Na sequência das indicações de sexta-feira que essa coluna tem trazido, temos hoje um documentário da HBO de 2017 chamado Becoming Warren Buffett (ou, em nossa tradução, Como ser Warren Buffett).
Dada a relevância do personagem principal deste documentário, provavelmente você já viu em algum outro lugar um artigo sobre as lições que ele traz. Para que você não sinta que está perdendo seu precioso tempo enquanto lê este aqui, de cara vamos te dizer: nele você verá as mensagens não explicitamente ditas. Que juros compostos importam e que “a primeira regra é não perder dinheiro e a segunda é não esquecer a primeira”. Mas, e quanto ao que é dito quase que subliminarmente?
Vamos a esses ensinamentos, e não são poucos.
Seja você mesmo e cuide-se
Imagine que você tem mais dinheiro do que pode gastar em toda sua vida. Possivelmente suas próximas duas gerações podem fazer o mesmo sem se importar. Isso mudaria o modo como você faz as coisas?
No documentário é mostrado que Warren aprendeu com seu pai que o que importa é como uma pessoa se vê, não como os outros veem. Revela o personagem principal do filme que isso o influenciou bastante na maneira como vê o mundo.
Quanto aos cuidados, logo no início temos uma analogia bastante interessante. Imagine que Buffet te enviará o carro dos seus sonhos, sendo só necessário pedir; mas com uma condição: seria o único carro da sua vida. Saber que seria o único carro faria você cuidar mais dele, não faria? Pois então faça isso com sua mente e seu corpo, porque não há substituição de nenhum desses.
As coisas podem dar errado, e tudo bem
Uma das tentativas mal sucedidas da vida de Buffet foi entrar em Harvard. Ele descreve que teve uma entrevista de quinze minutos com representantes da faculdade na qual descobriu de maneira bastante direta que não teria chances de estudar ali.
Em função disso ele acabou em Columbia, onde teve contato com Benjamin Graham e David Dodd, que são praticamente os criadores do value investing, modo de investir que leva em conta os fundamentos das empresas ao longo do tempo e não apenas seu crescimento. Essa filosofia de investimento o acompanha até hoje. Imagine só se tivesse entrado em Harvard…
Veja a essência, o real valor
Geralmente se tem a impressão de que um preço maior denota um valor maior. Mas é sempre importante lembrar que preço e valor são coisas diferentes.
Durante os primeiros anos da Berkshire Hathaway, a ideia era encontrar empresas que tinham preços baixos mas estavam subvalorizadas. Há no documentário até uma expressão peculiar para isso: “ações bituca de charuto, aquelas que lhe permitem uma última tragada”.
Em uma época como a atual, que no mercado brasileiro temos uma verdadeira festa dos IPOs, jamais se esqueça de que você em todo e qualquer investimento deve procurar pelo valor, não pelo preço. Não é trivial, demanda pesquisa e certo conhecimento que vai sendo adquirido, mas é indispensável de ser feito.
Quebre as leves correntes antes que elas pesem demais
Em certo momento é dita uma coisa importante: algumas dificuldades que teremos na vida podem ser superadas, contanto que ainda tenhamos os meios para isso. Buffett sentia que tinha dificuldade em falar em público e precisava contornar isso. Para tanto, fez um curso de Dale Carnegie.
Segundo Warren, ter identificado essa questão ainda jovem permitiu com que ele lidasse com isso de maneira mais eficaz, pois, como apontou, é mais fácil se livrar de hábitos complicados (como a dificuldade de falar em público) quando eles ainda não estão enraizados, ou quando as correntes que representam ainda são frágeis e podem ser quebradas.
Tenha a cabeça aberta
O pai de Buffett foi um congressista Republicano e, durante boa parte de sua vida, ele recebeu essa influência de raiz mais conservadora politicamente. Susie, sua esposa, estava em outro espectro político: graças a ela, ele ficou atento ao movimento dos Direitos Civis nos EUA e chegou inclusive a ir em um discurso de Martin Luther King.
Isso significa que você deve ser ligado a causas sociais? Não necessariamente. Mas aponta que é salutar, não se prender a dogmas, pensar que eles devem definir sua vida inteira ou mesmo evitar de se relacionar com as pessoas em função disso. Esse tópico é especialmente importante numa época em que a polarização política parece dominar todos os aspectos da nossa vida.
Defina o que realmente importa e seja consistente
Em diversos momentos da vida teremos os “conselheiros de obras questionáveis” nos apontando caminhos. “Você precisa se casar com tal idade”, “já é hora de ter filhos”, “por que não comprou uma casa ainda?”.
Mas, lembre-se: tão importante quanto descobrir seu verdadeiro EU é ter em mente o que se quer fazer e, ainda mais relevante, o que não se quer. A consistência na tomada de decisão do que se deseja é importante. No fim das contas é você que vive sua vida, não quem te dá conselhos.
Aprenda com o passado
“Quem sai aos seus, não degenera”, já dizia a tradicional máxima familiar. Mas ser parecido e ter certa visão de mundo análoga não significa que você precisa fazer tudo igual e cometer os mesmos erros.
Buffett via em seu pai uma figura conservadora e que vinha de uma certa criação que envolvia ter a mulher como “pessoa que cuida da casa” enquanto o marido sozinho seria o provedor. Quando se casou, ele refletiu sobre isso e chegou ao entendimento de que não fazia muito sentido.
É sim possível ter novos pontos de vista independente de onde você foi acostumado desde pequeno a olhar.
Tenha parcerias confiáveis
Charlie Munger, parceiro de longa data, foi quem fez Warren olhar com mais atenção para empresas um pouco maiores que poderiam estar subvalorizadas. Essa mudança de mentalidade, de sair apenas das pequenas empresas, impactou positivamente sobre os resultados da Berkshire Hathaway ao longo dos anos.
Não se trata de missão trivial, mas quem ao longo do caminho você encontrar que te oferecer uma visão sincera, honesta e confiável da realidade, procure manter ao seu lado. As melhores decisões são aquelas que tomamos com pessoas com as quais podemos confiar – e confiança não é só concordância, também depende de um apontar honesto dos caminhos.
No documentário, Munger brinca que Buffett deve ter discordado dele umas quatro vezes em quarenta anos. E, sobre isso, “qual o impacto no longo prazo? Nenhum”, disse o velho parceiro.
Seja ético! Isso vai valer a pena
Em décadas de investimento, Buffett viu diversas oportunidades de ser desonesto e conseguir dinheiro com isso. Não o fez, e está aqui até hoje, diferentemente de muitos que num curto prazo aproveitaram da “burrice” alheia para em algum momento posterior serem pegos em suas falcatruas.
Interessante aqui pontuar o caso do banco Salomon Brothers, do qual ele era acionista controlador e, após problemas envolvendo fraudes, atuou diretamente nas negociações com o Tesouro dos EUA para permitir que a instituição seguisse em atividade. Caso não tivesse reputação, provavelmente o fim teria sido outro para o banco – sem spoilers.
Comunicação e imagem importam
A mudança de Buffet de mega investidor bilionário para alguém que expõe suas opiniões mais abertamente se deu quando ele começou a comprar jornais – não os que ficam nas bancas, mas os veículos de jornalismo mesmo. Isso abriu muitas portas para que ele pudesse colocar suas visões para o mundo. Interessante apontar que, recentemente, ele colocou essa parte de seu império a venda.
Outro meio bastante direto de fazer isso são os eventos anuais dos acionistas da Berkshire Hathaway – o de 2020, inclusive, foi inteiramente online. Nesses eventos, que são quase festas, Buffet coloca suas impressões sobre o mundo dos investimentos e também se reúne com os acionistas quase como se fossem todos de uma mesma grande família.
Você não precisa ter uma empresa multibilionária nem comprar os jornais da sua região para fazer isso. Comunique-se adequadamente, seja lembrado. Tudo isso importa para as portas que se abrem para você ao longo do tempo.
Com tudo isso, você pode construir o que sonha
Poderíamos adicionar aqui tantas outras lições, como, por exemplo, a de, em sendo possível, ajudar ao próximo no caso de você ser bastante privilegiado ou buscar uma ocupação na vida que te deixe feliz e não apenas apegado ao dinheiro. Mas apontaremos neste encerramento duas lições importantes:
- 1 – Seja você mesmo, independente dos conselheiros de más obras que encontrar pelo caminho;
- 2 – Você não precisa ser o próximo bilionário do planeta para viver feliz e realizado. Embora não seja trivial encontrar a grande ocupação que não te deixe jamais cansado ou desanimado, sempre é possível tentar mais uma vez.
É possível viver de maneira livre e realizada como Buffet sem precisar ser ele. Basta ser quem você realmente quer ser. No fim das contas, foi desse jeito que um dos caras mais ricos do mundo chegou lá.
Publicado no Blog da Guide Investimentos em 25/09/2020