamente no site da Gazeta do Povo, que publicou este artigo em 25/01/2017]

Caio Augusto e Rachel de Sá – Editores do Terraço Econômico

Publicações deste artigo, que foi escrito em janeiro de 2017:

– Gazeta do Povo (25/01/2017): http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/novas-regras-para-o-fgts-o-ultimo-a-sair-apague-a-luz-be7gzqdrqwjb73wcgpz7bjqbw?utm_source=facebook&utm_medium=midia-social&utm_campaign=gazeta-do-povo [Na edição digital e também na impressa, na página 03, que pode ser visualizada aqui: http://flip.gazetadopovo.com.br/pub/grpcom/index.jsp?ipg=767503%5D

gazeta-do-povo-pagina-02

– Terraço Econômico (27/01/2017): http://terracoeconomico.com.br/novas-regras-para-o-fgts-o-ultimo-sair-apague-luz

– GO Associados (06/02/2017): https://gallery.mailchimp.com/ab23f2069be94b2201ffe6884/files/cd1843ad-4c12-48fd-9516-d2ad834bed09/RE_06_a_10_de_Fevereiro.pdf

 

Trump e um mundo em mudanças

Os quatro – possivelmente oito – anos de Trump acabam de começar, junto com este 20 de janeiro de 2017. Muitas previsões foram apontadas, com a tendência destas indicando pra isso ter sido uma má ideia. Mas essa é a democracia, e é preciso aceitá-la em suas regras de representatividade popular, pois seu substitutivo (a discricionariedade da concentração de poder) é, por incrível que pareça, pior.

Estamos vivendo tempos de diminuição das relações entre países, de um olhar mais focado na tomada de decisão dos países individualmente do que em grandes grupos, como outrora – Brexit e Trump são realidades, Marine Le Pen tem chances consideráveis de se eleger na França e o ideal de integração social de Angela Merkel pode ser derrotado nas próximas eleições alemãs -, além de um questionamento profundo sobre a liberdade que se ergueu pelo mundo no pós-muro-de-Berlim.

Se isso é bom ou ruim, realmente vamos descobrir com o tempo. Mas é preciso analisar friamente: tais movimentos são oriundos da vontade da maioria, o que significa que o conservadorismo é o novo pop; e, além disso, pode ser que saia melhor que a encomenda – lembre-se que todo ano temos previsões catastróficas para quase todos os assuntos, o que não significa que o mundo realmente esteja acabando.

Daqui a cinco ou dez anos poderemos analisar com cautela o período atual, distantes da euforia que existe atualmente, o que nos permitirá chegar a conclusões mais diretas sobre o que se passa hoje. Independente de onde as decisões mundiais de hoje nos levarão, é notável que estamos passando por uma mudança de rota. A tal da globalização está cedendo espaço para o nacionalismo – inclusive o primeiro ato de Trump foi, hoje, criar o dia do patriotismo. Acompanhemos!

Por Caio Augusto | Editor do Terraço Econômico

– Escrito e publicado na página do Terraço Econômico em 20/01/2017: https://www.facebook.com/terracoeconomico/posts/1430025273714945

Como funciona o reajuste do salário mínimo

Como tradicionalmente tem ocorrido, o último dia útil de 2016 serviu para a publicação do novo valor do salário mínimo no país. Dos R$880,00 válidos em 2016, agora se tem como piso para o trabalho semanal de 40 horas um salário mensal de R$937,00.

Logo após o anúncio, políticos de oposição ao governo Temer – como a senadora Gleisi Hoffman – apontaram que, com este reajuste (de 6,5%), não haveria ganho real, dado que a regra utilizada é “INPC do ano anterior + crescimento do PIB de dois anos antes” [1]. Para que houvesse ganho real, o valor aproximado de reajuste percentual estaria próximo de 7,5% (7,39% de INPC em 2016 até novembro [2] somados a 0,1% de crescimento do PIB – ou 0,5%, após revisão [3]).

Porém, o ponto que não foi tratado é que esta regra se alterou [4], justamente para beneficiar os trabalhadores. Explica-se: a regra foi ampliada para o cenário de PIB negativo – inicialmente, apenas para o período 2011-2015, agora também para 2016-2019. Em anos de PIB negativo (como foram 2015 e 2016), a correção será feita apenas pelo INPC (uma vez que o efeito do PIB negativo reduziria consideravelmente os reajustes). Caso não tivesse esse adendo e apenas utilizasse a metodologia original sem desconsiderar anos de PIB negativo, teríamos reajustes muito inferiores pra 2018 e 2019. Com um INPC previsto de 5% para 2017 e 2018, os reajustes previstos para 2018 e 2019 seriam de, respectivamente, 1,7% e 2%. Justamente para evitar tal questão que a regra sofreu esta modificação em 2015.

Veja como o reajuste ocorreu desde 2011 (ano que a regra foi implementada) até então e como ele poderia ocorrer caso a regra não tivesse sido alterada:

[5]

É possível observar que, embora o ganho real anual não ocorra quando o fator de reajuste salarial envolver algum ano com PIB abaixo de zero, ainda há a preocupação de manter o poder de compra segundo o INPC. Nestes próximos dois anos os reajustes cobrirão apenas a inflação passada – e, apesar de isso significar ganho real zero, poderia ser consideravelmente pior.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

Notas

[1]          Regra de reajuste do salário mínimo: http://www.ebc.com.br/cidadania/2013/07/saiba-como-e-calculado-o-reajuste-do-salario-minimo-no-brasil; a lei original é válida até 2015, mas Henrique Meirelles garantiu no ano passado que esta regra seria mantida: http://g1.globo.com/economia/noticia/2016/05/formula-de-correcao-do-salario-minimo-sera-mantida-diz-meirelles.html

[2]          http://br.advfn.com/indicadores/inpc/2016

[3]          http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/11/1833011-ibge-revisa-crescimento-do-pib-em-2014-de-01-para-05.shtml

[4]          http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/03/governo-publica-mp-que-estende-modelo-de-reajuste-do-salario-minimo.html

[5]          INPC acumulado: os de dezembro de 2011 a 2015, novembro de 2016 (http://www.portalbrasil.net/inpc.htm) e previsões do texto para 2017 e 2018; PIB anual: http://br.advfn.com/indicadores/pib/brasil; reajustes salariais (até 2017, depois previsto pela simulação): http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/salario_minimo.htm

Publicações deste artigo, que foi escrito em janeiro de 2017:

– Terraço Econômico (13/01/2017): http://terracoeconomico.com.br/como-funciona-o-reajuste-do-salario-minimo

– ADVFN Brasil (13/01/2017): http://br.advfn.com/jornal/2017/01/como-funciona-o-reajuste-do-salario-minimo

 

Salário mínimo não tem ganho real desde quando?

Economia em Pílula, uma dose de economia no seu dia | por Caio Augusto

Tem sido propagado em diversos meios que o último reajuste do salário mínimo não apresentou ganhos reais aos trabalhadores. Porém, estes mesmos meios esquecem-se de um ponto essencial nesta análise: o referencial temporal.

Explicando brevemente: a ideia de ganho real é aquela em que o aumento supera a perda inflacionária. No caso, fora aplicada entre 2011 e 2015 uma regra definida em lei [1] (“PIB de dois anos atrás + INPC do ano anterior”) capaz de garantir estes ganhos reais, mas anteriormente a este período, os ganhos reais ainda ocorriam.

Neste ano ocorreu um reajuste, mas que não seguiu tal regra completamente e ofereceu um ganho real zero (e nominal 6,5%). A lógica de dizer que o ganho real não ocorreu de um ano para outro é basicamente encarar que observa-se apenas o período de 12 meses nesta conta. Porém, como o próprio gráfico contido em uma dessas reportagens mostra claramente, os ganhos reais existem acumulados de reajustes anteriores:


ganho-real
[2]

Fazendo uma conta rápida, há um ganho real de 59,21% de 2003 até o último reajuste, 14,58% desde o início da década e 2,82% desde 2015 (ano em que a atual crise brasileira iniciou sua trajetória declinante mais voraz). Estes ganhos – que, como já afirmado, estão acima dos índices inflacionários – devem ser desconsiderados totalmente e devemos mesmo encarar que não existe reajuste com ganhos reais no país? Tudo depende do referencial que se preferir adotar. Mas os dados mostram que o salário mínimo vence a inflação ao longo do tempo, então não há real motivo para alarde neste momento.

Um adendo importante: este artigo não é de modo algum uma defesa do fim do processo de valorização real do salário mínimo – só objetiva mostrar que os referenciais utilizados para mostrar valorização ou não fazem muita diferença, e realmente é muito difícil sinalizar que o país estagnou em ganhos reais de salário mínimo olhando os dados.

 

Notas:

[1]          http://www.ebc.com.br/cidadania/2013/07/saiba-como-e-calculado-o-reajuste-do-salario-minimo-no-brasil

[2]          http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/salario-minimo-nao-tem-aumento-acima-da-inflacao-pela-1-vez-em-13-anos.ghtml

 

Publicações deste artigo, que foi escrito em janeiro de 2017:

– Terraço Econômico (04/01/2017): http://terracoeconomico.com.br/salario-minimo-nao-tem-ganho-real-desde-quando

O que esperar da economia brasileira em 2017?

O que esperar da economia brasileira em 2017? Nossa equipe discute vários temas centrais que vão dar o que falar em 2017, na economia e política nacional. Confira esse “olhar do terraço” e participe comentando o que você acredita que irá acontecer esse ano, aqui na Terra Brasilis.

ARTHUR LULA MOTA

Política Fiscal:

Por ora, não houve ajuste fiscal. A retórica conhecida e amplamente desmentida é que o ajuste fiscal levou o país para a recessão desde 2015. O argumento é falacioso por dois simples motivos: a recessão começou em 2014 e não houve corte de gastos desde então, muito pelo contrário, as despesas do governo estão crescendo. Em 2017 não será diferente.

Mesmo com a aprovação da PEC do teto dos gatos, a despesa pública continuará crescendo, pressionando o déficit primário. É importante elencar os motivos: i) o teto é baseado na inflação do ano passado, que no caso de 2017 será a inflação de 2016. A inflação de 2016 será algo em torno de 6,40% ao passo que 2017 apresentará inflação na meta (4,50%). Apenas nessa brincadeira já ouve aumento real (6,40% em cima de um crescimento dos preços de 4,50%); ii) Mais do que isto, os gatos com Saúde e Educação terão uma evolução especifica ano que vem, onde o piso do primeiro ficou estabelecido como 15% da Receita Corrente Líquida de 2017 e o segundo com piso de 18% da receita de impostos de 2017. Desta forma, teremos forte aumento reais nestas duas rubricas.

Isso quer dizer que a PEC é ruim? Não, apenas que ela promove um ajuste muito mais gradual e menos agressivo, o que fará com a relação Dívida Bruta/PIB ainda tenha uma trajetória crescente nesses primeiros anos, invertendo apenas lá na frente. A situação fiscal brasileira ainda é crítica, e a Reforma da Previdência é mais um passo dessa batalha.

 

LEONARDO PALHUCA

Política Monetária:

Parece que a inflação arrefeceu. A retomada da credibilidade na autoridade monetária, aliada a uma desinflação de preços de alimentos e de serviços (este último muito fortemente influenciado pela brutal crise económica pela qual o país passa) fizeram com que a inflação de 2016 esteja projetada já dentro da meta do BC, após um 2015 em 10,7%. E o melhor ainda: a inflação para os próximos anos – 2017 e 2018 – já está estimada na meta. Assim, com a atividade ainda se retraindo e com ociosidade e com o Banco Central nas mãos de quem sabe fazer, há um bom espaço para a queda de juros no Brasil em 2017.

Uma continha básica: se a inflação continuar sua trajetória de queda, o Banco Central deverá perseguir uma taxa real muito próxima da nossa média no passado recente, algo em torno de 5% – 6%. Inflação em 4,5% e taxa real em 6% equivalem a uma taxa Selic nominal de 10,5%. Justamente a previsão mediana de mercado. Com a Selic nos atuais 13,75%, devemos ter uma queda mais acelerada dos juros. Não que isso vá reavivar a economia brasileira. Mas desta vez, a queda de juros não será na marretada e a inflação parece que ficará controlada.

CAIO AUGUSTO

Política Interna:

Três temas devem ser centrais na política brasileira em 2017: 1) A possível cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE: denúncias sobre doações irregulares para a campanha da chapa vencedora em 2014 estão sendo analisadas e há possibilidade de que Temer deixe a presidência caso ocorra a condenação. Há uma tentativa da defesa de Temer de desvincular suas contribuições às de Dilma, mas tal justificativa é tida como juridicamente fraca; 2) Com a possível saída de Temer: eleições para o novo presidente. Segundo a constituição, caso um presidente sofra impeachment ou se ausente por qualquer motivo, as eleições são diretas se o ocorrido for nos primeiros dois anos de mandato e indiretas se forem nos dois últimos. Porém, após a mini-reforma eleitoral de 2015, ficou decidido que eleições indiretas só ocorrem se a saída acontecer nos últimos seis meses do mandato. Com isso, podemos ter eleições diretas em 2017; 3) Por último e não menos importante, a delação da Odebrecht e os rumos da Lava Jato: a famigerada “delação do fim do mundo” tem indicado o envolvimento de dezenas – se não centenas – de parlamentares em esquemas de corrupção, e os efeitos disso serão sentidos fortemente em 2017. Qualquer tentativa de encerramento abrupto das investigações, como se temia após o processo de impeachment, deve ser contida – uma vez que aqueles que teriam interesse nisso estão (ou logo estarão) no alvo da mídia, da pressão popular e das investigações. Eduardo Cunha também deve delatar, mas é pouco provável que sua delação cause mais danos que a da Odebrecht.

Em suma: na política, 2017 tende a ser mais agitado que o ano que está se encerrando. Talvez pela previsibilidade cada vez menor deste cenário: quando do impeachment de Dilma, imaginava-se que a entrada de Temer iria colocar um rumo na situação econômica; algo já se iniciou – como a PEC do Teto, que foi aprovada -, mas o muito que faltaria – reformas previdenciária e trabalhista, por exemplo – dependem de um fator político que pode deixar de existir, apesar da atual equipe econômica ser muito boa. Isso sem falar no vácuo de lideranças políticas ocorrido agora: dificilmente quem assumir as rédeas com uma eventual saída de Temer vai querer ter alguma relação com a situação atual – e, com isso, as reformas devem cessar seu andamento.

 

RACHEL DE SÁ

Economia Internacional:

Enquanto isso, no cenário internacional, a eleição de Donald Trump nos EUA e a decisão do Reino Unido de abandonar o projeto político-econômico da União Europeia (o famoso Brexit) contaminaram o até então interregno benigno vindo de além mar. No curto prazo, o novo ambiente político eleva o grau de incerteza e aversão ao risco nos mercados internacionais, impactando negativamente países considerados mais arriscados – principalmente emergentes, como o Brasil. No médio prazo, a normalização da política monetária norte-americana, acelerada por uma provável política fiscal expansionista conduzida pelo Presidente recém eleito, torna-se importante fator para decisões de política monetária de países como o Brasil, ao atrair investidores estrangeiros de volta aos juros não mais tão baixos assim na terra do Tio Sam e impactando moedas (e, consequentemente, índices de inflação) em terras Tupiniquins. Por outro lado, ainda é incerto o impacto de uma política protecionista norte-americana e de uma União Europeia enfraquecida pela saída dos britânicos. Enquanto políticas contra o livre comércio nos EUA impactarão negativamente o volume do comércio global, a baixa inserção do Brasil em cadeiras globais de valor o protegerá de maiores impactos; ao mesmo tempo, países antes fora do radar europeu, como o Brasil, passarão a ser vistos como opção para aproximação comercial para um Reino Unido obrigado a negociar sua vida do zero. Em suma, incerteza e cautela serão as principais palavras no cenário internacional de 2017.

 

PEDRO LULA MOTA

Investimentos:

A perspectiva para 2017, do ponto de vista do mercado de investimentos, especialmente para a bolsa de valores é construtiva. A inflação retornando a meta e cada vez mais ancorada irá proporcionar um ciclo de corte de juros mais consistente, e por sua vez, terá um efeito positivo sobre as empresas e seus múltiplos. Causando um alvo ao custo de dívida, impulsionado pela melhora do ambiente econômico, com o crescimento das receitas e resultados mais fortes do que os anos anteriores.

Em uma análise rápida da matriz de Preço/Luro alinhada ao percentual de Crescimento dos Lucros, podemos elaborar uma análise de sensibilidade da cotação do Ibovespa. O valor de preço justo entre as variáveis corresponde aproximadamente 73 mil pontos, correspondente a up-side de 24% para o próximo ano, evidentemente que esta é uma projeção do valor justo dos papéis e trabalha com o cenário benigno de nenhum grande choque exógeno ou evento que possa depreciar o mercado. Fato é que, mesmo após a recuperação do índice em 2016 em torno de 40%, tal recuperação esteve mais ligada a euforia política e diminuição do risco-pais, agora a valorização tende a ser mais consistente e alinhada aos fundamentos macroeconômicos e microeconômicos de cada setor ou empresa.

Ademais, outra novidade – após de ano de ostracismo –  é a volta dos IPOs (oferta pública de ações). Como o mercado financeiro vive de boatos, estima-se que 20 operações estão no pipeline do próximo ano, número um pouco excessivo em nosso ponto de vista. Compõe o hall de nomes: Unidas, Movidas, Carrefour, XP Investimentos, Bio Ritmo, IRB, etc. A questão que estas operações costumam ser ótimas oportunidades de investimentos, pois o mercado normalmente não precifica de forma perfeita tais ativos, gerando oportunidades de arbitragem e/ou de alocar em empresas com ótimos fundamentos para um cenário de longo prazo.

Para aqueles mais conservadores e que não queiram se arriscar em fortes emoções da bolsa de valores, a renda fixa ainda assim é uma alternativa rentável. Apesar do ciclo de corte de juros, ele ainda é elevado, atualmente estamos falando de um cenário de taxas de juros real em torno de 8%, o que gera oportunidades de investimentos em títulos pré-fixados (travando a sua taxa de juros atual). Títulos atrelados à inflação começam a perder atratividade, especialmente após o grande boom ocorrido em anos anteriores (o investidor que teve sangue frio nesse período, obteve taxas nunca antes vistas como 16%a.a. durante 5 anos, sem risco, coisas de Brasil.

No mundo de investimentos as premissas são dinâmicas e os movimentos são rápidos. Então, estejamos em alerta para um novo horizonte que vem se abrindo.

 

LEONARDO SILVÉRIO

Reformas Microeconômicas:

Pacote para sair da crise, pacote para incentivar a economia, Conselhão de empresários. O Brasil, em especial os dois últimos governos do PT, adora esse tipo de saída para os problemas. A questão é que estas não são saídas.

Demora-se em média 83 dias para abrir uma empresa no Brasil. Nossos vizinhos chilenos demoram apenas três. Se abrir o próprio negócio já é uma tortura, ao tocá-lo no dia a dia percebe-se que aquele foi apenas o primeiro obstáculo. Empreendedores brasileiros levam em média 2,6 mil horas por ano só preenchendo a papelada. Os bolivianos, em segundo lugar, levam menos da metade do tempo: 1.025 horas. Não há pacote ou Conselhão que resolva isso a não ser boas reformas.

O governo de Dilma Rousseff incentivou a desvalorização da moeda e forçou as taxas de juros para baixo mesmo com a inflação em trajetória de alta. Com isso, o governo ignorou as reformas microeconômicas necessárias. Felizmente, eu acredito que o governo Temer colocou estas reformas microeconômicas em pauta. Posso estar sendo otimista demais, mas o final de 2016 me dá esta brecha. Com isso, a equipe econômica pode tornar o país mais competitivo e saber que nem tudo é câmbio desvalorizado ou medidas macroeconômicas. Os empresários precisam fazer negócios de maneira simples, não muito mais que isso. E não ser um herói forçado.

 

VICTOR CÂNDIDO

Reforma da Previdência:

Intertemporal, essa é a palavra que tem guiado as reformas fiscais do governo Temer. Equilíbrio intertemporal das contas públicas, com a já aprovada PEC55 e agora com a PEC da reforma da previdência, tudo isso para um ajustamento fiscal que dure décadas e não alguns poucos anos. A confiança de longo prazo do país depende dessa confiança intertemporal.

A reforma não é dura, é necessária. Hoje para se aposentar com 100% do benefício o indivíduo deve trabalhar algo em torno de 41 anos. Então para se aposentar com o teto, segundo as regras antigas, um sujeito de 23 anos se aposentaria aos 64 anos. Com o mesmo tempo de contribuição e com as novas regras, ele se aposentaria com 92% do benefício, ou seja, 8% de taxa de sacrifício, se ele quiser os 100% vai ter que trabalhar mais 8 anos. O exemplo mostra que a reforma não é tão dura quanto se pensa e que ninguém vai precisar trabalhar até morrer para ter o teto.

Importante notar também que mais de 90% dos benefícios pagos pelo INSS são de até 5 salários mínimos, e quase 70% do total é salário mínimo. A reforma a ainda mantém os benefícios atrelados ao salário mínimo, ponto negativo, que deveria ser revisto, porém, uma batalha de cada vez.

ARTHUR SOLOW

Privatizações:

Com mais força no início do Governo Temer, o assunto das Privatizações/Concessões cairam de volume após as pautas políticas ganharem espaço nos noticiários. Temer chegou a dizer que queria privatizar “tudo o que for possível”, em diversas áreas como aeroportos, saneamento, energia e rodovias.
Mais do que as concessões, temos que pensar na lógica por trás disso tudo. Assim como no caso da PEC dos Gastos, que trouxe uma discussão sobre o orçamento do Governo e a alocação dos recursos, a possível “onda” de privatizações nos leva a refletir: quais são os setores que o Governo deve ser dono de empresas? Faz sentido usar recursos públicos para isso, ou seria melhor utiliza-los de outra forma? Há algum setor absolutamente estratégico para o país? Se há alguma área que a iniciativa privada seja mais eficiente e capaz de entregar o mesmo resultado, vamos em frente.

 

– Post colaborativo publicado no Terraço Econômico em 02/01/2017: http://terracoeconomico.com.br/o-que-esperar-da-economia-brasileira-em-2017

– Post colaborativo publicado em Investing Brasil em 04/01/2017: https://br.investing.com/analysis/o-que-esperar-da-economia-brasileira-em-2017-200171445